Folha de S. Paulo
Pleito deverá opor defensores da civilidade
mínima às falanges da ignorância
Preocupado desde a primeira hora apenas com
sua permanência
no Planalto, Bolsonaro terminou por estimular a antecipação do processo
eleitoral. Embora não tendo chegado à massa dos votantes, o assunto consome bom
espaço na imprensa e nos partidos, despertando o interesse da delgada camada da
opinião pública que acompanha o vaivém da política.
A menos de dez meses da ida às urnas, tudo
pode acontecer, a começar da confirmação do cenário traçado pelas pesquisas: a
disputa cristalizada entre a extrema direita bolsonarista e a esquerda moderada
—hoje francamente favorita— personificada por Lula. Entre ambas, no território
das forças de direita e de centro que rejeitam o ex-capitão, movimentam-se
protocandidatos, embora nenhum deles já capaz de desfilar como líder da chamada
terceira via.
O desastre econômico, social e moral
produzido pela direita autoritária e a elevada rejeição popular a Bolsonaro
—sua mais acabada encarnação— parecem estar levando alguns a prever que a volta
das esquerdas é certa como o dia depois da noite e que elas podem não só ganhar
sozinhas mas também governar sem alianças ao centro e além.
Desde a redemocratização, sob a liderança
do PT, representaram uma força eleitoral a ser levada a sério, embora de
desigual potência: vertebradora da competição pelo centro do poder,
relativamente importante nas disputas estaduais e menos expressiva na formação
das duas casas do Congresso.
De toda maneira, candidatos petistas jamais levaram a melhor no primeiro turno; vencedora, sua chapa nunca dispensou um vice que indicasse o intento de se entender com centro e mesmo a direita. Os governos do PT sempre se lastrearam, no Legislativo, em coalizões amplíssimas —bem mais heterogêneas daquelas que sustentaram Fernando Henrique durante oito anos.
Sistematicamente atravessaram o espectro
político para incluir partidos de perfil conservador e centrões pragmáticos. As
esquerdas jamais ganharam eleições por si sós, que dirá governar sozinhas.
Desde a sua fundação, o PT jogou conforme essas regras e apenas dentro delas.
O aceno de Lula
a Geraldo Alckmin reafirma o retrospecto e reitera esse compromisso da
sigla com a continuidade da democracia. A aproximação entre os outrora
adversários indica também reconhecimento recíproco de que os tempos são outros
—e mais duros— e de que a competição pelo voto já não se dá entre forças
igualmente comprometidas com a Constituição Cidadã. O embate de outubro
provavelmente oporá defensores da democracia e da civilidade mínima às falanges
da ignorância, do atraso e da crua brutalidade.
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