Revista Veja
A precária credibilidade do país vive sob
ameaça constante
Historicamente, as equipes econômicas, com
honrosas exceções, têm, entre tantos defeitos, o de agir como dirigentes de
clubes de futebol. Tomam decisões erradas no presente, cujos efeitos práticos
só serão sentidos no futuro. Vamos pegar um exemplo que pode sair do forno a
qualquer momento: a pedalada no pagamento dos precatórios.
De repente, os gênios da economia se
surpreenderam com o meteoro dos pagamentos de precatórios em 2023. Ponto 1. Se
o governo sabe quem está devendo para ele, também deveria saber a quem deve
pagar. E quando. Ser surpreendido, da forma como o governo demonstrou, pelas
dívidas que precisa quitar é prova cabal de grosseira incompetência.
No mundo real, não nos gabinetes da burocracia estabilizada de Brasília, as empresas fazem provisões e se preparam para pagar potenciais dívidas. Aqui a equipe econômica olha para o céu à espera de meteoros. E, quando os avista, diz: “Devo, não nego, pago quando puder”.
Ponto 2. E quando os meteoros ou as
necessidades emergentes aparecem, surgem soluções criativas, tal qual a manjada
e inconstitucional cobrança de PIS/Cofins sem descontar da base de cálculo o
ICMS. A questão terminou em um galeão fiscal explodindo as contas do governo no
Supremo Tribunal Federal. Agora, a solução criativa é dar pedaladas nos
precatórios.
As soluções criativas são geradas
partindo-se do princípio de que existiria uma “inconstitucionalidade útil”,
também chamada de “o crime constitucional compensa”. Crime que foi — e continua
a ser — amplamente praticado pelas autoridades tributárias no país sob o olhar
complacente e bovino de muitos.
“Ser
surpreendido pelas dívidas que precisa quitar é prova cabal de grosseira incompetência”
Funciona assim: a) aprovar uma solução
inconstitucional que gera receita; b) enrolar o contribuinte em um inferno de
atos e portarias; c) torcer para que poucos contribuintes recorram à Justiça;
d) aguardar o STF decidir —anos depois — pela inconstitucionalidade; e)
reclamar de que o Tesouro não tem como pagar; e f) demorar mais anos e anos
para pagar o que é devido.
Agora, a partir da surpresa “meteorítica”,
e para completar o ciclo da “criminalidade constitucionalizada”, propõe-se o
“preparo h”: dar uma pedalada nos precatórios decorrentes das dívidas que a
Justiça determinou ao governo pagar.
A precária credibilidade do Brasil vive sob
constante ameaça das autoridades tributárias. Os ataques que corroem nossa
credibilidade se dão pela vocação irresistível de nossos governos de arquitetar
orçamentos secretos, dar pedaladas fiscais, inventar cobrança tributária
inconstitucional, tentar não pagar o que deve, fazer saldo fiscal não
executando fundos. É o caso do Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
(Fistel), entre outras criações. Tudo pela ausência de planejamento e de
respeito aos mandamentos constitucionais.
Temas sensíveis como as dívidas do governo
não podem ser tratados com descaso e desrespeito à letra constitucional. Nem a
partir da observação de meteoros no céu do Planalto Central. A ponto de
justificar Olavo Bilac: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo. Perdeste o
senso!”.
Em políticas públicas, perscrutar os céus e
ouvir estrelas sem ter o pé na realidade constitucional e o pulso nos embates
judiciais e na penosa construção de credibilidade econômica e financeira é
viajar na maionese.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de
2021, edição nº 2750
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