- Valor Econômico
Se aprovar voto impresso, Congresso dará
gás a Bolsonaro contra STF
A força do bolsonarismo não está na
capacidade de cegar os adeptos mas de ofuscar a oposição. É isso que se passa
com o voto impresso. A aliança para viabilizá-lo está mais fácil de sair do que
a frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro. A velha desconfiança da urna
eletrônica alia-se à fábrica de tramoias do bolsonarismo que, no limite, levará
à falência de uma verdadeira campeã nacional, a apuração confiável dos votos.
Na última das três vezes que o Congresso
chancelou o voto impresso o fez a partir de uma emenda do então deputado Jair
Bolsonaro. Teve encaminhamento favorável da maioria dos partidos, foi aprovado
mas caiu no Supremo. Desta vez, o defensor da proposta está no poder obcecado
em contestar o resultado das urnas para nele permanecer. Muitos parlamentares
continuam presos às suas convicções sem se importar com quem se aliaram.
Têm à disposição um sistema que funciona sem nenhuma prova de violação ao longo de um quarto de século. Preferem tentar o que uns veem, candidamente, como aprimoramento, outros, como vacina contra a propaganda bolsonarista de fraude e uns tantos, ainda, como chance de conquistar o eleitor do presidente, numa espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro.
Os argumentos foram esgotados pelo
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, no dia
em que esteve na Câmara: as urnas não são ligadas à internet e, portanto, não
podem ser invadidas por hackers à distância. Todos os dez passos do processo,
da habilitação à lacração das urnas, passando pelos testes de integridade,
estão franqueados à fiscalização dos partidos, da OAB, do MP, da PF, da CGU,
dos conselhos técnicos de computação e engenharia, das universidades e até das
Forças Armadas. A impressão de 150 milhões de cédulas aumenta a possibilidade
de fraude no transporte, armazenamento e contagem, além de ser um indutor de
judicialização. “É mexer em time que está ganhando”, resumiu o ministro.
Os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, do
MDB, Baleia Rossi, e do PSDB, Bruno Araújo, garantem ser contrários à impressão
do voto. Nenhum deles, porém, tem o controle da bancada. O deputado Aécio Neves
(PSDB-MG), por exemplo, integrante da comissão que discute a proposta de emenda
constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF) sobre o voto impresso, mostrou-se
incapaz de aprender com seus erros. Depois de ter questionado o resultado de
2014, levando o TSE a autorizar uma auditoria independente que nada constatou,
Aécio volta a questionar a urna eletrônica.
O PDT de Ciro Gomes ressuscitou a crítica à
urna eletrônica feita por Leonel Brizola, que morreu antes da fiscalização
ampliada do processo e da biometria do voto. O presidente do PSB, Carlos
Siqueira, mantém sua oposição histórica à urna eletrônica com o argumento de
que a última grande democracia a usá-la, a Alemanha, cedeu à impressão. O
argumento costuma ser rebatido por Barroso com a lembrança do complexo de
vira-latas do Brasil. Se só dá certo aqui é porque deve ser ruim. Nenhum dos
partidos se dispõe a abrir mão do seu fundo eleitoral para custear os R$ 2
bilhões que seriam necessários à impressão dos votos.
A defesa mais arraigada da urna eletrônica
está nos dois extremos, Novo, Psol e PT. Entre os petistas, as poucas vozes que
se levantaram a favor do voto impresso foram desancadas pelo ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva numa reunião fechada. Aqueles que defendiam concessões ao
voto impresso pelo temor de que Lula ficaria vulnerável aos ataques
bolsonaristas acabaram com a pecha de covardes. A adesão do PDT e do PSB à
impressão do voto, porém, faz o deputado Arlindo Chinaglia (SP), petista que
integra a comissão, temer por sua aprovação. Como se trata de emenda
constitucional, o ônus de amealhar 308 votos é dos favoráveis à mudança, mas a
oposição segue para a votação desfalcada, em grande parte, das bancadas do PDT
e do PSB e sem a garantia de que os líderes dos partidos de centro moverão suas
bancadas contra o voto impresso.
Se o mecanismo passar, terá sido a quarta
vez que o Congresso o chancelará, mas numa circunstância inédita em que o chefe
do Executivo, pela primeira vez, o apoia. Aumentará, portanto, a pressão sobre
o Supremo Tribunal Federal, situação almejada pelo presidente da República e
para a qual inquestionáveis democratas do Congresso Nacional terão dado
contribuição inestimável.
A julgar pelo voto de dois ministros-chave
no Supremo hoje, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, a posição de Barroso
tenderia a ser confirmada. Ainda que a mudança, desta vez, possa vir por emenda
constitucional, ao Supremo restaria argumentar, como o fizeram ambos os
ministros no último julgamento sobre o tema, em setembro de 2020, que a
impressão colocaria em risco o sigilo do voto, cláusula pétrea da Constituição.
Para evitar o conflito com o Supremo, já
está em curso, no Congresso e no TSE, a tentativa de encurtar pontes entre as
duas pontas de debate. Barroso já admite, por exemplo, aumentar de 100 para 1
mil o número de urnas que, na véspera, são sorteadas para serem levadas do
local de votação ao Tribunal Regional Eleitoral para teste.
O teste, filmado e fiscalizado, consiste em
fazer uma votação em cédula ao final da qual os votos computados são
reproduzidos na urna eletrônica. Se o resultado coincidir é uma prova de que
aquela urna não está adulterada. No TSE há ainda quem defenda que as urnas a
serem atualizadas a cada eleição, cerca de 30%, o sejam por modelos com
impressora. A solução é de quem acredita no diálogo com o golpismo, mas não
satisfará Bolsonaro.
Ele já avisou que se 100% dos votos não
forem impressos o resultado não valerá. A solução corre ainda o risco de
incitar as bases bolsonaristas pela anulação do resultado. Para ficar apenas
nos dois últimos exemplos, a invasão do Capitólio, insuflada pelo ex-presidente
Donald Trump, teve por mote o rechaço ao resultado eleitoral e a derrota de Keiko
Fujimori, no Peru, por 0,25% dos votos, foi contestada por generais da reserva
em carta pública.
Quem sempre apoiou Bolsonaro por acreditar
que ele deixaria o país mais perto dos Estados Unidos ainda se lembra que quem
salvou o Capitólio foram as tropas de Mark Milley, o general que pediu
desculpas por ter se deixado explorar politicamente por Trump. No Brasil, o
perdão teve sinais trocados. Foi dado a um general politiqueiro. É o Peru que
mora ao lado. Em 1992, o pai de Keiko, Alberto Fujimori, deu um autogolpe, com
apoio militar e ficou mais de dez anos no poder.
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