O Globo
Não há brasileiro que, ao viajar para a
Europa, não se encante com os efeitos de uma sociedade mais igualitária.
Pessoas que só se locomovem de carro no Rio de Janeiro encantam-se com o metrô
de Paris e os bondes de Lisboa. Aqueles que no Brasil só fazem consultas
médicas privadas surpreendem-se com a eficácia e a frugalidade de um sistema de
saúde como o inglês ou o espanhol, em que o advogado e o atendente do
supermercado se encontram na fila do posto de saúde.
A redução da desigualdade não melhora apenas a vida dos mais pobres, melhora também a vida dos mais ricos. Com mais igualdade, não há apenas distribuição da riqueza social, mas uma reorganização dos horizontes e das expectativas, fazendo com que se encontre mais satisfação em férias bem tiradas do que na aquisição do último iPhone. A redução da desigualdade também reforça os vínculos de comunidade, levando trabalhadores e profissionais a se verem como concidadãos ao compartilhar o transporte público, os hospitais e as escolas.
Por isso há pouca dúvida de que a vida com
€ 2 mil na Europa é superior a uma vida com R$ 13 mil ou mesmo R$ 20 mil no
Brasil. Na verdade, não precisamos nos comparar à Europa, que tem PIB per
capita maior que o nosso. Quem já visitou o Uruguai, país com um nível de
riqueza parecido com o brasileiro, mas com distribuição de renda muito mais
justa, sabe que a vida em Montevidéu é melhor que em São Paulo.
Corrigir a desigualdade é difícil, mas não
tem segredo: é preciso um sistema tributário progressivo (em que os ricos
paguem, proporcionalmente, mais impostos que os pobres), e são necessárias boas
políticas sociais. Em outras palavras, é preciso que o sistema tributário
retire dos mais ricos, e o sistema de proteção social redistribua bem para os
mais pobres.
O Brasil é um dos campeões mundiais da
desigualdade. Quando olhamos para o Gini, medida usada para avaliar a
distribuição da renda, o Brasil apresentava em 2019, antes da pandemia e do
Auxílio Emergencial, um índice de 0,544, o que o colocava entre os dez países
mais desiguais do mundo. A desigualdade brasileira é tão acentuada que a soma
dos rendimentos do 1% mais rico é aproximadamente o triplo da soma dos
rendimentos dos 50% mais pobres.
Para corrigir tamanha desigualdade,
precisamos mudar não apenas o modo como gastamos os recursos públicos, mas
sobretudo o modo como arrecadamos. Os liberais que dominam o debate econômico
enfatizam que gastamos mal os recursos públicos, bancando privilégios da elite
do funcionalismo, o que acentua a desigualdade —e eles têm razão. Mas, além disso,
do lado da receita, nosso sistema tributário é uma aberração, em que os pobres
pagam mais impostos que os ricos. Como nosso sistema taxa muito o consumo e
pouco a propriedade e a renda, e os pobres gastam uma proporção maior da renda
comprando bens, o sistema onera mais os pobres —é regressivo.
Embora a desigualdade seja um de nossos
problemas mais urgentes, ela não está no topo da agenda política, nem mesmo na
esquerda. Nos 13 anos em que governou o país, o PT não se empenhou em reformar
o sistema tributário para torná-lo progressivo.
Com a prosperidade econômica trazida pela
explosão das commodities nos anos 2000, os governos petistas ampliaram o gasto
social, consolidando o Bolsa Família e conferindo aumentos ao salário mínimo.
Essas e outras medidas contribuíram para uma pequena redução da desigualdade,
mas não com a intensidade necessária.
Enfrentar a desigualdade brasileira requer
medidas vigorosas. Por um lado, precisamos diminuir os impostos sobre o consumo
que oneram os mais pobres. Por outro, precisamos criar mais impostos para os
ricos, com a taxação de lucros e dividendos, com mais faixas no Imposto de
Renda e com impostos mais amplos sobre a propriedade e a herança.
Isso não é fácil. Os mais ricos têm mais
poder e não querem pagar mais imposto. Mexer na distribuição entre imposto de
consumo e imposto sobre a renda implica mexer no pacto federativo, já que
estados arrecadam mais impostos de consumo, e a União arrecada o imposto sobre
a renda.
Justamente pela dificuldade política de
enfrentá-la, a desigualdade precisa estar no centro do debate nas próximas
eleições. Se não provocarmos os políticos, eles mais uma vez não darão
prioridade ao problema. Cabe a nós, eleitores, pressionar os candidatos e
ajudar a construir um Brasil mais parecido com a Europa ou o Uruguai.
Nenhum comentário:
Postar um comentário