Revista Veja
Na batalha da ‘fraude’ eleitoral, Bolsonaro vem se transformando num comandante sem tropa
Sinais efetivos e alentadores têm sido
dados ultimamente de que o presidente Jair Bolsonaro é um comandante
sem tropa na batalha que empreende contra o resultado das eleições de outubro.
Qualquer que seja: se for derrotado para dizer que na verdade ganhou e, em caso
de vitória, para alegar que a “fraude” se deu na contagem de votos, pois teria
vencido por margem muito maior.
Conturbação haverá, como de resto está
havendo há três anos com o presidente da República tentando levar o país à
exaustão com sua dinâmica de conflito permanente e a ideia de se mostrar maior
do que realmente é para intimidar a sociedade e, assim, disseminar a sensação
de que a contestação a ele elevaria o risco de uma ruptura institucional.
Nesse aspecto, até obteve sucesso ao
conseguir emplacar a tese do “golpe” iminente e tornar o Brasil (ou a parte
dele engajada no debate político) refém de uma temática regressiva. Voltamos a
discutir sob a óptica do passado para deixar em segundo plano as questões do
presente e suas repercussões no futuro.
A realidade paralela de Bolsonaro, no entanto, tem encontrado limites. Por paradoxal que seja, tais limitações decorrem justamente da falta de noção dele sobre pontos a não ser ultrapassados. O presidente colecionou derrotas pontuais ao longo do mandato sempre que seu mundo de ficção entrou em choque com a realidade.
Caso gritante da vacinação contra a Covid-19.
Quanto mais o presidente resistia às vacinas colocando em dúvida a eficácia
delas, maior era a adesão dos brasileiros à imunização. Ficou falando
praticamente sozinho e foi obrigado a abandonar aquela guerra. Saiu de fininho
do campo na companhia de seus adeptos mais fanáticos, cujo discurso passou a
ser o oposto. Quando perceberam o erro de cálculo, deram voz à tese de
“Bolsonaro pai das vacinas”, mas era tarde. A derrota estava consolidada.
Na batalha da “fraude eleitoral” se desenha
no horizonte algo parecido. Perdido o primeiro round na recusa do Congresso de
ressuscitar o voto impresso, Bolsonaro em princípio aquietou-se uns instantes,
mas voltou com força à contestação da confiabilidade das urnas eletrônicas.
Ocorre que o fez com a habitual ausência de
noção sobre limites, provocando reação forte na mesma, ou até maior, proporção.
Hoje ninguém de peso embarca nessa canoa. Nem mesmo a “bolha” de fiéis se
engaja de cabeça na ideia do empastelamento do processo.
O discurso desse pessoal agora é o de
inverter a culpa, dizendo que a Justiça Eleitoral alimenta a desconfiança no
sistema quando fala em sua defesa. Coisa de quem perdeu os argumentos e rompeu
laços de amizade com o mundo real. Neste, o que se vê é a construção de
barreiras sólidas à ofensiva arruaceira.
As manifestações em prol da normalidade do
pleito são praticamente diárias e ganham a adesão de gente simpática a
Bolsonaro, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, os presidentes
da Câmara e do Senado e até do PL, partido do presidente, que já rifou a ideia
de contratar auditoria particular para conferir o resultado das urnas
eletrônicas.
A trincheira da fraude imaginária vai se
esvaziando. Além de o PL não ter a menor intenção de gastar a dinheirama do
Fundo Eleitoral numa inexequível conferência, as Forças Armadas não tomaram
conhecimento da proposta de se prestarem a fazer apuração paralela. O
presidente segue falando, mas fala a cada dia mais sozinho, desmentido pela
realidade dos constantes testes de segurança das urnas e pelos posicionamentos
contrários ao respaldo pretendido por ele.
Não lhe sobra alternativa a não ser
recorrer a atos meramente retóricos como a inútil ação no Supremo Tribunal
Federal contra o ministro Alexandre de Moraes por abuso de autoridade. Tanto
barulho Bolsonaro fez, e faz, que conseguiu pôr a eleição brasileira sob
estreita e inédita vigilância aos olhos do mundo.
As invertidas não impedirão o presidente da
República de continuar esticando a corda. Mas o andar da carruagem não lhe é
favorável, pois trilha um caminho cujo destino parece colocá-lo do lado mais
fraco da arrebentação.
Fica de lição uma frase do ex-ministro do
STF Carlos Ayres Britto: “A democracia não vence por nocaute. Ganha por
pontos”. E é assim, na pontuação persistente, que a legalidade se impõe como
fronteira intransponível.
Publicado em VEJA de 25 de maio de
2022, edição nº 2790
Nenhum comentário:
Postar um comentário