Enquanto o governo continua acuado por baixa popularidade e pela infidelidade de sua base parlamentar, o Legislativo, que goza de prestígio ainda pior junto aos cidadãos brasileiros dá demonstrações sucessivas e extravagantes de corporativismo e desprezo à nação. O exemplo mais claro, mas não único, é o do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que desfruta de um poder de influência absolutamente desproporcional a um suspeito de corrupção da Petrobras cuja rota de malfeitos está sendo cada vez mais mapeada por depoimentos e documentos da polícia suíça.
Grande parte das dificuldades que vieram a assolar a presidente Dilma Rousseff desde o início de seu segundo mandato tem em Cunha o principal artífice - a outra parte se deve ao absoluto amadorismo da coordenação política do Planalto. Arregimentador bem sucedido do baixo clero, o deputado fluminense soube aproveitar as circunstâncias desfavoráveis ao PT para construir um poder dentro da Câmara, com o qual ainda conta para garantir sua permanência. Um de seus últimos truques é convocar sessões extraordinárias da Casa para que seja adiado o exame do pedido de cassação feito pelo PSOL e outros seis partidos, com a adesão de 36 deputados do PT.
Cunha sabe que sua carreira política está perto do fim e luta para manter o mandato para escapar à prisão. Ele está encurralado entre governo e oposição e sem liberdade de movimentos. Ao PSDB e DEM, Cunha foi direto como sempre ao dizer que assim que tiver encaminhado o pedido de impeachment, a oposição entregaria sua cabeça. Um acordo com o governo para barrar pedidos de impeachment pode lhe dar um pouco mais de esperanças, mas não certezas. Passado o risco de impedimento da presidente, se tornaria um inimigo inerme e descartável.
Esse deplorável jogo político, ao vivo e em cores, é de uma crueza incomum. Não é a corrupção que está em questão, mas o poder. Não há sequer indícios de suspeitas sobre a presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, enquanto que há contas na Suíça com milhões de dólares, com números e assinatura de Eduardo Cunha. A oposição, que nas votações do ajuste fiscal se aliou a Cunha para desgastar o governo, adula-o ainda, mesmo quando os indícios de prática de corrupção pelo deputado são tão grandes que logo deixarão o campo das suspeitas.
O governo e o PT não se saem melhor na história. O PT, que fora do poder foi o campeão da moralidade, poupa Cunha da mesma forma que a oposição, ignorando seu passado e seu presente. Há tempos mandou às favas os escrúpulos, e teme que as coisas possam piorar, tanto por ações de Cunha como da Lava-Jato. Com pouco mais de desprendimento e coordenação, o governo poderia enfrentar a arma do impeachment de Cunha e derrotá-lo no voto, especialmente agora.
Cunha armou seu poder em órgãos vitais na Câmara. No comando do Conselho de Ética e na relatoria da Comissão de Orçamento têm aliados às voltas com a Lava-Jato. Instalou a CPI da Petrobras para chantagear o governo e ela se revelou um espetáculo desastroso de desmoralização política generalizada, a começar pela do próprio Cunha, que mentiu em depoimento.
A CPI da Petrobras mostrou que não se perseguia o interesse público. Entre seus integrantes havia á uma dúzia de parlamentares na mira da Lava-Jato, o que, desde o início, predeterminava seus resultados nulos. Mas o desfecho foi além da pantomima. O relator, o petista Luiz Sergio (RJ), indicando o quão baixo caiu seu partido, concluiu que o problema estava na delação premiada e conclamou os deputados a mudar a lei - não propôs o indiciamento de ninguém.
O PSDB fez sua versão quase completa: pediu indiciamento de Dilma, do ex-presidente Lula e da meia centena de políticos investigados pela Lava-Jato - o único tucano incluído é o falecido Sérgio Guerra e dela não consta o senador Aloysio Nunes Ferreira.
Nesse ambiente, todos os projetos que afetam a economia e os interesses públicos são tratados como moeda de troca ou objeto de chantagem. A Lava-Jato revolveu os fundamentos da má política e não se sabe o que daí resultará. Recobrar a capacidade de trabalhar com o Legislativo exige do governo não acordos escusos por baixo do pano e sim faxina, com a expulsão do Congresso dos que têm contas a prestar à Justiça.
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