Valor Econômico
Ao dar folga no Orçamento a um presidente
que já não demonstra capacidade de governar, Congresso se torna cúmplice do
desfecho de sua gestão
A lógica que move o adiamento da sabatina
do ex-advogado- geral da União, André Mendonça, indicado ao Supremo Tribunal
Federal, é a de que se o presidente da República quer fechar a Corte o Senado
não deve se apressar em confirmar o próximo ministro.
Transponha-se o mesmo argumento para o
acordo do Orçamento da União de 2022 e se tem a massa de que é feita a política
hoje em Brasília. Por que o Senado vai viabilizar um acordo no atropelo de
regras fiscais para dar uma folga orçamentária ao Executivo de quase R$ 50
bilhões no próximo ano se o presidente já deu demonstrações de sobra de que não
tem condições de governar?
É nas respostas a esta pergunta que está o mapa da cumplicidade não apenas de aliados do bolsonarismo mas de todos os Poderes. A primeira resposta oferecida é a de que negar este acordo equivaleria a acender um fósforo para ver se tem gasolina no tanque. Sem a recalibragem do Auxílio Brasil, por exemplo, poderia haver saques no país, que é tudo o que o presidente Jair Bolsonaro quer para tumultuar o ano eleitoral.
Há muitas alternativas para abrigar o
aumento de gastos assistenciais que jogam por terra este argumento. A primeira
é aquela que considera os precatórios devidos ao Fundo de Desenvolvimento da
Educação Fundamental (Fundef) exceção ao teto de gastos, a exemplo do que já
ocorre com o fundo da educação básica, o Fundeb. O espaço que se abriria sob o
teto abrigaria com folga o aumento para transformar o Bolsa Família em Auxílio
Brasil.
A outra alternativa é o corte das emendas
de relator, que consumirá neste ano R$ 18,5 bilhões do Orçamento. Não se trata
de negar aos parlamentares o direito de apresentar emendas individuais ou de
bancada, apenas de suprimir da execução orçamentária uma excrescência nascida
sob a coabitação do Congresso com Bolsonaro que escamoteia a cadeia de repasses
de recursos públicos - e seus pedágios. A solução, de menor impacto fiscal,
reduziria a pressão sobre a inflação que, ao fim e ao cabo, vai desidratar o
valor de compra do benefício que se busca melhorar.
As emendas de relator, porém, sumiram da
pauta das negociações dos precatórios. É como se os parlamentares não tivessem
nada a ver com isso. Na verdade, podem se dar ao luxo de ignorar esta saída
porque tiraram vantagem do acordo pós-alopração bolsonarista do 7 de setembro.
O Supremo, que estava à frente da
negociação, deixou a mediação depois dos ataques do dia da pátria e o Congresso
lhe tomou o lugar, cobrando, obviamente, o preço.
Há alguma ansiedade em relação à decisão da
ministra Rosa Weber sobre as ações ajuizadas no Supremo contra as emendas de
relator. Lá argumenta-se que o dispositivo criou uma moeda de troca entre
Executivo e Legislativo. Pedem suspensão de sua execução orçamentária e
publicidade à destinação dos recursos.
Um ex-ministro que conhece tudo de
Orçamento e de Congresso diz que Rosa Weber não precisa nem suspender a
execução orçamentária das emendas de relator. Basta mandar dar transparência
que a base explode. Isso porque ficariam evidenciados os pesos e medidas com os
quais os aliados foram tratados, especialmente o G-12, a dúzia de deputados que
gravita em torno do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Como essa bomba-relógio está aí há muito
tempo, já deu para os parlamentares afinarem uma saída se Rosa Weber soltar sua
decisão nos próximos dias. Passa pela iniciativa de o governo assumir, como
atribuição sua, e não dos parlamentares, a alocação de recursos da contenciosa
rubrica.
Pode parecer estranho que o Congresso, onde
estão alguns dos pré-candidatos à Presidência da República esteja disposto a
dar uma folga fiscal a Bolsonaro de maneira a que ele chegue com sinais vitais
preservados em outubro de 2022. Ainda mais porque a bomba fiscal dos
precatórios adiados vai passar pela peneira em que se transformou o teto de
gastos e vai cair no colo do eleito em 2023.
O acordo é a admissão de que o governo
acabou e que se agora se locupletam todos. O Congresso já tem tudo na ponta do
lápis. Já não se acredita que o Auxílio Brasil traga um grande benefício
eleitoral para Bolsonaro, especialmente com o descontrole da inflação. E não
faltam planos para o resto do butim. Os parlamentares querem, por exemplo,
aumentar o fundo eleitoral e arrumar dinheiro para a volta da propaganda
partidária, aquela da qual haviam abdicado quando vitaminaram o financiamento
público de campanhas.
Ainda pretendem abrigar demandas do
funcionalismo, como a da Receita Federal que pretende dobrar o bônus salarial
de seus analistas para se aproximar daquele recebido na Advocacia-Geral da
União. A prioridade, porém, é fazer com que o Orçamento a ser aprovado garanta
a sobrevida eleitoral dos parlamentares, seja empenhado ao máximo até março e
liberado no prazo limite de um ano eleitoral, que é 30 de junho. Esta é data a
partir da qual não vai sair mais café quente dos bules da Esplanada.
Para esta equação fechar é preciso que o
presidente da República tenha, de fato, desistido da via eleitoral para se
manter no poder ou que esteja a negociar um término de mandato sem
recandidatura em troca de sua liberdade e de seus filhos. Só isso pode explicar
o aval do Executivo ao estouro da boiada orçamentária, a ser embutida nos
preços da economia para marcar a trepidante travessia ao próximo governo.
Embargos auriculares
A desfaçatez com a qual se conduzem os
negócios da era bolsonarista pode ser medida pelo desembaraço de um dos
advogados que melhor circula na cúpula do Executivo e do Legislativo. Seu
escritório, no Lago Sul, em Brasília, tem um restaurante para o qual foi
contratado o maître de um restaurante famoso na capital federal. Não há menu ou
carta de vinhos. O comensal diz o que quer comer e beber e assim é feita sua
vontade. Arrolado em operação do Ministério Público Federal, acabou inocentado
em decisão apertada de segunda instância. Diversificado em seus investimentos,
é ecumênico em seus contatos. Talvez não o suficiente para manter blindada a
pujante lavanderia que administra quando os novos ventos do poder soprarem.
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