O Estado de S. Paulo
Caberia ao governo tomar a iniciativa de assistir econômica e socialmente a população mais vulnerável
Na guerra sem quartel contra as vacinas, o
Executivo Federal já foi derrotado pela opinião pública, apoiada nos governos
estaduais e nas prefeituras. Refugiar-se na retaguarda e manter escaramuças
nessa área foi o que restou ao Planalto, a seus prepostos no Ministério e ao
grupo residual de empresários e profissionais politizados da área de saúde.
Cerca de 70% dos brasileiros concluíram o ciclo completo de imunização contra a
covid-19, e pouco menos de 20% receberam a dose de reforço. Já não há como
privá-los da proteção imunológica a que têm direito.
Não há mais tempo a se perder com controvérsias sobre remédios, manobras para retardar a entrega das vacinas e dos testes, perseguição a técnicos e servidores que seguem a ciência, difusão de acusações forjadas sobre efeitos colaterais inexistentes nas crianças vacinadas, ou propaganda sobre remédios milagrosos. A seu tempo, o peso da lei recairá sobre o conteúdo criminoso, hoje sob investigação no Ministério Público, em decorrência das apurações da CPI do Senado sobre condutas que têm contribuído para prejudicar o combate à covid-19.
Ainda temos enormes efeitos malignos da
pandemia a enfrentar, como fome, desemprego, risco de colapso do atendimento
hospitalar e ambulatorial – e não apenas no atendimento da covid, mas no
sistema de saúde como um todo -, perdas relevantes no processo de aprendizado
das crianças e dos jovens, disfunções graves na estrutura familiar, novos surtos
de violência.
Estamos vivendo num período de pós-guerra,
que exige um esforço imediato de reconstrução, mas propicia uma oportunidade
para enfrentar novos desafios sanitários, sociais, políticos e econômicos.
Caberia ao governo tomar de imediato a iniciativa
de assistir e promover econômica e socialmente a população mais vulnerável, mas
não pode prescindir do envolvimento dos próprios assistidos na avaliação e
execução dessas ações, nem dos recursos técnicos e financeiros da sociedade
civil. O papel do Estado é de liderança, não de ativismo unilateral.
Um programa de socorro imediato às famílias
precisaria ser planejado antes da posse do próximo governo. Hoje, o Executivo
dispõe de instrumentos confiáveis para implementar um programa permanente e
eficiente de transferência universal de renda. Será preciso alargar o escopo do
Bolsa Família para transformá-lo em um benefício infantil universal.
A transferência de renda é indispensável,
mas precisa ser complementada por ações permanentes de maior fôlego, com o
objetivo de recompor o tecido social deteriorado da população. É preciso dar
suporte às famílias, para restabelecer a escolaridade normal de seus filhos.
Isto implica a formação acelerada de novos profissionais de ensino e sua
reciclagem, com base em estudos e experiências em situações críticas similares
em outros países, a serem desde já incorporadas às candidaturas.
Revigorar e reconstruir as escolas das
periferias deve ser outra ação prioritária, contribuindo, com isso, para
liberar espaços hoje dominados pelo crime organizado e por milícias.
Suplementação escolar, assistência psicológica aos alunos, professores e
funcionários e às famílias, aperfeiçoamento de canais de acesso aos serviços
comunitários de saúde, e mesmo de segurança, devem constar desse programa amplo
de combate às sequelas da pandemia.
O fraco desempenho da economia e a crise da
pandemia, deprimiram fortemente o mercado de trabalho, levando dezenas de
milhões de trabalhadores formais e informais à desocupação. Muitas soluções têm
sido tentadas ou sugeridas, como redução de encargos, incentivos para
contratação, simplificação da legislação trabalhista, criação de empregos
públicos emergenciais, etc. Nenhuma produzirá soluções mais sustentáveis e
duradouras, sem um redirecionamento de nosso sistema de ensino.
Os efeitos devastadores da pandemia sobre o
sistema de ensino e as inovações tecnológicas estão redesenhando contornos
ocupacionais e sistemas produtivos com efeitos significativos sobre as
atividades da produção e as relações de trabalho. Até ontem, predominaram no
emprego formal relações de trabalho estáveis, contínuas e previsíveis, hoje
superadas por uma dinâmica muito diversa, com relações efêmeras, instáveis e
mutantes.
Para sobreviver no mercado de trabalho
pós-pandemia, o jovem precisará se dispor ao aprendizado contínuo, à
movimentação permanente entre diferentes ocupações. Para isso, a escola também
terá de aprender a reformular práticas e conteúdos continuamente e – mais
importante – conectarse diretamente com a esfera produtiva.
Este mundo desafiador para o trabalho e
para a escola precisa ser encarado, no próximo governo, como uma oportunidade
desafiadora para empresas, trabalhadores e sistema educacional. Escolas,
sindicatos e empresas podem e devem compartilhar objetivos convergentes, caso
se disponham a cooperar na criação de um sistema educacional voltado para
formar cidadãos – a função principal da escola – e prepará-los para o mercado.
A experiência dessa ação conjunta certamente criaria condições para se refazer
a conexão entre ensino e trabalho.
*SENADOR (PSDB-SP)
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