Movimento ganhou força depois do dia 17, ao monopolizar o noticiário das grandes redes de TV, e auge foi no dia 20, em 150 cidades
Bruno Paes Manso e Rodrigo Burgarelli
SÃO PAULO - No dia 6 de junho, os jornais de São Paulo ainda repercutiam mortes violentas em tentativas de assalto quando uma primeira manifestação de 150 jovens, aparentemente despretensiosa, aconteceu no centro da cidade, na hora do rush, rumo à Avenida Paulista. Era o primeiro protesto do Movimento Passe Livre (MPL), que nos dias seguintes atrairia os holofotes da imprensa e se espalharia como "epidemia" pelo Brasil, contagiando rapidamente a população de diferentes cidades.
Até quinta-feira, a população saiu às ruas com cartazes para protestar em pelo menos 353 municípios, conforme levantamento feito pelo Estado em eventos no Facebook e em menções na imprensa regional. Ao todo, houve pelo menos 490 protestos em três semanas (mais de 22 por dia). Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em pesquisa feita nas prefeituras, identificou protestos em 438 cidades.
O papel das redes sociais (Twitter e Facebook) foi decisivo para a articulação dos discursos e para divulgar hora e local dos protestos. Mas a epidemia só ganhou força depois do dia 17, ao monopolizar o noticiário das grandes redes de televisão. "Fazendo um paralelo com o casamento, esses eventos não têm causa única. O casal não termina porque a toalha foi deixada em cima da cama. Essa toalha pode ser a gota d’água de brigas antigas. O mesmo ocorreu nos protestos, que explodiram por uma longa história de crises enfrentadas em silêncio", diz o professor de comunicação digital Luli Radfahrer (ECA-USP).
Avanço. Em São Paulo, os primeiros três protestos aconteceram em um intervalo de seis dias e não ultrapassaram os 10 mil manifestantes. Mesmo assim, já eram a principal história dos jornais. No dia 13 de junho, outras dez cidades aderiram - capitais ou cidades médias, como Natal, Porto Alegre, Rio, Santos e Sorocaba. No dia 17, quando São Paulo parou, com 200 mil pessoas nas ruas, já eram 21 protestando.
O auge foi no dia 20, quando 150 municípios tiveram protestos. Pelo menos 1 milhão de brasileiros foram às passeatas, segundo dados das Polícias Militares de 75 cidades. Desde Belém, no Pará, até Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. A menor cidade a se rebelar foi Figueirão (MS), que tem 2,9 mil habitantes.
O mote do transporte público foi o mais popular principalmente nas cidades que têm rede de ônibus. Mas os protestos também ganharam conotações regionais, especialmente nas cidades menores. Picos (PI), por exemplo, atraiu manifestantes contra os pistoleiros. Coxim (MS) protestou contra os buracos nas ruas e pediu a saída do secretário de obras. "Foi uma revolta típica da pós-modernidade, aparentemente sem causa. Do ponto de vista político, contudo, a multiplicidade de causas tornou os protestos mais fortes justamente porque permite várias interpretações dos que vão se manifestar", diz o psicanalista Jorge Forbes.
Forbes enxerga, no entanto, um ponto em comum nas demandas. "Trata-se de uma sociedade civil renovada, mais informada e educada, que continua tendo de lidar com as instituições do século passado, anacrônicas, que não atendem mais os anseios da população."
Difícil leitura. Mesmo para aqueles que acompanham a história do movimento, a epidemia de protestos surpreendeu. O filósofo Pablo Ortellado, coautor do livro Estamos Vencendo! (Conrad), sobre os movimentos autonomistas no Brasil, ainda se esforça para entender o que aconteceu. "A resistência e a desobediência civil já eram discutidas desde Seattle, em 1999, nos movimentos antiglobalização. A novidade foi o Passe Livre, que passou a ter uma pauta clara, com um grupo de referência para negociar. O governo foi acuado pelas passeatas e mudou sua decisão." As manifestações continuaram em menor quantidade depois da redução das tarifas, apesar de muitos protestos contra a Copa das Confederação
Para especialistas, atos podem continuar
Diante da"epidemia" de protestos, as autoridades foram surpreendidas e tentaram administrar "antibióticos" para acalmar a febre popular. A resistência durou até o dia 19. O prefeito Fernando Haddad (PT), que de manhã havia dito que baixar a tarifa era medida "populista", recebeu telefonema de seu colega carioca, Eduardo Paes, dizendo que iria ceder. Haddad e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) reduziram o valor da passagem de ônibus e metrô, medida que rendeu um efeito dominó e provocou a redução em outras 15 cidades. Itajubá, em Minas, por exemplo, mudou o valor de R$ 2,95 para R$ 2,50.
A presidente Dilma Rousseff também precisou se mexer e anunciou a intenção de convocar um plebiscito para promover a reforma política, entre outras medidas. A professora e pesquisadora de mídia digital Giselle Beiguelman (FAU-USP) vê a atitude dos políticos com ceticismo. "Parece que eles tentaram colocarum "curativo" para solucionar um problema muito mais grave", diz. Ela acredita que o resultado pode ser o inverso do esperado, já que as manifestações mostraram a força das ruas. Quando um problema surgir, os protestos, que se mostraram como uma solução vitoriosa, devem se repetir. "Há uma crise na democracia representativa. A internet aumentou a quantidade de informação e hoje as pessoas estão de olho nas ações governamentais. Os protestos devem continuar enquanto não forem feitas reformas profundas."
Energia. Os analistas lembram que as reivindicações atuais são diferentes das ocorridas, por exemplo, em 1984, quando se pedia as "Diretas-Já", e em 1992, quando os caras-pintadas gritaram pelo "Fora Collor". "A impressão da atitude dos políticos, com essas medidas pontuais, foi de uma mãe tentando dar "cala boca" nos filhos", diz o professor Luli Radfahrer. Ele acredita que é o momento de se aproveitar a energia do movimento para criar mecanismos de transparência digital e de participação na fiscalização e decisões políticas. /B.P.M eR.B.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/6/2013
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