Propor constituinte foi erro grave, diz ministro do STF
Gilmar Mendes afirma que presidente Dilma deveria ter ouvido outros poderes e que plebiscito para reforma política é temerário
Fernando Rodrigues
BRASÍLIA - A reforma política feita por meio de um plebiscito é temerária e de "difícil exequibilidade", diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Para ele, a presidente Dilma Rousseff deveria ter ouvido mais os chefes dos outros Poderes e líderes políticos antes de lançar a ideia.
"Acredito até que isso evitasse alguns equívocos na própria abordagem das propostas", afirma Gilmar em entrevista à Folha e ao UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha.
"Tenho dúvida sobre que perguntas serão dirigidas à população. Por exemplo: vai se adotar o sistema alemão misto distrital e proporcional? A população saberá distinguir?", indaga.
Para ele, a proposta de convocar uma constituinte exclusiva foi um "erro rotundo" e "extremamente grave".
Segundo o ministro, alguns itens da reforma política podem ser tratados por meio de lei, sem alteração da Constituição. Sobre como o Poder Judiciário deve responder aos protestos de rua, Mendes cita o caso da prisão do deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), decretada na semana passada pelo STF.
Leia a seguir, trechos da entrevista do ministro concedida na quinta-feira.
Folha/UOL - O STF e o Poder Judiciário também são alvos dos protestos de rua?
*Gilmar Mendes - Todo poder constituído está tendo a atenção chamada por causa dos protestos.
No Judiciário, temos uma grande falha no sistema de justiça criminal: a toda hora noticiamos que um evento como o do Carandiru foi julgado 20 anos depois. A resposta pode se dar no plano jurisprudencial.
Como assim?
Podemos tanto dizer que a partir do segundo grau já pode ocorrer a prisão se o juiz e o tribunal assim avaliarem.
Sem emenda constitucional?
Não é necessário fazer uma emenda. Ontem [quarta-feira passada], nós tivemos o caso de um deputado de Rondônia [Natan Donandon, ex-PMDB, condenado em 2010 a 13 anos de prisão] já nos segundos embargos de declaração.
O Supremo poderia ter mandado prender antes?
É um aprendizado. No futuro, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não esperar embargos de declaração.
No caso do mensalão, qual é o prazo para terminar o caso?
Tenho a expectativa de que encaminhemos esse assunto agora no segundo semestre. Muitos colegas estão imbuídos desse propósito.
Há ainda embargos infringentes. O STF deve aceitá-los?
Temos que discutir essa questão. Sou crítico dessa possibilidade. Vamos examinar os argumentos. O Poder Executivo fez propostas por causa das manifestações de rua.
O Poder Judiciário deveria ter sido ouvido?
Considerando a complexidade das propostas, todos os setores que têm responsabilidade institucional teriam que ser ouvidos previamente. Acredito até que isso evitasse alguns equívocos na própria abordagem das propostas.
Quais equívocos?
Já na apresentação havia quase que impulsos. Por exemplo, no que diz respeito ao combate à corrupção. "Ah, transformar em crime hediondo..." Em que isso resulta? No que diz respeito ao tema do processo constituinte, como foi chamado, a partir de um plebiscito, esse erro é rotundo, extremamente grave.
A presidente já recuou sobre uma constituinte...
Até porque ela não pode. O Congresso não pode. O Supremo não pode. Não há espaço para isso. Mas esse erro poderia ter sido evitado.
Por que a presidente fez isso?
Não tenho condições de avaliar. Certamente atribuiu gravidade aos movimentos e foi aconselhada a dar uma resposta. Mas, para problemas complexos, às vezes, há soluções simples... E erradas. E esse foi o caso.
E o plebiscito para fazer a reforma política?
Tenho dúvida sobre que perguntas serão dirigidas à população, que terá de decidir sobre temas que têm perfil bastante técnico. Por exemplo: vai se adotar no Brasil o sistema alemão misto distrital e proporcional? A população saberá distinguir? Quando essa resposta vier, o Congresso vai executar como?
O plebiscito é temerário?
Parece que sim. É de difícil exequibilidade. Nós estamos vivendo um momento muito peculiar. Descuidamos de questões importantes na esfera administrativa e corremos para eventualmente dar atenção a temas que até agora não foram tratados.
Como assim?
A questão da reforma política sempre esteve na agenda. Mas os próprios governos tiveram muita dificuldade de gerenciá-la. Neste momento de crise, talvez fosse o caso de ter chamado o presidente da Câmara, do Senado, do Supremo, do Tribunal Superior Eleitoral, as lideranças partidárias para dizer: nós precisamos priorizar a reforma política.
O que achou dos cinco pactos sugeridos pela presidente?
A iniciativa política é importante. É importante que haja a discussão. Hoje, estamos atrasados no pacto federativo. Se olharmos 1988 e agora, vemos o quê? A União concentrando recursos. Os Estados e os municípios estão muito mais débeis.
Quem deve liderar o processo sobre o pacto federativo?
O Senado e os governadores. Mas temos impasses. Sobre o FPE [Fundo de Participação dos Estados], guerra fiscal, royalties do petróleo. Três temas que estão ligados à questão federativa. E o governo federal não contribui para o desate.
O governo federal fica omisso?
Fica omisso. Veja que os Estados estão no Supremo Tribunal Federal impugnando a lei que fixou o piso salarial para os professores, dizendo que eles não têm condições de pagar. Há algo de patológico nesse modelo.
Esse problema tem a ver com o Palácio do Planalto?
Nessa questão dos professores talvez tenha havido um certo voluntarismo por parte do Executivo para aprovar um piso salarial. Acabou-se produzindo uma distorção. Faltou gradação, faltou medida política. E faltou político nessa história. O que prova que quando o Executivo se engaja, ele aprova. Tem sido a rotina. Por isso, falar que o Congresso está em débito também tem de ser visto "cum grano salis" [com certa reserva]. Muitas vezes, essa omissão decorre da falta de articulação por parte do próprio Executivo, que tem hoje o mais amplo apoio que já se formou nesses últimos anos.
O Poder Executivo teria de...
...Arbitrar essas relações com competência, com método, com racionalidade.
Joaquim Barbosa [presidente do STF] defendeu candidaturas avulsas. O sr. é a favor dessa medida?
Não devemos enfraquecer os partidos políticos. Devemos fortalecer os partidos, a sua democracia interna e evitar que grupos oligárquicos tomem conta deles. Os partidos políticos continuam a ser mediadores dessa relação entre o indivíduo e o Estado.
Em 2006, o STF declarou inconstitucional a cláusula de desempenho. Seria possível introduzir esse conceito por meio de lei ou é necessário mudar a Constituição?
Pode ser por lei. Temos um problema nesse modelo proporcional com coligação. Tanto que uma das discussões óbvias seria simplesmente suprimir a possibilidade de coligação. Com isso, haveria enxugamento das siglas partidárias no âmbito do Congresso Nacional.
A reforma política deve ser ampla ou gradual?
Nós estamos tentando consertar o avião em pleno voo. Os atores estão participando da vida política. Fazendo os seus cálculos: qual é o sistema eleitoral mais adequado para a minha agremiação, para o meu partido? Na experiência constitucional de outros países, essas reformas são feitas de forma gradual, com modelo de transição, de implementação deferida no tempo. É preciso que nós levemos isso em conta. Quando se diz "ah, agora nós vamos reformar o mundo de uma vez por todas", a gente já começa a errar.
Fonte: Folha de S. Paulo
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