O Globo
Documentários chegam para iluminar esse Dia
do Meio Ambiente vivido sob o impacto do ataque da Câmara ao meio ambiente e
aos indígenas
O xamã Davi Kopenawa está falando na Terra Indígena Yanomami e se dirige a uma mulher. “Maial, você está aqui com o seu povo. Esse é o seu povo”. Maial é Kayapó e não Yanomami. Davi fala a mesma coisa para Alessandra Korap e ela é Munduruku. Os três povos com enormes distâncias entre os seus territórios estão juntos agora. A impactante história dessa união e da tragédia do garimpo em seus territórios pode ser vista no documentário “Escute: a terra foi rasgada”, que será lançado hoje em São Paulo. “Há muitas pessoas ameaçadas no Vale do Javari”, diz Eliésio Marubo, ao lado do irmão Beto, no lançamento de outro documentário no Rio de Janeiro, “O vale dos isolados. O assassinato de Bruno e Dom”, feito pelos jornalistas Sônia Bridi e Paulo Zero, da Globoplay.
Se o Brasil fosse um filme pareceria
coincidência demais. Em uma semana, a Câmara dos Deputados atacou o Ministério
do Meio Ambiente tirando dele vários instrumentos de ação, esvaziou poderes do
Ministério dos Povos Indígenas e aprovou o PL 490, com a tese do marco
temporal, a maior ameaça recente contra os povos indígenas. Dois impactantes
documentários, lentamente preparados, estão sendo lançados. E amanhã é o Dia do
Meio Ambiente.
O que teremos a comemorar amanhã?
Informação de qualidade e as vozes dos líderes indígenas que estão sendo
trazidas por jornalistas e documentaristas. A chance de ter novamente uma
política ambiental e uma política indígena foi aberta com a eleição do ano
passado. Três povos, terrivelmente ameaçados pelo garimpo ilegal, se uniram em
plena Covid e hoje estão mais fortes na luta contra o crime que ameaça a
floresta, a existência deles e nossa.
Na plateia do cinema que exibiu pela
primeira vez o filme sobre o Vale do Javari estava Beatriz Matos, viúva de
Bruno Pereira. O emocionante documentário traz de volta imagens de Bruno no
Vale. Ele brinca com os Kanamari, ele faz o contato com os Korubo, necessário
para protegê-los, ele viaja pelos rios, se entristece com a situação da Funai.
Os indígenas do Vale e os indigenistas continuaram suas buscas até encontrar
documentos de Bruno e Dom, o celular de Bruno com as últimas fotos, os cadernos
de anotação de Dom. Quadrilhas de pesca ilegal e o narcotráfico ameaçam o vale
e seus povos. O Javari é a região do mundo onde há mais povos isolados. A
terrível história dos assassinatos e dos crimes ambientais é contada no meio
das imagens da extrema beleza da floresta preservada e dos seus abundantes
rios.
Noemia Yanomami, da região do Papiu, é que
diz, durante depoimento, a frase que dá nome ao documentário sobre a aliança dos
três povos e o ataque do garimpo. “Escute: a terra foi rasgada”. As imagens
fortes do filme dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal, realizado com o
apoio do Instituto Socioambiental e do Greenpeace, comprovam o que disse
Noemia. O garimpo vai rasgando a terra em todos os lugares onde se instala.
Mas, de novo, o contraste é com a beleza extrema da Amazônia preservada.
A história em si da aliança é
impressionante. Os Yanomami perto da fronteira com a Venezuela, os Munduruku no
baixo, alto e médio rio Tapajós, no Pará, e os Kayapó em Mato Grosso e Pará têm
a separá-los enormes distâncias geográficas. Além disso, há uma história de
rivalidade, principalmente entre os Munduruku e Kayapó. No documentário, que
pode ser visto no Festival Ecofalante, em São Paulo, um dos líderes avisa: “Não
sei quem começou com o nome de ‘índio’ ou ‘kayapó’, nós temos nome próprio.
Somos Mẽbêngôkre”.
Foi feito também um dossiê, chamado “Terra
rasgada: como avança o garimpo na Amazônia”. Ele foi lançado em março, dentro
da mesma iniciativa sobre a Aliança em Defesa dos Territórios. Nele, informa-se
que o garimpo nas três terras indígenas disparou 495%, entre 2010 e 2020. O
dossiê faz uma radiografia, com riqueza de detalhes, de como o garimpo avança
pelas brechas de uma legislação conivente com o crime. Brechas que só agora, no
atual governo, começam a ser fechadas. Não por acaso, ocorre no Congresso a
reação de quem quer manter tudo como está.
Bruno e Dom foram assassinados há um ano,
no dia do Meio Ambiente. Neste 5 de junho, o Brasil permanece sob riscos, do
garimpo nas terras indígenas, das quadrilhas no Vale do Javari, do PL 490 no
Congresso. “O que está acontecendo agora na Amazônia pode se tornar
catastrófico para todo o Brasil”, alertou Beto Marubo.
Um comentário:
Pois é...
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