quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Cristiano Romero*: Lula: 1.0, 2.0 ou 3.0 (Dilma Rousseff)?

Valor Econômico

Alckmin como vice é a nova ‘Carta’ de Lula aos “brasileiros”

Líder nas pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial deste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda emite sinais ambíguos sobre seu programa econômico. Fundador do PT, principal e incontestável líder da legenda há 40 anos, Lula, não se apega hoje ao ideário anacrônico de parte da esquerda que o acompanha nem ao reformista com que exerceu o início de seu primeiro mandato como presidente (2003-2006).

A palavra que melhor define Lula é pragmatismo. Antes de o petista exercer o primeiro mandato, dúvidas sobre como ele governaria pululavam. Isso levou a maioria dos participantes do mercado a acreditar que, eleito, o ex-operário adotaria ideias de economistas da ala mais à esquerda do PT. Registro necessário: mercado somos todos nós, correntistas de bancos e compradores diretos e indiretos de títulos emitidos pelo Tesouro.

Até 2002, predominaram no PT propostas como fazer “auditoria” na dívida pública, suspender o pagamento da dívida externa, aumentar a presença do Estado na economia, controlar preços dos combustíveis _ entre outros preços públicos _, fortalecer o papel de empresas estatais, reestatizar companhias alienadas por governos anteriores, recriar órgãos públicos etc.

No início deste século, ideários como esse já haviam sido abandonados pela maioria das economias, inclusive, as do Leste Europeu pós-queda do Muro de Berlim. No Brasil, desde o primeiro governo civil da Nova República - de José Sarney (1985-1990) -, o que se procurou fazer foi justamente desmontar o modelo econômico propugnado por economistas do PT.

Não deixa de ser irônico o fato de o Partido dos Trabalhadores, fundado em 10 de fevereiro de 1980, nos estertores do regime militar, defender arcabouço econômico instaurado e consagrado durante a segunda metade - nos governos dos generais Ernesto Geisel (1975-1979) e João Figueiredo (1979-1985), em pleno regime de exceção, sob o qual o país viveu de março de 1964 a março de 1985.

Diante da perspectiva de Lula chegar ao poder em 2002, depois de disputar o cargo nas três eleições anteriores, quando sempre chegou em segundo lugar, as condições financeiras, isto é, os mercados de ações, câmbio e juros do país, pioraram numa escalada que foi se acentuando à medida em que se aproximava o dia da eleição presidencial. O dólar, que no início daquele ano estava cotado a R$ 1,80, foi a R$ 4,00 devido à revoada de capitais, tanto de investidores estrangeiros quanto brasileiros, ao mercado externo.

Duas consequências logo assolaram a economia brasileira _ a inflação começou a subir de forma acelerada por causa da forte desvalorização do real frente ao dólar, processo que encarece os preços de produtos importados, o que por sua vez diminui as importações e estimula reajustes de bens e mercadorias no mercado interno; e a solvência das contas externas começou a ser questionada, uma vez que o valor da dívida em reais disparou em consequência da alta do dólar. Na ocasião, o Brasil não dispunha de reservas internacionais em volume suficiente para evitar movimentos disfuncionais do dólar e, também, ataques especulativos que se fizessem contra o real.

A cada aumento da taxa básicas de juros (Selic), a dívida pública, a maior parte denominada em reais e indexada à Selic, subia de forma insustentável porque ensejava dúvidas sobre a capacidade do Tesouro de honrá-la. O nervosismo era tanto que, premido por esse fato, o Banco Central (BC) entrou em regime de “dominância fiscal” - mesmo com a aceleração da inflação, o Copom passou a moderar as altas de juros para evitar a explosão da dívida e por conseguinte o calote no seu pagamento.

Em junho de 2002, Lula assumiu compromissos totalmente contrários ao que defende historicamente o PT. A “Carta aos Brasileiros” não foi endereçada aos mercados, mas aos petistas, porque nenhum político governa sem o apoio de seu próprio partido. Ao chegar ao poder em 2003, adotou a política econômica de seu antecessor, colocou a casa em ordem, ganhou credibilidade, permitindo que a economia tirasse vantagem do forte boom da economia mundial. Nunca o Brasil tinha crescido tanto e com a inflação razoavelmente sob controle quanto nos oito anos de Lula. Já a sucessora, Dilma Rousseff, escolhida por ele e eleita graças à sua popularidade, governou de acordo com o receituário do PT. Os fatos - os resultados todos conhecemos:

Em agosto de 2011, em meio ao aumento da inflação e à piora das expectativas do mercado, o BC baixa a Selic na marra, levando-a mais adiante a 7,25% ao ano (o juro real caiu para 2%);

No fim daquele ano, o Ministério da Fazenda eleva as alíquotas de IOF para forçar desvalorização do real;

Para assegurar que os preços administrados não pressionassem a inflação, obrigando o BC a interromper a queda dos juros, o governo congela os combustíveis (gasolina e álcool) e adota medidas para forçar a queda das tarifas de energia elétrica;

A resposta dos empresários às mudanças é a retração da Formação Bruta de Capital Fixo (FCBF), que reflete os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil. Nos quatro trimestres de 2012, a FBCF desaba;

Com a queda do investimento, a economia, que já havia desacelerado em 2011, acentua queda em 2012. À medida que fica claro que o setor empresarial não reage positivamente aos supostos benefícios da Nova Matriz Econômica, o Ministério da Fazenda começa a oferecer estímulos fiscais e creditícios a empresas e consumidores;

Em dezembro de 2012, o Tesouro tem dificuldades para cumprir a meta fiscal fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, por isso, forja série de operações entre entes estatais - a contabilidade criativa - para chegar ao resultado. A medida começa a minar a confiança do mercado na saúde das contas públicas;

No primeiro semestre de 2013, o BC constata que a inflação ameaça romper o limite de tolerância do regime e começa a aumentar a Selic. Dois anos depois a taxa já era maior que o patamar anterior ao do início do processo de redução forçada;

Em maio de 2013, o Federal Reserve sinaliza o início do fim dos estímulos monetários nos Estados Unidos, provocando desvalorizações de moedas em todo o mundo. Em agosto, o BC brasileiro adota programa de swaps para amortecer esse movimento no Brasil.

*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação 

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