EDITORIAIS
Privatizando o Orçamento
O Estado de S. Paulo
A bolsonarização do Orçamento e da máquina estatal, forma perversa de privatização, já impôs e continuará impondo custos enormes ao País
Ninguém deve acusar o presidente Jair
Bolsonaro de haver negligenciado as privatizações, uma de suas promessas de
campanha. De fato, ele foi longe, nessa tarefa, ao pôr a seu serviço – e ao
serviço de seus companheiros e aliados – o ainda chamado Orçamento-Geral da
União (OGU), uma denominação obviamente superada. Também é preciso lembrar seus
esforços, nem sempre vitoriosos, mas sempre notáveis, para subordinar a seus
interesses pessoais e familiares a Polícia Federal, o Ministério da Justiça, a
Procuradoria-Geral da República e outros órgãos de Estado. Os últimos dados
sobre o uso do orçamento secreto comprovam, de novo, o empenho privatizador.
Como apurou o Estado, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, conseguiu destinar R$ 1,4 milhão do orçamento secreto à obra de um mirante turístico em Monte das Gameleiras, no Rio Grande do Norte. O mirante fica a 300 metros de um terreno de seis hectares de propriedade do ministro. Está projetada a construção, nessa área, de um condomínio de cem casas. Marinho negou ter proposto a aplicação do dinheiro, mas sua responsabilidade, como “autor” ou “agente político” foi confirmada pelos autores da reportagem, Felipe Frazão e Breno Pires, por meio da Lei de Acesso à Informação. Além da privatização do orçamento, para benefício de um membro da equipe bolsonariana, o episódio envolve, portanto, um evidente estímulo ao empreendedorismo paroquial, mais uma façanha merecedora do aplauso dos bolsonaristas.
Dinheiro da União tem sido usado também
para favorecer militares e agentes de segurança, com aumentos salariais,
distribuição de postos na administração federal e também um recém-lançado
programa de financiamento de residências. Desde o começo de seu mandato, o
presidente Bolsonaro já comprometeu com benefícios a esses grupos pelo menos R$
27,7 bilhões, custo estimado até o fim de 2022.
O programa Habite Seguro, destinado a
policiais militares e a bombeiros, deve custar R$ 183,9 milhões até o fim do
atual mandato presidencial. No ano passado, policiais civis, policiais
militares e bombeiros do Distrito Federal, de Rondônia, do Amapá e de Roraima
receberam aumentos salariais com custo estimado em R$ 1,64 bilhão até o fim do
próximo ano. Em 2020, como lembrou reportagem do Estado, outros funcionários
tiveram os salários congelados por causa dos gastos com a pandemia.
Além de elevar os salários de policiais,
medida agora reforçada com o programa habitacional subsidiado, Bolsonaro
cortejou esses grupos com visitas e tentativas de cooptação política, num
esforço para criar relações diretas de influência, embora as corporações sejam
subordinadas legalmente aos governos estaduais.
A multiplicação de membros ou ex-membros
das Forças Armadas em postos federais tem sido outra forma de subordinação do
Estado aos interesses políticos bolsonaristas. Em julho, 6.157 militares da
ativa e da reserva ocupavam postos civis, segundo o Tribunal de Contas da União
(TCU). Esse contingente era mais que o dobro do registrado na gestão do
presidente Michel Temer. O caso mais ostensivo foi o da ocupação do Ministério
da Saúde por pessoas com títulos militares e, na maior parte dos postos mais
importantes, sem preparo para as funções.
Dominado pela incompetência e sujeito à
orientação do Palácio do Planalto, o Ministério, militarizado, converteu-se em
propagandista das terapias pregadas pela medicina bolsonariana. A dimensão do
desastre pode ser medida em milhares de mortes e milhares de casos de contágio.
A bolsonarização do Orçamento e da máquina
estatal, forma perversa de privatização, já impôs e continuará impondo custos
enormes ao País. Em busca de apoio popular para continuar no poder – a
reeleição é um dos meios possíveis –, o presidente decidiu criar a sua versão
do Bolsa Família. Para isso decidiu aumentar a partir desta semana o Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), jogando mais um custo, com a marca
Bolsonaro, sobre empresas e famílias já muito pressionadas. Privatização
bolsonariana é assim.
O dever constitucional do Senado
O Estado de S. Paulo
Indicação de Mendonça deve ser rejeitada pelo plenário do Senado, e não ficar num limbo
No dia 13 de julho, o presidente Jair
Bolsonaro indicou o então chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça,
para assumir a vaga deixada por Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal
(STF). Tendo em vista as declarações do próprio Bolsonaro e o passado de
descompromisso de André Mendonça em relação à Constituição, a indicação não
atende aos requisitos constitucionais. Cabe ao Senado rejeitá-la.
O Senado, no entanto, vem descumprindo seu
dever constitucional de apreciar o nome indicado para o Supremo. Até o momento,
o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi
Alcolumbre (DEM-AP), não fixou data para a sabatina de Mendonça.
Perante tal situação, os senadores Alessandro
Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) impetraram no STF um mandado
de segurança, pedindo que o presidente da CCJ seja obrigado a pautar a
sabatina. Segundo os dois senadores, a conduta de Alcolumbre é “abusiva”, não
lhes tendo sobrado outra alternativa a não ser a via judicial. Na terça-feira,
o relator da ação no STF, ministro Ricardo Lewandowski, pediu informações sobre
o caso ao presidente da CCJ.
Deve-se ressaltar que o atraso na sabatina
de André Mendonça tem sido motivado, em boa medida, pelo próprio Palácio do
Planalto, com sua contínua criação de conflitos e atritos com outros Poderes.
No início de agosto, o presidente Bolsonaro ameaçou ingressar com um pedido de
impeachment contra dois ministros do STF. Logicamente, a ameaça aumentou as
tensões políticas, inviabilizando, naquele momento, qualquer passo para o
preenchimento da vaga na Corte.
Decorridos alguns dias, num esforço de
pacificação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), encaminhou a
indicação de André Mendonça para a CCJ da Casa. O ato se deu numa quarta-feira,
dia 18 de agosto. Dois dias depois, Bolsonaro denunciou no Senado o ministro
Alexandre de Moraes por crime de responsabilidade. Mais uma vez, o Palácio do
Planalto implodia qualquer possibilidade de andamento do processo de avaliação
do nome que, em tese, seria do seu interesse. Afinal, foi Bolsonaro quem
indicou André Mendonça à vaga no Supremo.
A absurda denúncia contra Alexandre de
Moraes foi rejeitada pelo presidente do Senado, por ausência de justa causa.
Reiniciaram-se, assim, as condições para a sabatina de André Mendonça no
Senado. No entanto, aqui entra em cena outro personagem, Davi Alcolumbre, cujo
histórico também não revela grande apreço pela Constituição. No ano passado, a
despeito da proibição constitucional, tentou candidatar-se à reeleição da
presidência do Senado.
A rigor, Davi Alcolumbre não é oposição ao
Palácio do Planalto. Enquanto esteve na chefia do Senado, foi muito solícito
aos interesses de Jair Bolsonaro, que retribuiu não pondo empecilhos à sua
tentativa de reeleição, que foi depois barrada pelo Supremo. No entanto, o fato
é que, no momento, Davi Alcolumbre não quer André Mendonça no STF e tem usado
seu posto na CCJ para travar o processo. Simplesmente não pauta a sabatina.
Como é sabido, André Mendonça não preenche
os requisitos constitucionais para ocupar a cadeira no Supremo. A perseguição
que promoveu no Ministério da Justiça contra críticos do governo Bolsonaro,
valendo-se de uma interpretação imprópria da Lei de Segurança Nacional,
evidenciou seu desapreço pelas garantias constitucionais mais comezinhas. Mas
sua indicação deve ser rejeitada pelo plenário do Senado, e não ficar num
limbo, em razão de questões particulares do presidente da CCJ.
O Supremo é composto por 11 ministros. É
prejudicial ao País que a Corte fique desfalcada por tempo indeterminado. Não
há prazo para que o Senado avalie a indicação do Palácio do Planalto para o
Supremo, mas isso não significa que a Casa Legislativa possa adiar
indefinidamente e sem motivo a sabatina. Interesses particulares – sejam de
Bolsonaro, de Alcolumbre ou de quem quer que seja – não devem condicionar o
cumprimento da Constituição. Que os senadores possam apreciar a indicação
bolsonarista.
Negacionismo energético
O Estado de S. Paulo
Indicadores que dão base ao otimismo do ministro de Minas e Energia são desconhecidos
Relatório do Tribunal de Contas da União
(TCU) sobre a gestão da crise hídrica pelo governo revelou aquilo de que uma
boa parte da sociedade já desconfiava. As medidas adotadas até agora são
insuficientes para afastar o risco de apagão. Não deveria surpreender ninguém,
já que o enfrentamento de qualquer situação crítica passa, em primeiro lugar,
pela admissão de que o problema, de fato, existe.
Quem assiste às entrevistas do ministro de
Minas e Energia, Bento Albuquerque, vai ouvir que o risco de racionamento no
País é zero. Os indicadores que dão base a essa previsão tão otimista, no
entanto, são desconhecidos. Os anteriores, usados até o fim de 2018, foram
considerados inadequados pelo governo Jair Bolsonaro, mas não foram
substituídos por nenhum outro. No mercado, não há dúvidas sobre a gravidade da
crise. A PSR, maior consultoria do setor no País, afirma que o risco de
racionamento é de 20% e o de apagão, de 30%. Para os auditores do TCU, as
medidas adotadas pelo Executivo no enfrentamento da seca carecem de
previsibilidade e razoabilidade.
Foi apenas em 31 de agosto, por exemplo,
que os consumidores descobriram que iriam pagar uma nova taxa nas contas de luz
no dia seguinte, 1.º de setembro. O sistema de bandeiras tarifárias, que usa as
cores verde, amarela e vermelha para sinalizar os custos de geração nas
tarifas, a exemplo de um semáforo, foi insuficiente para dar conta do problema.
Agora, todos pagam a “bandeira de escassez hídrica”, um adicional de R$ 14,20 a
cada 100 quilowatts-hora consumidos.
Além de passar por cima das atribuições da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão responsável justamente pelo
cálculo das tarifas, o governo, até agora, não divulgou de que forma chegou ao
valor da nova bandeira nem os critérios para seu acionamento. Mesmo que, por um
milagre, o volume de chuvas seja suficiente para encher os reservatórios das
hidrelétricas ao longo do período úmido, a taxa vai vigorar até abril de 2022.
O pouco que se sabe é que o ministro da
Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos
Neto, atuaram de forma direta para impedir que a Aneel aplicasse a taxa
considerada adequada, de quase R$ 25 a cada 100 kWh, tudo para conter parte do
desastre que será a inflação deste ano. Analistas consultados pelo BC projetam
que o IPCA fechará o ano em 8,35%, diante de uma meta de 3,75%.
Cada vez mais, um misto de negacionismo,
improviso e perversidade se consolida como a marca do governo também na área
econômica. Para bancar o aumento do Bolsa Família aos mais necessitados, o
governo aumenta o imposto dos endividados. Para impedir o racionamento, o
Executivo autoriza um tarifaço via bandeiras. Depois, anuncia um bônus para
aqueles que conseguirem economizar entre 10% e 20% de seu consumo. A
bonificação, no entanto, será paga pelos próprios consumidores, por meio de
encargo na conta de luz.
Extinto há dois anos, o horário de verão,
política que contribui para reduzir os picos de consumo nos horários de ponta,
como confirmou recente estudo do Operador Nacional do Sistema (ONS), não deve
ser retomado. Motivo: o presidente Jair Bolsonaro não gosta da medida. Esse é o
nível de governança à qual os brasileiros estão expostos.
Em 2001, o governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso determinou uma meta de economia de energia de 20%
para todos os consumidores, com multa para aqueles que não a cumprissem. Coube
a FHC ir à TV, em cadeia nacional, pedir a colaboração da população para que
não houvesse apagões. A figura do presidente foi fundamental para demonstrar a
gravidade da crise. Custou a derrota do candidato tucano, José Serra, na
eleição de 2002.
Vinte anos depois, racionamento se tornou
palavra proibida no governo. Interessado apenas em sua reeleição, o presidente
Jair Bolsonaro se esconde atrás da figura do ministro Bento Albuquerque,
escalado para fazer os impopulares pronunciamentos sobre o tema em rádio e TV,
e até mesmo do humorista Sérgio Mallandro, famoso por suas “pegadinhas”, que
protagoniza uma campanha do governo. É para rir?
Orçamento põe em risco teto de gastos
O Globo
Com sua omissão contumaz, Bolsonaro
terceirizou o problema ao ministro Paulo Guedes, aos presidentes da Câmara e do
Senado, e até ao presidente do Supremo
Depois da pirotecnia golpista do 7 de
Setembro e da impostura delirante nas Nações Unidas, o presidente Jair
Bolsonaro volta ao Brasil e se vê diante do mesmo problema que há meses
demonstra ser incapaz de resolver: equilibrar o Orçamento de 2022. Desviar ou
fugir da realidade é inútil. A solução que vem sendo proposta e negociada em
Brasília equivale a romper o teto de gastos, última âncora fiscal que garante
um mínimo de credibilidade às contas públicas. Na atual circunstância, é a pior
solução — e, infelizmente, a mais provável.
Com sua omissão contumaz, Bolsonaro
terceirizou o problema ao ministro Paulo Guedes, aos presidentes da Câmara e do
Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, e até ao presidente do Supremo, Luiz
Fux. Mas que ninguém se engane: é ele quem assina a lei orçamentária. É ele o
responsável pelos gastos do Executivo. Esse é, portanto, um problema dele,
Bolsonaro.
Do ponto de vista do governo, a questão
parece se resumir a descobrir a solução para pagar as dívidas judiciais de
quase R$ 90 bilhões, 72% acima das pagas neste ano. Fracassou a tentativa de
parcelar os pagamentos de maior valor, os precatórios, seja via Proposta de
Emenda à Constituição (PEC), seja via uma negociação capitaneada por Fux.
Agora, a ideia de Lira e Pacheco é permitir
que, no Orçamento de 2022, não esteja sujeito ao teto de gastos o valor que
exceder R$ 39,4 bilhões (pouco mais que o valor pago em 2016, ano de criação do
teto, corrigido pela inflação). Para cobrir o novo “puxadinho orçamentário”, o
Congresso autorizaria créditos extraordinários. Em contrapartida, aprovaria uma
PEC determinando, daqui para a frente, o adiamento, para o ano seguinte, do
pagamento dos precatórios que superarem certo limite. Seria outra modalidade de
calote que acumularia uma dívida explosiva (o rombo até 2036 foi estimado pela
consultoria financeira da Câmara na casa das centenas de bilhões).
É meritória a tentativa de dar
previsibilidade ao pagamento dos precatórios, mas o debate em curso não passa
de uma cortina a ocultar o mesmo problema de sempre: um Orçamento em que não
cabem todos os gastos. Em particular, os R$ 61 bilhões que custará o novo
Auxílio Brasil, o programa assistencial eleitoreiro de Bolsonaro. Para
financiá-lo neste ano, o governo já promoveu um absurdo aumento na alíquota do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Para o ano que vem, pretende adiar o
pagamento dos precatórios em vez de sacrificar outros gastos.
Por que não reduzir as emendas
parlamentares? Ou ao menos acabar com a esdrúxula emenda do relator, que
permite a Lira e Pacheco distribuir R$ 18,5 bilhões do Orçamento à margem dos
órgãos de fiscalização e controle (o inaceitável “orçamento secreto”)? Por que
se deixou de regulamentar a redução de salários e jornadas de servidores
públicos como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal? Ou de fazer uma
reforma administrativa para valer, cortando privilégios da elite do
funcionalismo? Nada disso acontece porque Bolsonaro jamais quis saber de
encarar os problemas reais que viram despesas no Orçamento.
É sabido como os governos brasileiros taparam buracos orçamentários ao longo da história: com a ajudinha da inflação. Eis que ela está aí novamente à espreita. Seria um completo disparate que justamente o governo eleito com um programa de ortodoxia econômica despertasse o dragão.
Fed sinaliza início do ‘taper’ e alta
antecipada de juros
Valor Econômico
O cenário externo continua benéfico ao
Brasil, às voltas com um ciclo de aperto de juros e aumento da inflação
O Federal Reserve deve decidir em sua
próxima reunião, em novembro, o início da redução gradual de suas compras de
títulos, hoje de US$ 120 bilhões ao mês – US$ 80 bilhões em títulos do Tesouro
e o restante em hipotecas. O presidente do banco, Jerome Powell, disse ontem
que a condição de haver “substanciais progressos adicionais” no nível de
emprego já estava praticamente atendida e que em novembro poderiam seguir em
frente com o “taper”. Há um calendário para o encerramento das compras: meados
de 2021.
Ao mesmo tempo, na reunião de ontem os
membros do Fed indicaram que estão bem mais propensos do que antes a iniciar o
aumento da taxa de juros em 2022. No encontro anterior, 9 deles não previram
reajuste dos fed funds no ano que vem, e 7 sim. Agora, há um empate de 9 a 9,
com a maior possibilidade de uma alta, para 0,5% e, menor, de duas, para 0,75%.
Em 2023, o ritmo se intensificará, de acordo com o mapa de pontos que coleta as
previsões dos membros do Fed. A mediana aponta para uma taxa de 1,75% ao fim
daquele ano. A taxa de longo prazo identificada pelo Fed é de 2,5%.
A alta da inflação, por um lado, pressiona
o banco a agir com mais rapidez. A recuperação do mercado do trabalho sugere,
porém moderação – ainda que vigorosa (750 mil mensais), reduziu-se em agosto,
devido ao contágio d variante Delta, que provoca estragos nos EUA. Segundo
Powell, a retomada dos empregos que autorizaria o Fed a reduzir a compra de
títulos já foi praticamente alcançada e, no caso da inflação, “fez bem mais do
que progressos significativos”. O banco elevou sua projeção para o núcleo dos
gastos pessoais de consumo (PCE) de 3% para 3,7% e o índice cheio de 3,4% para
4,2% em 2021, enquanto que diminuiu a expectativa de crescimento da economia de
7% para 5,9% e elevou a do desemprego, de 4,5% para 4,8%.
O Fed, porém, não mudou seu diagnóstico de
que a alta dos preços é temporária. A perspectiva é de que o núcleo do PCE
desacelere para 2,3% no ano que vem e 2,2% em 2023, quase dentro da meta. Para
Powell, gargalos da oferta explicam esse comportamento e eles são “mais fortes
e mais duradouros do que o inicialmente previsto”.
Segundo a consultoria Oxford, há sérios
problemas de transportes, especialmente disponibilidade de caminhões para
atender a forte demanda, o que leva a espera de até duas semanas de mercadorias
nos portos e congestionamento de navios nas alfândegas de Los Angeles e Long
Beach, por onde passam 35% das importações. Os fretes subiram 400% e
adicionaram mais pressão altista às que já existiam no custo dos insumos. As
empresas têm baixos estoques, pouca capacidade de ampliar a produção e, ainda
por cima, falta de mão de obra.
Powell afirmou que há uma boa distância
entre o início do processo de diminuição de compra de títulos e o início do
aumento das taxas de juros. A diferença, de novo, está relacionada ao mercado
de trabalho. O desemprego deve encerrar 2022 em 3,8%, já abaixo da taxa de
longo prazo, estimada pelo Fed em 4%, o que liberaria o banco para iniciar o
aperto monetário. Visto de hoje, este aperto será bem gradual e ao fim de 2024
o fed funds ainda estaria abaixo dos 2% de inflação prevista.
Na zona do euro, o fim dos juros negativos
está mais distante. O Banco Central Europeu, apesar de sinalizar um corte nas
compras de títulos do programa de estímulo relacionado à pandemia, prevê índice
de 2,2% este ano, que cai para a meta, de abaixo mas próximo de 2% e para 1,5%
em 2023. A sinalização do BCE para mover os juros é a de que a inflação
precisaria atingir e ficar em 2% ou um pouco mais por pelo menos 18 meses, o
que, por suas previsões, não ocorrerá. Ou seja, não se vislumbra alta de juros
antes de 2025.
A tranquilidade dos bancos centrais sobre a
elevação da inflação não é correspondida por muitos investidores e economistas,
que veem o risco de uma elevação persistente do nível de preços e de uma reação
mais forte, turbulenta e antecipada da política monetária. Entre os vários
inconvenientes desta mudança de rota está o fato de que o endividamento de
empresas e governos é muito maior do que ao fim da crise de 2008 e continuou
crescendo durante a pandemia, com os megapacotes de socorro fiscais e
monetários.
O cenário externo continua benéfico ao
Brasil, às voltas com um ciclo de aperto de juros e aumento da inflação acima
do esperado. Turbulências nos mercados acrescentariam a piora das condições
externas às internas, já em curso, o pior dos mundos.
Ressaca chinesa
Folha de S. Paulo
Crise da Evergrande, que preocupa o mundo,
é sintoma do inchaço do setor no país
Nas últimas décadas o motor de crescimento
chinês levou a economia do país à segunda posição no ranking global e ao status
de maior nação comercial. Parte importante desse processo veio da construção
civil, que atendeu a demanda oriunda da urbanização acelerada, mas também se
tornou símbolo de excessos e riscos financeiros.
Cada vez mais, o que ocorre no setor
financeiro do país provoca
impactos além de suas fronteiras. Evidência disso é o abalo nos
mercados globais em razão dos temores de contágio da provável falência da
Evergrande, a maior incorporadora imobiliária do país.
Tornaram-se comuns comparações com a quebra
do Lehman Brothers, estopim da fase mais aguda da crise financeira de 2008. A
dívida da empresa de fato é gigantesca, na casa dos US$ 300 bilhões, a maior
parte com credores locais, de bancos a pequenos fornecedores e mutuários que
pagaram por apartamentos não entregues.
À diferença do caso americano, contudo, é
provável que as ramificações financeiras sejam mais controladas desta vez, pois
o governo central comanda os bancos, que podem rolar empréstimos.
O cenário não parece ser de crise bancária,
mas de desmontagem da empresa e liquidação gradual de estoques e passivos. Com
grandes vencimentos de dívidas nas próximas semanas e incertezas sobre como o
governo lidará com o problema, a ansiedade dos mercados permanece alta.
Mesmo que haja solução ordenada, todavia,
há o problema mais amplo, do qual a Evergrande é um sintoma. Algumas
estimativas apontam que a construção representa cerca de 20% do Produto Interno
Bruto chinês, o dobro ou o triplo do que se observa em grande parte dos países.
Durante ao menos duas décadas o sistema
cresceu com endividamento fácil e por interesses locais. Desde que o governo
intensificou restrições em 2020, há mais dificuldades de financiamento.
Nos últimos meses se acelerou a queda de
vendas e preços, e o risco agora é que tal dinâmica seja difícil de controlar.
Num sistema com excesso de dívidas, pode ser mortal para as empresas um colapso
no preço de seus estoques.
O problema se estende às famílias, com
parte importante de sua riqueza materializada em imóveis.
Ainda que o gigante asiático, como parece provável, seja capaz de evitar uma
crise financeira no sentido estrito, será difícil escapar de uma desaceleração
do crescimento econômico, ao menos por algum tempo, o que traz implicações
amplas para o restante do mundo.
Redução de danos
Folha de S. Paulo
Ante desatino federal, melhor deixar que
entes decidam sobre vacinação de jovens
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo
Tribunal Federal, determinou que cabe a
estados e municípios decidir sobre a vacinação de adolescentes sem
comorbidades contra a Covid. O despacho atende parcialmente ao pedido de
partidos que questionam a decisão do Ministério da Saúde de suspender a
imunização para esse grupo.
Juridicamente, não há muito o que discutir.
O STF já estabeleceu e reafirmou que a competência para gerir a pandemia é
concorrente entre União, estados e municípios.
Na prática, isso significa que a regra mais
específica tenderá a prevalecer —e que, se uma das entidades federativas se
omitir, outra poderá ocupar o espaço abandonado. Não é o ideal.
Num Brasil mais funcional, os governos
federal, estaduais e municipais não se furtariam a suas obrigações e todos se
valeriam das vantagens comparativas de que dispõem para formar um conjunto
coerente, harmônico e eficaz de ações contra a Covid-19.
No caso da imunização, caberia à União
adquirir os biofármacos e os insumos para aplicá-los (com ganhos de escala),
além de coordenar gestores e especialistas para traçar, com base na ciência e
nos melhores dados disponíveis, as diretrizes nacionais do programa.
Estados e municípios, que são os
administradores das redes de saúde, se encarregariam de aplicar as vacinas de
acordo com o plano, fazendo as adaptações necessárias para atender às
especificidades locais e cuidando para que o desperdício fosse o menor
possível.
Mas, no Brasil de Jair Bolsonaro, o
Ministério da Saúde não é muito mais que uma caixa de ressonância dos delírios
do clã presidencial. Aí, já não se trata de tomar decisões sobre como o sistema
de saúde deveria funcionar, mas de abraçar políticas de redução de danos.
É preferível que os governos regionais
possam agir, mesmo contrariando decisões de Brasília, a deixar que o ministério
imponha a todo o país a agenda bolsonariana.
Quanto ao mérito da questão, especialistas
discutiram a ordem da fila —uma vez que, na falta de produtos para todos, a
vacinação de adolescentes disputa lugar com a redução do intervalo entre as
doses para grupos mais vulneráveis e a aceleração da terceira dose para os
idosos. O debate é relevante.
Inaceitável é que, uma vez tomada a decisão
de vacinar os jovens, o Ministério da Saúde recorra a boatos —a morte de um
jovem supostamente por causa da vacina— para suspender unilateralmente o
programa e, como efeito colateral, erodir perigosamente a confiança da
população nos imunizantes.
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