• Na filosofia política de Renato Janine, o PT está sempre certo --e o inferno são os outros
- Folha de S. Paulo
A substituição acidental de Cid Gomes pelo filósofo Renato Janine no MEC criou, potencialmente, um espaço de diálogo. O novo ministro, figura culta e democrática, distingue-se sobre a paisagem sombria de um ministério de terceira. Isso torna relevante o exame do que ele diz, especialmente quando suas palavras evidenciam um fracasso intelectual.
Numa entrevista concedida à revista "Brasileiros" pouco antes de aceitar o convite para o MEC, Janine afirma que "o governo da Dilma foi uma decepção do ponto de vista econômico" e, por esse motivo, "a política que ela está adotando agora é tucana". Certas ou erradas, premissa e conclusão aparentam situar-se na esfera da honestidade intelectual, contrastando com os discursos da presidente que atribuem a radical mudança de rumo a circunstâncias externas (a conjuntura mundial). Tudo se complica, porém, no momento em que tais diagnósticos são postos no seu contexto.
Janine conjectura criticamente que Lula escolheu Dilma para sucedê-lo porque, "dos nomes possíveis do PT, era a mais próxima do empresariado", para confessar-se surpreendido: "Eu pensava que ela iria fazer uma política mais de direita, mais próxima dos empresários". Decorre logicamente daí que o filósofo atribui um sinal positivo à política econômica do primeiro mandato --a mesma classificada por ele como "uma decepção"! A filosofia é a arte de colocar as ideias em ordem. Nesse caso, a desordem dos enunciados não é fruto da incompetência do enunciador, mas da crônica incapacidade dos intelectuais petistas de superar o pensamento maniqueísta.
As coisas pioram a cada frase. Janine avalia que o PSDB, apesar de vocacionado para tornar-se um partido do empreendedorismo, "está mais para ser um partido do grande capital". Certo ou errado, o diagnóstico implica uma condenação irremissível da política "tucana" que Dilma "está adotando agora". Temos, portanto, que a política anterior era, ao mesmo tempo, virtuosa e decepcionante, e que seu corretivo atual é tão inevitável quanto inaceitável! O ministro ensinava ética e filosofia política na USP. Nesta coleção de enunciados políticos, mais que uma desordem filosófica, discerne-se um desvio ético. No fundo, ele está dizendo que o PT está sempre certo --e que o inferno são os outros.
Segundo Janine, Dilma estava essencialmente certa no primeiro mandato, mesmo estando materialmente errada, pois recusou-se a "fazer uma política mais de direita". E ela está materialmente certa no segundo mandato, ao ceder à razão e mudar de rumo, mesmo praticando uma política essencialmente errada, que é "tucana" e responde aos interesses "do grande capital". A desordem das ideias serve, aqui, a uma finalidade eficiente, que é alçar o governo do PT acima dos domínios da crítica racional. O enunciador protege também a si próprio, situando-se na ubíqua posição de defensor e crítico tanto da política anterior quanto da atual.
Na entrevista, Janine organizou essa defesa essencialista do governo do PT, mas não poupou a presidente de um dardo crítico letal. "Dilma está mostrando uma concepção de governo que não precisa prestar contas à sociedade", disparou, caracterizando-a como "no limite, autoritária". A pergunta, para a qual ele não ofereceu resposta convincente, é: por que aceitar o cargo de ministro, convertendo-se em agente da "concepção autoritária" de governo da presidente?
David Hume identificou na bifurcação entre as asserções descritivas ("isto é assim") e as normativas ("isto deve ser assim") uma complexa interrogação ética. A crise ética do governo manifesta-se em toda a sua intensidade no "sim" de Janine para Dilma. Isto deve ser assim: um intelectual aceita um ministério porque concorda com a "concepção de governo". Isto é assim: um intelectual aceita o cargo em nome da húbris, a soberba que os deuses punem.
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