O noticiário sobre a rotina incessante de crimes relacionados aos conflitos no campo não revela as causas de toda essa violência. Traz à tona o seu pior efeito - o assassinato em série de trabalhadores rurais - assim como expõe a incapacidade do governo de proteger a vida das pessoas ameaçadas. Mas não aponta o principal responsável, embora a sua identidade seja notória: o agronegócio.
Eis que o agronegócio, com a sua estrutura altamente concentrada, é um modelo consolidado e ainda em expansão. É justamente essa expansão do agronegócio que tem levado ao aumento da violência e à expulsão de camponeses, pequenos agricultores, trabalhadores rurais e agroextrativistas, bem como do trabalho escravo.
Os conflitos no campo envolvem 92.290 famílias no Brasil, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Segundo a mesma fonte, 65 pessoas são assassinadas por ano, em média, na luta pela terra. E 2.709 famílias foram expulsas de suas terras entre 1985 e 2009. Além disso, em 25 anos, 165 mil famílias foram submetidas a trabalho escravo em usinas de cana, ou seja, no agronegócio.
Não por acaso, o aumento da violência no campo coincide com a expansão do agronegócio. E a única solução para essa violência toda é a democratização do acesso à terra. Só a reforma agrária pode propor uma lógica de distribuição da terra mais coerente com a realidade do Brasil. Não parece razoável que 44% da terra cultivável pertençam a apenas 1% dos proprietários, se é a pequena agricultura a responsável por 80% da geração dos empregos rurais e pela produção de 85% dos alimentos destinados ao consumo interno.
A política agrária e agrícola do governo federal se restringe, nos últimos 20 anos, a uma política pontual de assentamentos. E essa política não tem se refletido em avanço algum no movimento para a conquista da democratização do acesso à terra. Pelo contrário, aumentaram a concentração da terra e os conflitos no campo.
Quem diz que governa para todo mundo mente para alguém. O orçamento público apresenta de forma contundente qual é o projeto do governo federal de desenvolvimento para o campo: em 2010, o governo destinou em créditos em torno de R$100 bilhões para o agronegócio, e para agricultura familiar não mais que R$4 bilhões. Para este ano, foram previstos R$678 bilhões para a dívida pública, ou seja, para os bancos. Só R$4,4 bilhões para o desenvolvimento agrário e R$228 milhões para a Secretaria Especial de Direitos Humanos.
Nesse contexto, claro que o agronegócio vai se expandir ainda mais. A violência no campo também deve aumentar, tanto quanto o desmatamento. Enquanto a Câmara dos Deputados aprova um Código Florestal que anistia desmatadores, há uma Proposta de Emenda Constitucional emperrada no Senado para expropriar terras de escravocratas.
O Rio de Janeiro, por exemplo - onde há três anos não há assentamentos em latifúndios desapropriados -, conquistou em 2009 o topo do ranking do trabalho escravo, com o registro no estado do maior número de trabalhadores nessa condição subumana, a maioria na produção da cana de açúcar. O Projeto do Porto Açu, do empresário Eike Batista, prevê a instalação do seu corredor logístico justamente dentro do maior assentamento de reforma agrária do estado. Mais de 300 famílias estão sob a ameaça de perder a base do seu sustento, a moradia, a dignidade, a vida.
Marcelo Freixo é professor de História, deputado estadual (PSOL-RJ), preside a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, e a CPI das Armas.
FONTE: O GLOBO
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