O Globo
O recado de Gilberto Kassab foi claro. Ele
disse na entrevista que me concedeu ontem que o PSD pode apoiar o impeachment
do presidente Bolsonaro, se ele continuar a atual escalada contra a democracia.
O que leva o líder de um partido de centro a fazer tal ameaça a um presidente
em momento em que ele enche as ruas de apoiadores? É que no evento que
Bolsonaro convocou para hoje ele parecerá forte, porque a manifestação será
grande, mas estará, na verdade, mais isolado. Bolsonaro fugiu para a sua bolha,
porque a sua popularidade está em queda. “Ele não vencerá nas urnas porque está
mal avaliado e está mal avaliado porque faz um mau governo”, resume Kassab.
— Não tenho o menor constrangimento de defender o impeachment, o presidente está chegando no limite com essas manifestações que atentam contra a democracia. Se ele subir mais alguns degraus, defenderei o impeachment e entendo que ele está subindo esses degraus —disse Kassab em entrevista no meu programa na Globonews.
Na semana passada, em longa conversa com um
político do centro, ouvi o mesmo diagnóstico: Bolsonaro pode não chegar no
segundo turno, pela má gestão da pandemia, pela crise econômica, pela queda da
sua aprovação.
— Eu acho que ele não estará (no segundo
turno). Comparando o resultado da eleição cidade por cidade, conversando com
analistas, e eu mesmo analisando os dados, o que vejo é que ele cai a cada dia
— afirmou Kassab.
Na opinião do presidente do PSD, o evento
deste 7 de setembro, a maneira como foi organizado diretamente pelo presidente,
decorre do seu declínio nas pesquisas. Bolsonaro radicaliza porque está acuado
diante da possibilidade de perda nas urnas ou de enfrentar um processo de
impeachment. O problema é que para se defender ele acabou ameaçando ainda mais
a democracia. Hoje ele fará seu espetáculo, mas contraditoriamente vai se
isolar um pouco mais. Até porque à mortandade na pandemia se soma agora a
inflação e a crise hídrica. Ele tentará culpar governadores pelo preço da
gasolina, culpará o STF pelo seu mau desempenho, procura culpado pela falta de
chuvas, mas a inflação corrói renda, e o eleitor sempre conclui, com razão, que
é culpa do governo. Já falei aqui do efeito bumerangue: sua histeria
autoritária afeta a economia, o que agrava a crise, que tira popularidade do
seu governo.
Bolsonaro ontem atacou diretamente o
arcabouço legal do país ao baixar uma Medida Provisória que altera o Marco
Civil da Internet, que levou sete anos sendo discutido. A MP limita o combate
às fake news. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que foi relator do marco
civil, disse em entrevista a Alvaro Gribel, no meu blog, que os advogados do
partido já estavam preparando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)
para entrar no STF. A MP é inconstitucional. Outro caminho pode ser a devolução
da MP por não atender aos critérios de relevância e urgência. O doutor em Direito
Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, disse que “se as redes não
puderem tirar do ar spam, discurso de ódio, assédio, bullying, desinformação,
elas serão só ruído e não espaço de liberdade”. Para proteger seus seguidores,
fortalecer sua máquina de mentiras e estimular atos contra a democracia,
Bolsonaro fez uma MP inconstitucional e arbitrária. Fechou-se mais em sua
bolha.
— É lamentável. O Brasil é o único país do
mundo em que o governo não dá importância aos temas mais relevantes, a pandemia
e a crise econômica. O presidente só se preocupa com motociatas. Gasta energia,
a equipe de governo e o custo de transporte para isso. Nas últimas semanas,
concentrou-se na organização e na mobilização para esse verdadeiro comício. A
democracia pressupõe manifestação, mas não é isso que ele quer. O que está por
trás é uma mobilização com outros interesses, ele está ameaçando as eleições.
Nunca pensei que eu estaria em 2021 discutindo a sobrevivência da democracia,
por conta de uma postura totalmente equivocada de um governo. Ele questiona
esta eleição porque sabe que corre sério risco — disse Kassab.
Será um triste 7 de setembro. Em vez de
data nacional a ser celebrada por todos, será o dia em que Bolsonaro tentará
amedrontar o país convocando os seus radicais para as ruas e usando o aparato
do Estado brasileiro, inclusive policiais militares. Isso para parecer forte,
quando sabe que está cada vez mais fraco.
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