Folha de S. Paulo
Cheias de som e fúria, manifestações não
atingem resultados nem garantem novos votos
Há dois anos Bolsonaro e seus bajuladores
vêm nos ameaçando com um autogolpe que até agora não veio. Também não acredito
que virá nesta terça (7). Apesar da retórica violenta dos bolsonaristas, só uma
minoria tem o desejo real e a coragem para tentar qualquer coisa. E para esses
acredito que a decisão sem volta só virá mesmo quando —e se— Bolsonaro perder
nas urnas em 2022, a exemplo da invasão do
Capitólio trumpista (e que vai falhar, como aquela).
O discurso do golpe serve para alimentar a
militância alucinada, que precisa dessa expectativa da ditadura de extrema
direita para se manter mobilizada. Alimenta também os temores da esquerda
progressista que se mantém igualmente mobilizada.
Assim, fora um ou outro maluco que talvez
tente algo —sabemos que o terrorismo de extrema direita está em alta—, prevejo
manifestações grandes e majoritariamente pacíficas. Grandes o bastante,
inclusive, para dar uma injeção de otimismo nos defensores do presidente e
promover dias de comemorações entusiásticas nas redes. Nesta terça mesmo
saberemos se acertei.
O ato desta terça não é o primeiro. Bolsonaro se elegeu em 2018 prometendo não fazer política do “jeito velho”, isto é, com a negociação fisiológica de verbas e cargos em troca de apoio no Congresso. Sua alternativa a isso era a retórica inflamada e o povo na rua para pressionar o Congresso. Foram vários atos em 2019 e 2020. Qual o resultado concreto desta “nova política”?
Do ponto de vista do equilíbrio político, o
governo está muito mais enfraquecido perante Supremo e Congresso do que estava
no início do mandato. A imprensa também não se intimidou. E, do ponto de
vista de suas promessas, o fracasso é total: reformas econômicas e
combate à corrupção já foram chutadas para escanteio. Sobrou só um discurso
extremista incapaz de entregar resultados concretos.
Após alguns dias de entusiasmo, o que terá
mudado no Brasil depois deste 7 de setembro? O Congresso
continuará se fartando de emendas. O Supremo continuará com o inquérito
das fake news —ou, melhor dizendo, das milícias digitais.
O voto impresso
continuará fora da pauta. A inflação
continuará a corroer o poder de compra da população. A situação
ambiental continuará a se deteriorar. A educação
continuará abandonada. A agenda econômica, antes tida como a graça
redentora do desastre em todo o resto, continuará se resumindo a projetos
eleitoreiros —novo Bolsa
Família, reforma
tributária desfigurada— e gambiarras para gastar sem violar o teto.
Por fim, as investigações
sobre o passado da família Bolsonaro, que aparentemente enriqueceu
com esquemas milionários de desvio de dinheiro público, não vão deixar de
revelar podres.
O próprio governo percebeu isso e, embora
não tenha mudado a retórica, abriu as torneiras da negociação com o Congresso.
É até agora o presidente que mais
pagou emendas para os parlamentares —mais de R$40 bilhões em
menos de três anos— e o que menos aprovou projetos. Não só faz “velha
política”, como a faz muito mal.
Com o debate público cada vez mais moldado
pelas redes sociais, mostras ostensivas de poder e provocações bombásticas são
mais valorizadas pelos fã-clubes políticos (não só de Bolsonaro) do que
realizações. Os protestos se encaixam nessa lógica: não atingem resultados nem
garantem novos votos. Cheios de som e fúria, não significam nada.
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