- Valor Econômico
Obrigações podem chegar a R$ 300 bi em cinco anos
Os Estados brasileiros terão que amortizar uma dívida (líquida) de R$ 183,8 bilhões nos próximos cinco anos, de acordo com dados do Banco Central (posição em agosto passado). Até dezembro de 2024, os governos estaduais terão também que pagar os precatórios judiciais vencidos, estimados em cerca de R$ 100 bilhões, e a vencer no período, cumprindo determinação da emenda constitucional 99/2017.
Além disso, vários Estados acumulam despesas de exercícios anteriores que terão que quitar, e alguns estão, até mesmo, com salários de seus servidores atrasados ou sendo pagos de forma parcelada. As obrigações estaduais a serem pagas nos próximos cinco anos podem chegar, portanto, a R$ 300 bilhões, algo como 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Todos esses números, que mostram com clareza a dramática situação financeira dos Estados, constam de recente artigo do economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças pública.
Uma das conclusões do economista é que deve ocorrer uma demanda significativa de crédito ou de ajuda financeira por parte dos Estados nos próximos anos, o que poderá exigir alguma solução da União. "Logicamente, essa demanda só poderia ser atendida caso os Estados se mostrem solventes no médio e longo prazo, o que demanda uma série de reformas fiscais", observa Tinoco no artigo.
Na terça-feira, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou um estudo com o significativo título "Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais", que chega a conclusões parecidas. Uma delas é que, diante do atual cenário de deterioração das finanças estaduais, "há um risco não desprezível de que haja disseminação da falência de Estados, colocando em risco tanto a legitimidade dos pagamentos das dívidas frente aos pagamentos das demais despesas obrigatórias, o que fragiliza sobremaneira o Sistema de Garantias da União, quanto o equilíbrio fiscal macroeconômico do país, haja vista a recorrente série histórica de socorro da União aos entes subnacionais".
A STN informa, em seu estudo, que o estoque de saldo devedor de dívida garantida pela União aos entes federados (Estados e municípios) é de aproximadamente R$ 190 bilhões. O Tesouro adverte também que há outro risco no tocante às garantias ofertadas diretamente às instituições financeiras: o fato de que grande parte dos empréstimos/financiamentos concedidos aos entes subnacionais sem garantia da União foi patrocinada pelos bancos públicos federais, que têm na União, em última instância, seu grande garantidor.
A exposição da União à insolvência dos entes federados, portanto, é dupla. "Mesmo que ela consiga arrestar as garantias e contragarantias que possui, em caso de grave crise financeira de um Estado ou município, é possível que os bancos públicos não consigam fazê-lo", explica o estudo. "Com isso, eles precisarão arcar com o prejuízo, o qual será, certamente, repassado ao Tesouro Nacional por via da redução de dividendos ou necessidade de aporte de capital".
Ao informar a dívida líquida estadual que vence nos próximos cinco anos, o Banco Central não especifica como os débitos estão distribuídos entre os Estados. A dívida é líquida porque a estatística do BC considera os ativos financeiros disponíveis e/ou a receber dos Estados no período.
A maior parte do endividamento estadual foi renegociada pela União. O cronograma de pagamentos das dívidas com a União foi distribuído ao longo do tempo, afetando as faixas de vencimento de modo diferenciado, explicou o Banco Central ao Valor. Os Estados possuem dívidas bancárias e externa nos valores de R$ 148,4 bilhões e R$ 123,9 bilhões, respectivamente, cujos cronogramas de reembolso apresentam prazos bem mais reduzidos que os das dívidas renegociadas junto à União.
Em seu estudo, Guilherme Tinoco informa que apenas quatro Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) são responsáveis por 80% das dívidas líquidas estaduais. São Paulo sozinho responde por 36% do total. Mesmo assim, a relação entre a dívida corrente líquida (DCL) paulista e a receita corrente líquida (RCL) é 170,9%, abaixo do limite de 200% fixado por resolução do Senado. O maior coeficiente é do Rio, com 269,7%, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 218,9%, e por Minas Gerais, com 186,4%.
O explosivo endividamento estadual ocorreu a partir da crise financeira internacional de 2008/2009, principalmente durante o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, que adotou uma política fiscal expansionista, com o objetivo de reanimar a atividade econômica. A ex-presidente autorizou um forte aumento do volume de operações de crédito tomadas por Estados e municípios, com e sem aval da União. Para isso, o governo de Dilma permitiu o relaxamento das regras de restrições ao endividamento.
Como explica Tinoco em seu estudo, o aumento na contratação de crédito a partir de 2009 possibilitou maior espaço fiscal para que os Estados aumentassem suas despesas. "Grande parte dessa despesa acabou se revertendo para pessoal, com características mais rígidas", explica. O aumento do gasto com pessoal virou um problema grave quando o ciclo de crescimento chegou ao fim.
O estudo da STN, por sua vez, diz que "a situação atual é de tal sorte que se espera um crescimento das despesas com pessoal para os próximos anos, mesmo que ocorra uma contenção por parte dos Estados, visto que a estrutura previdenciária vigente e a pirâmide etária nacional elevarão a despesa com inativos inercialmente".
Para Guilherme Tinoco, o problema é que ainda que os Estados consigam fazer um resultado primário positivo nos próximos anos, os valores seriam totalmente incompatíveis com o volume de obrigações a serem pagas até 2024. "A situação geral é muito preocupante e chama atenção que somente o Rio tenha entrado no Regime de Recuperação Fiscal [RRF]", disse o economista, em conversa com o Valor. É muito provável que outros Estados tomem o mesmo caminho que o Rio.
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