- Valor Econômico
Depois de abrir o flanco, Bolsonaro levanta as barricadas
A realocação do general Heleno Pereira da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional e a manutenção da Transparência e da Controladoria Geral da República em Pasta independente da Justiça são os primeiros sinais de que a ficha do presidente eleito caiu. Saudado como um genial lance de marketing, o convite para que o juiz Sergio Moro ocupe o Ministério da Justiça já começa a mostrar o tamanho que tem. Depois de abrir o flanco, agora o capitão começa a levantar as barricadas.
Parte do arsenal do juiz foi exibido na entrevista de Curitiba. Primeiro tratou de desmontar a granada que o general Hamilton Mourão colocou na sua porta ao dizer que o juiz negociara a ida para o governo ainda na campanha. Deu a data (23 de outubro) em que recebeu o economista Paulo Guedes. Uma semana antes, quando a ideia do convite já parecia estar amadurecida na equipe de Bolsonaro, o presidente Michel Temer anunciara a concentração dos serviços de inteligência do governo federal nas mãos do general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional.
Os militares do entorno bolsonarista agiram preventivamente em relação ao superministro que estava por vir. O juiz avançou duas casas. Viajou para o Rio com uma pauta. Que não era sua apenas, mas de duas entidades acima de quaisquer suspeitas, a Transparência Internacional e a Fundação Getulio Vargas. Sim, Moro estará subordinado ao presidente eleito, mas este também o está. Não ao ministro mas a uma pauta, que não é do juiz, mas "da sociedade".
A pauta foi esmiuçada à exaustão. Trata-se do resgate, burilado, das 10 medidas anticorrupção barradas pelo Congresso. Duas delas cresceram de importância numa gestão a ter Moro por ministro, a constitucionalização da prisão em segunda instância e a introdução do método Lava-Jato no combate ao crime pelo governo eleito.
A primeira porque o Supremo dá sinais de reação à emergência do superministro e acena com delimitação de poderes com a restrição à execução de prisão em plenário. A segunda porque para recriar operações que entreguem resultados como a de Curitiba, Moro terá que contar com a integração de serviços de inteligência como aqueles hoje sob a custódia da Abin.
Ao explicitar sua pauta, o juiz busca blindagem na plateia com propostas acima de partidarismos. Moro é o Estado. Quem toma partido é quem foi eleito. Indagado sobre a pauta exibida pelo capitão durante a campanha, respondeu com magnanimidade: Jair Bolsonaro pareceu sensato e, como moderou o discurso, é chegada a hora de dispensar exageros próprios da retórica eleitoral. Chegou mesmo a dizer que se há quem cultive receios infundados sobre riscos à democracia ou ao Estado de direito, sua presença ajudaria a dirimi-los.
O juiz disse que assumiria uma missão predominantemente técnica, mas foi como um político habilidoso que se portou durante as quase duas horas de entrevista. Não bateu de frente com o presidente eleito, mas tratou de dar roupagens, mais palatáveis ao Estado de direito a arroubos bolsonaristas. Um adolescente de 16 anos precisa de proteção, mas se mata deve saber o que faz; se há uma plataforma eleitoral que o elegeu é preciso respeitá-la, mas a posse de arma para a defesa da propriedade não é o mesmo que a liberação do porte; e não é razoável imaginar que o policial só reaja se for atingido, mas há um protocolo a ser seguido em confrontos que devem ser evitados com o uso de inteligência.
Escolheu a dedo o que quis deixar em preto e branco: não haverá tolerância a crimes de ódio e a morte de Marielle Franco tem que ser esclarecida. Prestes a tomar posse num governo que dará poderes concorrenciais a generais aposentados, achou por bem dizer que, em 1964, houve, sim, um golpe no país.
A pauta é esta e está acordada com o presidente eleito a quem está subordinado. Se sobrevierem divergências, também achou necessário esclarecer, vai embora. Só que não. Sergio Moro tratou de se manter juiz até a posse. O seguro-desemprego foi justificado pela necessidade de salário até janeiro. Excesso de zelo. Bolsonaro contratou um ministro difícil de ser demitido porque encarna o combate à corrupção mais do que o próprio presidente eleito. Uma simples varredura na lista de suplentes dos senadores eleitos pelo PSL basta para concluir que Moro acumulará, sem dificuldade, munição contra diletos segmentos do bolsonarismo.
Parece inevitável que a determinação de Sergio Moro em cumprir sua pauta, ou missão, embuta promessas de conflito com o governo eleito. Projetos tramitam no Congresso com base na palavra empenhada em acordos de líderes, mundo que é desconhecido tanto para o juiz quanto para o economista que foi o emissário de seu convite.
Em premonitória entrevista ao Valor no início da campanha (3/7), Paulo Guedes revelou seus planos de implementar uma cláusula de fidelidade programática no Congresso para passar a reforma da Previdência. Informado que a mercadoria não está disponível nas prateleiras brasilienses, passou a acalentar o sonho do dispositivo-Moro de persuasão parlamentar que casou com a disposição do presidente eleito de ampliar sua base de apoio na sociedade com o destemido convite.
O futuro ministro da Justiça avisou que não contem com ele para perseguição política. Nem precisava. A eleição para as mesas diretoras da Câmara e do Senado exigirá compromissos do governo eleito para a aprovação da reforma da Previdência que se revelarão mais sensíveis do que uma mesa de operações numa tarde de plano econômico. A queda de braço para a escolha do presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça, por onde passará toda a pauta que Sergio Moro pretende ver aprovada em seis meses, exigirá mais do futuro ministro da Justiça do que suas mais célebres conduções coercitivas.
Na sensível relação entre o presidente eleito e seu superministro da Justiça, o difícil combate ao crime organizado tende a equilibrar forças. Por mais que faça, Moro sempre terá contas a prestar. Ao atender por quase duas horas a imprensa e responder a todas as perguntas, no entanto, demonstrou ter mais habilidade para lidar com as cobranças que o presidente eleito.
Os 57 milhões de votos de Jair Bolsonaro parecem ter decretado a morte do lulismo, mas seu futuro depende do desempenho do coveiro na Justiça. Os poderes de um terminam quando começa a missão do outro.
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