O Globo
O Brasil está travado institucionalmente
por doses cavalares de improviso e casuísmo que foram sendo tolerados nos
últimos três anos e culminaram num cenário em que não há previsibilidade alguma
nos campos jurídico, político, fiscal e econômico.
O responsável pelo império da incerteza é
Jair Bolsonaro, claro, mas os demais Poderes, o Ministério Público, o mercado e
o Tribunal de Contas da União (TCU) são alguns dos cúmplices.
Bolsonaro não tinha maioria. Achava que
obteria apoio parlamentar colocando sua turba das redes sociais para acossar o
Congresso. Obviamente, não funcionou.
Mudou de método e decidiu comprar uma base
parlamentar à custa de orçamento secreto. Vinha funcionando, até o Supremo
Tribunal Federal (STF) mandar acabar com a brincadeira.
Agora, diante do impasse institucional, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, resolvem se unir para salvaguardar o caráter sorrateiro das emendas do relator e preservar seus comandados da luz do dia. Resultado: anunciam que descumprirão decisão judicial! E marcam sessão do Congresso numa sexta-feira para tornar a desobediência oficial!
Quais os caminhos possíveis a partir daí?
Pacheco pode usar sua voz aveludada para tentar convencer Rosa Weber de que não
está afrontando a decisão tomada pelo plenário da mais alta Corte do país. Mas
ela não acreditará. Quanto mais se pode esticar uma corda dessas sem profundas
consequências para o ordenamento democrático?
Da mesma forma, com o fim desastroso do
Bolsa Família, criou-se um vácuo jurídico e fiscal em que o Auxílio Brasil
existe de forma anômala: no papel, mas sem uma receita permanente que o
assegure.
A partir daí, vale tentar uma sucessão de
cavalos de pau legislativos, fiscais e até na lógica mais primária. Mas é o tal
“se colar, colou”. Como o TCU e o STF já deram mostras de que podem aceitar
gambiarras, o Congresso e o Executivo vão exagerando na dose das que propõem.
Além da revogação do teto de gastos e do
calote nos precatórios, a atual versão da PEC acaba por rasgar também a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
A dificuldade em passar esse trambolho pelo
Senado, apesar de tantos absurdos, acaba sendo mais resultado de questões
políticas que de uma genuína preocupação dos senadores com o futuro das contas
públicas, o ambiente de investimentos no Brasil transformado em Casa da Mãe
Joana ou o que ficará de papagaio para o próximo governo.
O que está pegando, no fundo, são as
artimanhas de Davi Alcolumbre para deixar de aprovar André Mendonça para o STF,
a disputa interna por uma vaga no TCU, a pretensão eleitoral de Pacheco e
outras tantas questões típicas de Câmara de Vereadores, e não do Senado
Federal.
De forma silenciosa, e nem sempre linear,
acaba acontecendo a bolsonarização de todas as instituições. Com um presidente
que avacalha todos os ritos, que gasta os dias em papo furado com apoiadores,
solenidades da importância da chegada do Papai Noel e viagens desprovidas de
estratégia comercial ou diplomática, tudo vai sendo rebaixado.
As relações entre os Poderes hoje se
assemelham a novelas de baixo orçamento de emissoras com traço de audiência.
Quando seria tolerável que, depois de anunciar que não cumprirá uma decisão
judicial, o presidente do Senado pedisse uma audiência com uma ministra do
Supremo para tentar levá-la no papo?
O Brasil está, com tanto improviso
coordenado, contratando um ano eleitoral em que não se tem a mínima ideia de
qual será a cara do Orçamento. Como e onde se vai gastar?
O que será feito de concreto, e não mero
chute grotesco, para conter a inflação galopante, para tentar gerar empregos e
para fazer com que o país volte a ser, se não atraente, ao menos minimamente
confiável aos olhos de governos parceiros e investidores privados?
A julgar pelos passos claudicantes das
nossas instituições, absolutamente nada. Vamos assim, na base de patéticas
tentativas e sucessivos erros.
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