Valor Econômico
Esforço para inovar, que não é pequeno,
depende de haver pressão competitiva e proteção aos direitos de propriedade
O PIB per capita brasileiro ficou
praticamente estagnado entre a Independência e a Proclamação da República,
crescendo apenas 0,2% ao ano. Esse ritmo subiu para 1,1% ao ano na República
Velha, quando o país começou a se industrializar, e acelerou ainda mais em
1931-80, quando o PIB per capita cresceu 3,9% ao ano e o Brasil deixou de ser
pobre e virou um país de renda média. Depois disso, porém, a coisa degringolou
e em média crescemos só 0,7% ao ano em termos per capita.
O que aconteceu? Muita inteligência e tinta foi gasta com essa pergunta. O que os fatos mostram é que em 1931-80 o crescimento foi puxado pelo processo de transformação estrutural fruto da industrialização, por sua vez viabilizada por elevados investimentos, que ajudaram a elevar a produtividade total dos fatores, com a absorção de novas tecnologias. Desde o início dos anos 1980, essas variáveis ajudaram bem menos a economia. Em 1981-2020, o estoque de capital do país aumentou em média 2,4% ao ano, contra 8,3% ao ano em 1951-80. Já o crescimento da produtividade despencou, de 2,9% ao ano para 0,2% ao ano na mesma comparação.
Diferentes fatores contribuíram para essa
desaceleração. Conforme o país acumulou mais capital, com seu estoque subindo
mais que o PIB, manter o mesmo ritmo exigiria taxas de investimento crescentes.
O contrário, porém, ocorreu. Em parte, pois a deterioração fiscal comprometeu
os investimentos públicos, e, em parte, porque investir ficou menos atraente
para o setor privado, pois o risco macroeconômico, tributário e jurídico
aumentou, muitas vezes não compensando o alto custo de oportunidade de
investir. Basta ver que, no pós-Plano Real, a Selic real foi em média de 8,3%
ao ano. Mais confortável investir em títulos públicos!
Em um dos capítulos do livro “The Power of
Creative Destruction”, que discuti na coluna de 21 de julho, Philippe Aghion,
Céline Antonin e Simon Bunel trazem uma resposta diferente a essa pergunta,
generalizando a análise, ao indagar por que tantos países emergentes caem nessa
“armadilha da renda média”, como fez o Brasil.
Eles iniciam mostrando que o que ocorreu
com o Brasil também se deu com outros emergentes: “Alguns países experimentaram
um período inicial de forte crescimento, graças a instituições e políticas que
favoreceram o crescimento pela acumulação de capital e a convergência
(catch-up) econômica”. O problema, apontam eles, é que essas não mudaram a
tempo: assim, esses países “não foram capazes de adaptar suas instituições e
políticas para se tornarem economias inovadoras”.
De fato, a reação de nosso governo à
desaceleração do crescimento foi reforçar as políticas do passado, voltadas
para elevar a rentabilidade e diminuir o risco do investimento privado:
subsídios creditícios; incentivos tributários; socorro a empresas em
dificuldades; investimentos de estatais, e proteção contra competidores
externos, via elevada proteção tarifária e programas de conteúdo nacional.
A evidência mostra que essas políticas não
trouxeram benefícios relevantes (ver, por exemplo, bit.ly/3lt0Iak). A análise de
Aghion, Antonin e Bunel traz, porém, um ângulo adicional de análise: essas
políticas são anti-competitivas, desestimulando a inovação. Um, pois as
empresas incumbentes têm acesso privilegiado a esses benefícios. É o caso dos
subsídios do BNDES, concentrados em grandes empresas e virtualmente
inacessíveis para novos entrantes, assim como da proteção externa, que reduz a
pressão que vem de fora para inovar. Dois, pois o estímulo a empresas
estabelecidas, inclusive estatais, eleva o custo da mão-de-obra qualificada, e
insumos de forma geral, reduzindo a competitividade de novos entrantes.
Como observam os autores, não é fácil fazer
reformas que mudem essas políticas: “As empresas que prosperaram durante a fase
de catch-up querem preservar suas rendas monopolísticas e não querem enfrentar
o aumento da concorrência. Por conseguinte, utilizarão parte da sua riqueza
acumulada para pressionar os políticos e os juízes a impedirem a introdução e a
aplicação de novas regras pró-concorrenciais”. Em suma, não avançaremos se não
protegermos o capitalismo dos capitalistas.
Felizmente, temos avançado. As
privatizações, desregulações e parcial abertura comercial foram passos
importantes. A redução do custo de capital, fruto da contenção do gasto público
pelo Teto de Gastos, também tem ajudado, assim como substituir a TJLP pela TLP,
reduzindo o privilégio competitivo daqueles com acesso aos subsídios do BNDES.
Também ajudam as medidas para melhorar o ambiente de negócios. O agronegócio
prospera com a inovação e a competição já traz inovações em setores como o
financeiro. Há outros resultados visíveis, como o acesso de mais e novas
empresas ao mercado de capitais.
O problema é que o avanço é lento. É
preciso acelerar, abandonando a narrativa de que o crescimento virá de elevar
artificialmente o lucro das empresas, via incentivos, subsídios e proteção
contra a concorrência, em prol de outra que reconheça a necessidade de inovar,
por imitação ou invenção, e que o esforço para inovar, que não é pequeno,
depende de haver pressão competitiva, assim como proteção aos direitos de
propriedade.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
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