Para cientista político José Álvaro Moisés, da USP, quem vencer prévia tucana vai ter que disputar com dois nomes, Moro e Ciro, que “já estão mais bem estabelecidos”
Por Cristian Klein – Valor Econômico
Rio - A crise gerada pelas prévias do PSDB
expõe um partido dividido que terá um trabalho redobrado para retomar o
protagonismo da disputa presidencial, afirma o cientista político José Álvaro
Moisés, da Universidade de São Paulo (USP). O que já era difícil, para um
partido que obteve 4,7% dos votos ao Planalto em 2018 e tem pré-candidatos com
baixa pontuação nas pesquisas para 2022, se tornou “um panorama extremamente
complexo”, diz Moisés, ex-secretário no Ministério da Cultura nos dois mandatos
do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Tanto o governador de São Paulo, João Doria, quanto o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputam as prévias do PSDB com o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, poderiam se beneficiar do grande holofote que a disputa interna ganhou para se cacifarem nacionalmente. Mas o fiasco tecnológico e as brigas de caciques que vieram à tona geram descrédito sobre a capacidade de os tucanos liderarem a terceira via. “O PSDB jogou fora essa oportunidade, pelo menos até agora. Poderia ter dado visibilidade ao grande legado do partido durante as prévias”, diz o cientista político.
Para Moisés, os pré-candidatos do PSDB
figuram numa espécie de terceiro pelotão da corrida presidencial, já bastante
polarizada com a dianteira do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que
reúne cerca de 40% das intenções de voto, e do atual, Jair Bolsonaro, que
amealha por volta de 25% das preferências. Sobram 35% para a fragmentada
terceira via, calcula.
No segundo pelotão, já não está fácil o
ex-ministro Ciro Gomes (PDT) crescer pela centro-esquerda, pois “Lula está
muito estabilizado”, afirma. Por outro lado, também não está fácil para o
ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) atrair parte do eleitorado bolsonarista. “Outra
figura da terceira via vai encontrar situação muito difícil, precisando
disputar com Moro o voto de Bolsonaro e com Ciro o eleitorado de Lula. Difícil
prever que quem quer que vença as prévias vá superar esses obstáculos”, diz
Moisés.
Seja Doria ou Leite, os favoritos na
disputa tucana, o grande desafio, em primeiro lugar, será o de unificar o
partido, rachado pelo próprio acirramento das prévias e pelas correntes
bolsonarista e oposicionista. A construção de uma candidatura ao Planalto
minimamente competitiva passa pelo que Arthur Virgílio chamou de processo de
“desbolsonarização do PSDB”, aponta Moisés.
“Ainda assim, quem vencer vai ter que
disputar com dois nomes [Moro e Ciro] que já estão mais bem estabelecidos, com
10%, 11% das intenções de voto”, afirma o coordenador do Grupo de Pesquisa sobre
a Qualidade da Democracia, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada há duas
semanas mostra dois cenários em que Lula oscila entre 47% e 48%, contra 21% de
Bolsonaro. Moro registra 8%, Ciro varia entre 6% e 7%, enquanto Doria surge num
cenário com 2% e Leite no outro com apenas 1%.
Para Moisés, a candidatura Doria seria mais
competitiva, pela maior estrutura partidária do PSDB em São Paulo. “Agora,
quem, de alguma maneira, acenou com possibilidades mais amplas de negociação,
durante alguns debates das prévias, foi o Eduardo Leite. Então é difícil
discriminar inteiramente quem dos dois vai desempenhar melhor o papel de
unificação do partido e ao mesmo tempo de negociar com outras forças para se
chegar a um nome de consenso”, afirma.
Professor aposentado da USP, Moisés diz que
será muito difícil se chegar a esse nome de consenso da terceira via entre
Moro, Ciro e o PSDB. “Chegar a um consenso entre esses três significaria
transpor barreiras muito complicadas, políticas, ideológicas e mesmo regionais,
que não estão tão visíveis” diz. “Mas é muito difícil. Até agora não se
vislumbrou essa possibilidade. E no caso do PSDB, que de alguma maneira, estava
querendo, digamos, montar o cavalo nesta direção, mancou e perdeu uma perna. E
agora está tentando se reconstituir. Não vai ser fácil, mas está tentando”,
conclui.
Para Moisés, a recuperação do eleitorado
perdido pelos tucanos depende de o PSDB “trazer uma versão inteiramente nova e
um compromisso com a social-democracia, não a keynesiana clássica”. “Mas é
preciso redefinir o pacto do partido, numa combinação do enfrentamento das
desigualdades sociais com a defesa da economia de mercado”, diz, lembrando que
essa tese também tem sido pregada por Arthur Virgílio.
O ex-prefeito de Manaus, ao lado de Doria,
tem sido um crítico duro da atuação do deputado federal e ex-senador mineiro
Aécio Neves, apoiador de Leite. Aécio é apontado como líder da ala bolsonarista
do partido, que resiste a adotar um tom oposicionista de olho em emendas e
cargos oferecidos pelo governo federal. A expectativa é que uma vitória de
Doria nas prévias possa provocar a desfiliação de tucanos simpatizantes de
Bolsonaro. Por outro lado, se Leite vencer, o PSDB estaria mais propenso a
abrir mão de candidatura própria, o que nunca aconteceu desde a
redemocratização, nas últimas oito eleições presidenciais.
Indagado sobre o destino em disputa do
partido, se mantém a vocação ao Executivo federal ou se converte-se numa típica
legenda fisiológica, Moisés afirma que “as duas hipóteses estão colocadas”. Um
dos problemas, ressalta, é que deputados do PSDB têm demonstrado a preocupação
com o volume de recursos do fundo eleitoral que uma campanha à Presidência irá
drenar, em vez de abastecer as campanhas dos parlamentares.
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