O Globo
Enquanto o Brasil afunda em crises, o
presidente da República e o ministro da Economia inventam problemas. E
inimigos. Agem para disfarçar a responsabilidade que têm no ambiente de terra
arrasada que engolfa o país na saúde e na educação, no meio ambiente e no
mercado de trabalho, na renda e na miséria. Até a inflação voltou, o que levou
o Banco Central a elevar a taxa de juros em 1 ponto percentual, algo que não
acontecia desde 2003, quando a Selic era medida em dois dígitos. Popularidade
desidratada, gestão fracassada, resta a Jair Bolsonaro a verborragia golpista
expressa em ataques ao processo eleitoral, à urna eletrônica, a ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF). Paulo Guedes, incapaz de produzir política
pública para aplacar desemprego, informalidade, desalento, tenta desqualificar
o IBGE e a Pnad Contínua, pesquisa de metodologia referendada pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Quando a aventura de extrema direita do Brasil com Bolsonaro chegar ao fim, haverá um país inteiro a reconstruir. Dois anos e sete meses de governo foram suficientes para escancarar a fragilidade da redemocratização. Com canetadas, o mandatário viúvo da ditadura pôs fim às artérias de interlocução da sociedade civil com a União, nomeou auxiliares orientados ao desmonte de órgãos e regulação (Ibama, Fundação Palmares e o rebaixado Ministério da Cultura são exemplos dramáticos), aparelhou instituições de Estado, como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.
Agora, ciente de que terá muita dificuldade
em se reeleger, avança contra as eleições, via defesa irracional do voto
impresso, um retrocesso que só interessa a quem se alimenta da opressão
criminosa, religiosa e fisiológica ao eleitorado. Milicianos, pastores,
coronéis agradecem. O presidente já admitiu que não tem como provar as
acusações que lança contra a urna eletrônica. Mas, em vez de se ocupar dos
graves problemas nacionais, insiste na agenda que nunca esteve no rol de
prioridades dos brasileiros.
Bolsonaro perde tempo ameaçando o
calendário eleitoral de 2022 e seus desafetos no STF — à frente os ministros
Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, atual e próximo presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respectivamente —, como se não estivesse no
comando de um país com 560 mil mortos pela Covid-19, ritmo vacilante de
vacinação, variante Delta em transmissão acelerada. Finge não presidir uma
nação com 19,1 milhões de famintos, estudantes fora da escola há um ano e meio,
nível recorde de desmatamento na Amazônia, violência galopante contra povos
indígenas e, por tudo isso, alvo da antipatia global.
Por sua vez, o superministro da Economia
confunde a sociedade com proposta de emenda à Constituição para reescalonar o
pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça, os precatórios, sob o pretexto
de preservar recursos para uma política social que ninguém sabe qual é nem a
quem se destina. De quebra, ataca o órgão oficial de estatísticas do país pelo
diagnóstico preciso das mazelas que cercam o mercado de trabalho. Paulo Guedes
está certo em festejar a gradual recuperação das vagas com carteira assinada
apontada no cadastro nacional de admissões e desligamentos — em junho, houve
saldo de 309 mil empregos. Mas erra muito ao desprezar problemas que tem o
dever de combater.
O Brasil, segundo o IBGE, encerrou o
trimestre março-maio com 14,8 milhões de desempregados, gente que não trabalhou
e buscou ocupação. Trabalhadoras domésticas sem carteira assinada eram 3,6
milhões; autônomos sem CNPJ, 18,5 milhões. Havia 7,3 milhões de subocupados por
insuficiência de horas, aqueles que precisam ganhar mais, mas não encontram
oportunidades; 5,7 milhões de desalentados, brasileiros que pararam de procurar
vaga porque nunca encontraram. Quatro em dez trabalhadores estão na
informalidade e, portanto, sem benefícios legais nem estabilidade para consumir
e viver, à beira da vulnerabilidade social.
A escalada inflacionária começou nos
primeiros meses da pandemia e não mais parou. Sobem os preços dos alimentos,
dos combustíveis, incluindo o gás de cozinha, e da energia elétrica — esta em
decorrência da mais grave crise hídrica em quase um século. Em um ano, a comida
comprada em mercados e feiras livres ficou 15% mais cara, o dobro da inflação
acumulada em 12 meses; o litro da gasolina nos postos saltou 27% de janeiro a julho.
A situação é preocupante a ponto de economistas elevarem há 17 semanas seguidas
a estimativa para o IPCA 2021. A previsão está em 6,79%, o maior resultado
anual desde 2015 e muito acima do teto da meta de inflação (5,25%). Não à toa,
o Comitê de Política Monetária (Copom/BC) ontem elevou a Selic para 5,25% ao
ano e antecipou nova alta de 1 ponto percentual no mês que vem.
Em meio à conjuntura gravíssima, os
presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado Federal, Rodrigo
Pacheco, ensaiam normalidade. Felizmente, no Judiciário a tolerância aos
arroubos golpistas de Jair Bolsonaro chegou ao fim. Nos primeiros dias de
agosto, TSE e STF agiram coletivamente contra os recorrentes insultos do
presidente da República. Empresários e intelectuais se uniram em manifesto
contra o golpismo, pela democracia. Já era hora.
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