O Estado de S. Paulo
O foco de Bolsonaro hoje é a foto, para manter o governo, as chances de 2022 e o mito de pé
Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros
chocou o Congresso e o País com seu pedido de renúncia, sete meses depois da
posse na Presidência da República, mas as coisas não saíram como ele pretendia.
Ao desembarcar em São Paulo, olhou para um lado, olhou para outro e exclamou em
sua solidão: “Cadê o povo?”
O “povo” não deu as caras, liberando
Congresso e Forças Armadas para acatar a renúncia e tocar o barco, dando posse
a João Goulart, que depois foi derrubado pelos militares. O País livrou-se do
autogolpe de Jânio, mas abriu caminho para o golpe de 1964.
Em 16 de agosto de 1992, Fernando Collor,
primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar, tinha
mudado seus principais ministros para enfrentar uma CPI, mas havia perdido as
condições de governabilidade e jogava sua última cartada: a convocação do
“povo” para vestir o verde e amarelo e ir às ruas garantir seu mandato.
Mais uma vez, o “povo” surpreendeu. Vestiu-se de preto, pintou a cara com as cores da bandeira brasileira e inundou as ruas do País para o oposto: clamar pelo impeachment. Collor caiu e os “caras pintadas” emergiram, abrindo um longo caminho de paz, mas coisas, numa curva, ou encruzilhada, começaram a dar errado.
Dilma Rousseff, primeira mulher eleita
presidente do Brasil, dona dos mais altos índices de aprovação em início de
mandato na redemocratização, revelou-se péssima política, trancou-se em palácio
com seu núcleo duro, avalizou pedaladas fiscais em dimensões nunca vistas antes
e fingiu não ouvir o ruído ao redor.
O “povo”, de preto contra Collor e de
vermelho a favor de Lula, insurgiu-se contra PT, Dilma e o status quo,
influenciando o Congresso. A indiferença e a turrice de Dilma e os erros do PT
custaram o mandato dela e anos de ataques e descrédito contra o partido, por
mensalão, petrolão e o impeachment, com a economia e a política no fundo do
poço.
Hoje, os que irão às ruas, em maioria, não
serão contra o presidente, mas a favor dele e contra a democracia e as
instituições. Nem indiferença, como foi com Jânio, o da “vassourinha”, nem de
preto, como contra Collor, o que combatia “os marajás”, nem multicolorido, como
a oposição a Dilma, que não conseguia mobilizar nem o PT a seu favor.
Muito bem articulado pelo Planalto,
internet e tropas bolsonaristas, à custa de valentia, armas, ameaças e falsas
narrativas, o movimento de hoje nas ruas conseguiu tomar de assalto a bandeira
e o verde e amarelo da Nação, o discurso de que o Supremo é quem ataca a
democracia, as urnas é que ameaçam a reeleição e Bolsonaro é o “salvador da
Pátria”. E ele exige a presença da cúpula das Forças Armadas...
Os hotéis de Brasília estão lotados,
acampamentos foram improvisados e a expectativa é de público recorde também no
Rio e em São Paulo, como nas marchas por Jesus, com milhões de fiéis sem
compromisso com a realidade e a racionalidade. Haverá bolhas da oposição, daqui
e dali, mas sem pretensão de concorrer em tamanho e visibilidade.
Há temor de violência, depois dos vídeos de
alucinados famosos e anônimos com armas e ameaças contra o Supremo. Mas,
atenção, não interessa a Bolsonaro que o 7 de Setembro descambe para o
quebra-quebra. A imagem que ele pretende vender para o Brasil e o mundo é de
ter apoio popular e pacífico.
Pergunte-se aos manifestantes o que
Bolsonaro fez de bom para o Brasil nas mais variadas áreas e eles não terão o
que dizer. Sem nada a favor, a resposta será com ataques e inverdades contra os
Poderes da República e os que cobram o que o presidente é incapaz de oferecer:
governo, estabilidade, conhecimento e equilíbrio pessoal. O que interessa a ele
e seus seguidores não é nada disso, é a foto, a foto para manter o mito de pé.
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