Valor Econômico
Bolsonaro não usa ação de governo como
vitrine eleitoral
Vem aí um Bolsa Família recalibrado, com um
aumento de pelo menos 50% em seu valor, conforme anunciou o presidente Jair
Bolsonaro. Mesmo com as restrições de natureza fiscal levantadas dentro do
Ministério da Economia, a balança deve pender para o cálculo político em um
governo com Ciro Nogueira na Casa Civil, Fábio Faria na Comunicação Social,
Rogério Marinho no Desenvolvimento Regional e João Roma na Cidadania.
O ganho eleitoral para o incumbente que
aposta em programas de transferência de renda já está amplamente demonstrado. O
PT converteu em redutos as áreas onde a população foi mais beneficiada pelo
Bolsa Família de 2004 para cá, como mostram pilhas de análises feitas por
cientistas políticos. É algo incontroverso.
As pesquisas de opinião pública também não
deixam margem a dúvidas: Bolsonaro é mais fraco entre as mulheres, no Nordeste,
na população de mais baixa renda. Todos segmentos que tendem a ser mais
beneficiados pelo futuro Auxílio Brasil. Ele vai crescer nesses segmentos e a
sua presença no segundo turno das eleições presidenciais do próximo ano se
tornará mais provável.
A questão central é se o Auxílio Brasil por si só representará para Bolsonaro o que o Bolsa Família foi para Lula em 2006. O ex-presidente beberá do próprio veneno e perderá os currais eleitorais que criou com a política de transferência de renda? Há indícios fortes de que a resposta é não. O ganho existirá, mas tende a não ter a mesma potência, a não ser que o presidente reformule o seu modo de fazer política.
Um sinal disso pode ser percebido na
pesquisa que está sendo desenvolvida pelo cientista político Sérgio Simoni,
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O retorno em
popularidade não é automático e depende do discurso do candidato”, observa. Ele
usa como exemplo a evolução da aprovação de Bolsonaro no ano passado.
O presidente implantou por algum tempo um
programa muito mais amplo e expressivo financeiramente que o Bolsa Família, que
foi o Auxílio Emergencial. Nas pesquisas do Datafolha, a aprovação presidencial
(soma dos índices de bom e ótimo) passou de 32% em junho para 37% em dezembro.
A desaprovação (ruim e péssimo) variou de 44% para 32% no período. O impacto
existiu, sem dúvida, mas foi mais relevante na queda da desaprovação do que no
aumento da aprovação, maior indutor de voto.
Simoni lembra que Bolsonaro não criou uma
narrativa de defesa do benefício. Quem criou foi a oposição, que cobrou a sua
manutenção ou o seu aumento, dependendo da ocasião. No dia em que a lei que
viabilizou o auxílio foi promulgada, o vereador Carlos Bolsonaro postou, por
exemplo, a seguinte mensagem no Twitter: “Partimos para o socialismo. Todos
dependentes do Estado até para comer”. Foram várias as vezes em que Bolsonaro
criticou o auxílio.
No plano do discurso, o presidente foi
coerente com o que ele e seu entorno verbalizaram durante a campanha eleitoral
de 2018: a conjugação do ultraconservadorismo com um liberalismo econômico
xiita. Ainda que, na prática, seu governo não tenha agido como uma linha reta.
No caso emblemático do primeiro mandato de
Lula, vivia-se a situação inversa. O então presidente havia se elegido com uma
campanha profundamente centrada na redução da miséria por meio da ação do
Estado. A prática do seu governo no primeiro mandato, contudo, foi de ortodoxia
econômica. As denúncias de corrupção erodiram fundo a sua imagem e produziram
uma rejeição nas classes médias e alta que jamais foi superada. Mas ao engatar
o programa social, Lula estava com o discurso encaixado para a campanha da
reeleição. Plantava em solo semeado.
Há outro fator: uma coisa é aumentar o
valor de um benefício, a outra é criá-lo. “É mais importante do ponto de vista
eleitoral Bolsonaro ampliar o total de famílias beneficiadas”, observou o
cientista político Vitor Sandes, da Universidade Federal do Piauí, um dos
Estados onde o Bolsa Família é mais decisivo.
Isso porque, ao contrário do auxílio
emergencial, o Bolsa Família é um programa focalizado. Oscila entre 12 e 14
milhões de famílias beneficiadas desde 2009. Entre 2004 e 2008, na era Lula,
saiu de um piso de 4 milhões de benefícios por programas de transferência de
renda para 11,4 milhões de famílias incluídas, um salto de grande impacto.
Sandes lembra que mesmo no Piauí o voto
presidencial passa por outros condicionantes. Estrutura política faz diferença.
O governador piauiense Wellington Dias, primeiro petista a ser eleito no
Nordeste, junto com Lula em 2002, chegou ao poder e o manteve porque fez muita
costura com grupos tradicionais no Estado. Movimentos semelhantes também
aconteceram na Bahia, Maranhão, Ceará, Pernambuco.
A questão moral é importante para a base
evangélica e isso hoje é um trunfo para Bolsonaro. A curva da inflação e do
desemprego pode ajudar ou prejudicar o presidente que almeja a reeleição.
Para Bolsonaro transformar o novo Bolsa
Família numa máquina de votos, ele precisaria se reinventar. O problema é que
ele não se reinventa, pelo menos não é o que faz até o momento. Do ponto de
vista eleitoral, Bolsonaro parece apostar no mais do mesmo, na repetição da
estratégia de 2018. Age como se fosse um candidato antissistema, sendo que ele
é o gestor do sistema.
Ele poderia capitalizar a melhora da
economia e da vacinação, mas não é isso que estava fazendo até um mês atrás.
Seu mote era a cloroquina, era menosprezar o combate à pandemia a ponto de
tirar uma máscara de proteção do rosto de uma criança. Claramente esse não é um
comportamento de quem quer ampliar a base. Aparentemente ele pensa em continuar
no poder de outra maneira.
De um mês para cá, a sua palavra de ordem é
o voto impresso, como ferramenta para deslegitimar todo o processo eleitoral. A
proposta foi barrada ontem pela Comissão que examina o tema na Câmara. Sem o
voto impresso, o presidente nunca deixa exatamente claro o que tem em mente, Dá
duas pistas: o que quer que possa acontecer envolveria as Forças Armadas e
implicaria em não passar o poder para quem vença as eleições. Agindo dessa
maneira, o impacto do novo Bolsa Família no cenário eleitoral será atenuado,
uma vez que o presidente dá argumentos para que sua rejeição permaneça muito
alta. Para que ele seja decisivo, é preciso que Bolsonaro o trate assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário