O Globo
Acabar com as doações de empresas mantendo
aberto o canal do ‘lobby’ não resolve o problema original da influência
econômica
A Operação Lava-Jato trouxe à tona, entre
2014 e 2015, algo de que todo mundo desconfiava: o papel da corrupção no
financiamento de campanhas políticas no Brasil. O ex-diretor da Petrobras Paulo
Roberto Costa, em depoimento à Procuradoria-Geral da República, confirmou a
existência de um esquema onde empresários “ajudavam” políticos a ganhar
eleições e, como contrapartida, políticos “ajudavam” os empresários repassando
obras. Para que isso funcionasse, as licitações eram superfaturadas.
As maiores empreiteiras do país formaram um
cartel e desenvolveram um complexo sistema de transferência de recursos
desviados de grandes obras públicas como bem detalhado no livro “A Organização”
da jornalista Malu Gaspar (colunista do GLOBO).
O resultado prático dessa grande operação,
além de diversas prisões de empresários e políticos, e sua contribuição para a
eleição de Jair Bolsonaro, foi a proibição da doação de empresas a campanhas
políticas. Muitos analistas, cientistas políticos e juristas acreditavam que,
com essa decisão, iríamos acabar com a corrupção no Brasil.
O argumento que eu escutava na época era
que os políticos eleitos não trocariam mais favores com empresas do setor
privado, já que essas empresas não poderiam “pagar” esses favores com
contribuições de companha.
Mas essa visão estava totalmente equivocada. Os políticos conseguiram um grande fundo de financiamento público para suas campanhas e, com isso, a liberdade que precisavam para não depender de doações privadas.
No entanto, em vez de liberar políticos
para tomarem decisões independentes e melhorar a governança, o que observamos
no Brasil foi o contrário. Ao tornar opaca a relação dos políticos com seus
doadores, o lobby passou
a atuar de forma ainda mais efetiva em Brasília.
Se era ruim ter grandes empresas e bancos
financiando políticos, pior ainda é a influência que acontece sem nenhum tipo
de transparência, via lobistas. Empresas privadas influenciando projetos de
lei, contratos do governo e o monitoramento e regulação de diversas atividades
econômicas se tornaram rotina nas páginas dos principais jornais.
E, sem dados de contribuições de campanha e
de registros oficiais de lobistas e suas atividades, fica muito difícil saber
que empresas influenciam quais políticos.
É claro que a influência privada de empresas
nas políticas públicas não é um problema único do Brasil. Como os outros países
lidam com isso?
Nos Estados Unidos, o lobby é legalizado, e o
Lobbying Disclosure Act, de 1995, e uma nova lei, de 2007, permitem saber quem
são os lobistas e onde eles trabalham. Além disso, a informação sobre os
clientes de firmas de lobby é
pública e permite também mensurar as portas giratórias entre o setor público e
privado.
No Canadá, o registro de lobby foi passado em 1989, com
uma nova lei de 2008 que prevê punições drásticas para atividades ilegais. As
informações permitem relacionar lobistas com servidores públicos contatados por
eles.
Na Comunidade Europeia há mais variação
entre as leis existentes. Em países como a Áustria e a França, a atividade
de lobby é
regulada, mas o registro de lobistas é voluntário e menos sistemático do que a
informação que existe nos EUA.
Está na hora de o Brasil discutir de forma
séria a possível legalização da atividade de lobby. A influência de fabricantes de armas, produtores
de agrotóxicos, grande empresas de tecnologia, donos de universidades privadas,
entre outras, é desproporcional.
Mas, em vez de acontecer de forma
transparente, com contribuições de campanha, ela se dá nas sombras de Brasília.
Acabar com as doações de empresas para
políticos mantendo aberto o canal de influência obscura do lobby não resolve o problema
original de influência econômica e só beneficia os políticos que estão no
Congresso representando interesses privados.
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