O Globo
O país parece destinado a passar vergonha,
seja em restaurante estrelado em Paris, seja em calçada de Nova York
Bolsonaro não existe mais. Depois da
tentativa de golpe do dia 7 de setembro, quando ficou claro que o Brasil
consegue funcionar a despeito do que ele, as milícias e os caminhoneiros
propõem, deixou de ter qualquer importância. Vai continuar esbravejando e
causando, vai continuar fabricando Medidas Provisórias e PLs cheios de más
intenções, mas o seu show acabou. Morreu. Se vai ser enterrado nas urnas ou
antes disso só importa porque há muito a reconstruir no Brasil, e cada dia
perdido é mais um prejuízo.
Bolsonaro juntou o que tinha e o que não tinha para a sua cartada golpista. Ao longo dia 7, mas sobretudo na noite tenebrosa do dia 6, o bolsonarismo veio com tudo. Felizmente havia adultos em Brasília, e eles tomaram providências. O tudo se fez nada muito rápido porque era nada desde o começo: onde o Messias se via como um leão rugindo, foi fácil perceber o pato, manco das duas patas.
A carta de Temer afastou o impeachment da
fervura para o banho-maria, mas cortou as asas do pato e reduziu-o à sua devida
dimensão.
Agora, a viagem a Nova York deixou ainda
mais clara a sua irrelevância.
Não há político que já não tenha tentado
passar a impressão de ser um sujeito humilde comendo na rua, mas até aqui não
se tinha notícia de político comendo na rua por não cumprir normas sanitárias
universais.
Bolsonaro não entende a liturgia do cargo,
não compreende o que significa ser presidente.
Poderia comer até debaixo da ponte se
estivesse com os papéis em dia, mas quando optou por se dizer não-vacinado se
pôs no lugar do pária, aquele que ninguém quer por perto. A sua foto comendo
pizza em pé na calçada, cercado de basculhos, vai entrar para a História como
um dos pontos mais baixos da iconografia brasileira, páreo duro para a clássica
farra dos guardanapos.
O país parece destinado a passar vergonha,
seja em restaurante estrelado em Paris, seja em calçada de Nova York.
Como já era esperado, o discurso do
presidente não fez o menor sentido, mas também não fez (ou faz) qualquer
diferença. Não quer dizer nada.
Tanto faz o que ele diga ou o que deixe de
dizer.
Discordo de quem acha que perdeu uma
oportunidade de ouro para discutir grandes questões. Não se perde o que não se
tem.
Bolsonaro não só não sabe separar os
problemas do mundo das picuinhas domésticas, como já deixou de ser levado a
sério como interlocutor no cenário internacional há bastante tempo. Ninguém
mais presta atenção às suas palavras.
A única coisa que lhe restava a fazer era
mesmo o que fez: usar o discurso de abertura da ONU como palanque para se
dirigir aos seus fiéis, os únicos que ainda lhe dão ouvidos.
Nós jornalistas estamos falando e
escrevendo sobre esse discurso desde terça-feira, mas estamos perdendo tempo.
Um ex-deputado que passou 30 anos embromando, mas que, numa pandemia, acredita
que entende mais de imunologia do que os melhores imunologistas, não é caso de
análise política, é caso de hospício.
O mundo já percebeu isso, e aponta para o
Brasil como uma piada que deu errado.
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