• Departamento de Justiça dos EUA diz que Odebrecht e Braskem pagaram US$ 1 bilhão de propina no Brasil e em mais 11 países
Em acordos de leniência assinados com Estados Unidos, Suíça e Brasil, a Odebrecht e a Braskem admitiram ter pago propinas de US$ 1 bilhão (R$ 3,3 bilhões em cotação atual) a autoridades governamentais, políticos e empresas do Brasil e de outros 11 países na América Latina e na África.
O Departamento de Justiça dos EUA classificou a atuação das empresas nos últimos 15 anos como o maior caso de suborno internacional da História. Só no Brasil, as duas empresas pagaram R$ 1,9 bilhão em propinas. Sem revelar os nomes dos beneficiários brasileiros, os acordos citam pelo menos dois ex-ministros, três parlamentares e dois altos integrantes do Executivo. Em notas, as empresas pediram desculpas pelas más condutas.
Propinas em 12 países
• Odebrecht e Braskem pagaram US$ 1 bi para subornar governos, partidos e políticos
Mariana Timóteo da Costa e Tiago Dantas - O Globo
SÃO PAULO - No que foi definido pela Justiça dos Estados Unidos como “o maior caso de pagamento de suborno da História”, a Odebrecht e a Braskem admitiram ter repassado cerca de US$ 1 bilhão (R$ 3,3 bilhões, em cotação atual) em propinas a autoridades, políticos, partidos e empresas no Brasil e em outros 11 países da América Latina e da África. Após acordo de leniência assinado ontem pelas duas companhias com as justiças brasileira, americana e suíça, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) classificou a atuação da Odebrecht nos últimos 15 anos como um “abrangente e sem paralelo esquema de propina e fraudes”.
Documentos divulgados pelo DoJ mostram que a atuação do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, chamado pelas autoridades americanas de “Divisão de Propinas”, foi maior que a divulgada até então. No mês passado, a Procuradoria Geral da República (PGR) havia informado que apenas sete países tinham pedido documentos sobre a investigação da Operação Lava-Jato.
Como parte do acordo com as autoridades dos três países, a Odebrecht e a Braskem se comprometeram a pagar US$ 3,5 bilhões (R$ 11,6 bilhões) — o Brasil ficará com 80% da multa que será paga pela construtora e 75% do que é devido pela petroquímica. Inicialmente, as autoridades americanas haviam pedido US$ 4,5 bilhões de ressarcimento, mas os advogados da empreiteira alegaram que a empresa não teria condição de cobrir os custos. Ao fim da negociação, a Odebrecht se comprometeu a pagar a multa em 23 anos, com parcelas corrigidas pela inflação.
— Esse acordo é uma resolução global histórica, oriunda de um esquema abrangente montado por duas empresas que fizeram negócios pagando sistematicamente centenas de milhões de dólares em propina ao redor do mundo — disse Sung-Hee Suh, assistente da Procuradoria-Geral do DoJ, em uma coletiva para a imprensa internacional ontem.
AMEAÇA À ECONOMIA
Para o diretor do FBI (polícia federal americana) em Nova York, Willian Sweeney, o esquema era uma ameça à segurança e à economia:
— Não importa a razão, quando autoridades internacionais recebem propina, elas ameaçam nossa segurança nacional e o sistema internacional de livre mercado. Não é porque eles (criminosos) estão fora de nossa vista, que estão fora do nosso alcance — afirmou Sweeney.
Embora os Estados Unidos e a Suíça não façam parte da lista de países onde a Odebrecht reconhece ter pago propina, o dinheiro foi movimentado pelo sistema financeiro dessas duas nações. A propina seguia um caminho descrito como “sofisticado” pelos investigadores, utilizando uma série de offshores, empresas de fachadas e contas bancárias até chegar a seus destinatários. Os Estados Unidos também justificam seu interesse no caso alegando que a Braskem tem ações na Bolsa de Nova York.
A promotoria americana acusa as duas empresas de conspiração para violar regras do Ato de Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, na sigla em inglês). O julgamento da Odebrecht deve acontecer em 31 de março do ano que vem na Corte de Nova York, enquanto o da Braskem ainda não foi marcado, segundo o DoJ.
Em um comunicado enviado ontem, a Justiça da Suíça informou que conduziu 60 investigações criminais sobre este caso.
Os documentos divulgados ontem pelo DoJ mostram quanta propina foi paga por cada uma das empresas em cada país. No Brasil, a Odebrecht pagou US$ 349 milhões (R$ 1,2 bilhão) como suborno desde 2001. Entre 2006 e 2007, por exemplo, uma transferência de US$ 40 milhões (R$ 133 milhões) saiu de um banco em Nova York para uma conta da empresa Smith &Nash, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas e utilizada pelo Setor de Operações Estruturadas. Em outro caso, um integrante do Congresso Nacional solicitou, em 2011, um repasse a um partido político em troca de sua influência para que a Odebrecht continuasse a construir uma obra no Rio de Janeiro. A empresa participou de projetos importantes no estado, como o Arco Metropolitano, a reforma do Maracanã e a construção da Linha 4 do Metrô.
Segundo o DOJ, a Odebrecht está envolvida em mais de 100 projetos em 12 países, incluindo o Brasil. Só no exterior, a construtora pagou US$ 439 milhões (R$ 1,5 bilhão) em subornos. Os documentos americanos não citam nenhum nome nem deixam claro as obras a que os pagamentos ilegais estão relacionados, mas identificam vários personagens que participaram no esquema, como a “autoridade brasileira 2” (um executivo da Petrobras) ou a “autoridade brasileira 4”, um integrante eleito do alto escalão do governo brasileiro. Uma das figuras que mais aparecem no relatório é o “empregado 6 da Odebrecht”, um alto executivo da área internacional da empresa, de 2008 a 2015, que liderava os negócios em Angola e em todos os países da América Latina, exceto a Venezuela. Esse funcionário aprovava quase todos os pagamentos feitos para estrangeiros.
Só na Venezuela a Odebrecht pagou, segundo o DOJ, “aproximadamente US$ 98 milhões (R$ 326 milhões) em pagamentos para funcionários do governo e trabalhadores intermediários para obter e manter contratos de obras públicas”. No país, onde a empresa tem obras de infraestrutura emblemáticas, como a do metrô de Caracas, um intermediário do governo chegou a receber, sozinho, US$ 39 milhões (R$ 130 milhões). No Equador, valores foram pagos em espécie para que um funcionário do governo resolvesse pendências de uma obra da empresa no país.
Em Angola, entre 2006 e 2013, a Odebrecht teria pagado “mais de US$ 50 milhões em corrupção para funcionários do governo no sentido de assegurar contratos em obras públicas”. Em contrapartida, diz o DOJ, a Odebrecht “conseguiu benefícios de aproximadamente US$ 261,7 milhões como resultado desses pagamentos corruptos” no país africano.
“LIÇÕES APRENDIDAS”
Em nota divulgada ontem após a assinatura do acordo, a Odebrecht agradeceu “a oportunidade de virar a página e superar esse doloroso episódio” e disse que a empresa e os seus integrantes não se esquecerão das “lições aprendidas por meio desta experiência” para recuperar a confiança pública. A empresa disse que concordou em revelar “fatos ilícitos” apurados em investigação interna, praticados no Brasil e no exterior em diversas esferas do poder, e “assume sua responsabilidade pela violação das legislações brasileira, suíça e da lei americana anticorrupção”. Segundo a companhia, o pagamento da multa será viabilizado por meio de uma combinação de vendas de ativos já planejadas anteriormente e de geração de caixa das operações continuadas.
Em comunicado à imprensa, a Braskem disse que “reconhece a sua responsabilidade pelos atos de seus ex-integrantes e agentes e lamenta quaisquer condutas passadas”. O presidente da companhia, Fernando Musa, disse que a empresa está “implementando práticas, políticas e processos mais robustos a fim de aperfeiçoar o nosso sistema de governança e conformidade”.
As autoridades americanas agradeceram a colaboração da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) do Brasil, que compartilharam documentos e provas colhidas ao longo das investigações da Operação Lava-Jato. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, elogiou o acordo feito por Odebrecht e Braskem. Em um texto no Facebook, ele criticou o “complexo de vira-lata”: “Se você acha que o Brasil não tem jeito e veste a camisa do complexo de vira-lata, esta mensagem é para você, afirma o procurador, que prossegue: “Não só o maior caso de corrupção internacional no mundo foi descoberto pelas autoridades brasileiras, mas também foi alcançado o maior ressarcimento na história mundial em acordos dessa espécie.” (Colaborou Gustavo Schmitt)
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