- O Globo
Governo fala dos seus planos antes de formulá-los e já colheu a primeira derrota no Senado, que concedeu reajuste ao Judiciário
O novo governo parece estar sempre improvisando em cena aberta. Ontem o presidente eleito Jair Bolsonaro falou em acabar com o Ministério do Trabalho, depois em dividi-lo em três partes. Na véspera, o futuro ministro da Economia falou em dar uma “prensa” no Congresso e assim a administração nem começou e já colheu a derrota da aprovação do reajuste do Judiciário. Toda transição pode ter idas e vindas, mas não se pode anunciar um plano de governo antes de formulá-lo.
Na campanha eleitoral houve pouco esclarecimento sobre o programa do candidato que venceu as eleições. O que foi divulgado cumpria a formalidade da legislação eleitoral, mas continha algumas ideias que têm sido de fato desenvolvidas. O ataque à faca sofrido pelo candidato interrompeu e silenciou a campanha. Depois, o pouco falar foi parte da estratégia para não perder eleitores. Isso fez com que o país escolhesse sem um adequado conhecimento das ideias da candidatura. Bolsonaro se elegeu em parte pelo antipetismo, em parte pela ilusão de solução simples para problemas complexos, como a liberação de armas para superar a crise na segurança.
Nesses dias pós-eleitorais tem havido uma sucessão de ideias lançadas, e das quais se recua logo depois. Ontem, o próprio Bolsonaro afirmou que acabaria com o Ministério do Trabalho, depois que o dividiria em três. O problema é que o Brasil está enfrentando neste momento a pior crise do seu mercado de trabalho, com 12,5 milhões de desempregados e 4,8 milhões de pessoas que integram o grupo do desemprego por desalento. Neste ponto de fragilidade, um dos riscos de uma mudança atabalhoada é enfraquecer a fiscalização contra o trabalho análogo à escravidão e o trabalho infantil. A ideia de que essa fiscalização fique dentro de um Ministério da Família pode simplesmente não dar certo. É arriscado também desorganizar programas sociais como o seguro-desemprego.
O governo se elegeu avisando que reduziria o número de ministérios e está fazendo isso, mas talvez fosse mais sensato fazer a reforma primeiro e anunciá-la de forma concatenada. O superministério econômico, como já disse aqui, pode dar certo se o ministro Paulo Guedes conseguir bons quadros para administrar as áreas-chave como Orçamento e Gestão e souber gerir os muitos assuntos que ficarão sob seu comando. O setor empresarial está pressionando para se criar o Ministério da Produção para sair da área de influência de Guedes, mas se acontecer isso estará sendo quebrada a ideia original do Ministério da Economia.
O movimento que levou o juiz Sérgio Moro para dentro do governo foi bem-sucedido e há grande expectativa em torno do trabalho que o futuro ministro fará, e que ele explicou em entrevista concedida na terça-feira, de forma organizada e cortês. A ideia de manter o presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, se for confirmada, será outro acerto da administração Bolsonaro. O governo Temer tem recebido os representantes da nova equipe com informações, dados, transparência num esforço que vinha sendo preparado desde a campanha e que será muito útil para quem chega.
Contudo tem havido ruídos demais. No começo da semana, Bolsonaro chamou de “farsa” o índice de desemprego, ofendendo o IBGE e mostrando desconhecimento de como o índice é calculado. O Instituto tem 82 anos de bons serviços prestados ao país e reconhecimento internacional. Depois, Bolsonaro repetiu uma afirmação que fez várias vezes na campanha e que poucos prestavam atenção. Falou em renegociar a dívida interna. O futuro ministro Paulo Guedes teve que negar que tenha qualquer intenção de fazer isso. Ontem, uma fala de Guedes é que precisou ser explicada, a que ele sugere que se dê uma “prensa” no Congresso.
Antes de pressionar quem quer que seja, o governo primeiro precisa decidir que reforma quer aprovar. Bolsonaro tem falado em reduzir a idade mínima da reforma da Previdência que tramita no Congresso para 62 anos, e afirmou que não se pode “quebrar contrato” com quem trabalhou e contribuiu. O projeto que passou pela Câmara, sob ataque de alguns dos aliados de Bolsonaro, inclusive o futuro chefe da Casa Civil, tem regra de transição lenta, e não está quebrando contrato. A forma mais certa de perder uma votação é o governo estar dividido sobre o que realmente quer de um projeto.
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