domingo, 4 de junho de 2023

Celso Rocha de Barros* - A culpa é de Junho de 2013?

Folha de S. Paulo

Centrão, a velha direita fisiológica, é o grande vencedor desses dez anos de contestação sistêmica

Nesta semana celebraremos dez anos do início das manifestações de Junho de 2013. Desde os protestos, a democracia brasileira passou por uma enorme crise, emendando Lava Jato, impeachment e Bolsonaro. Foi culpa de junho?

É bom deixar claro: o Movimento Passe Livre não obrigou Dilma Rousseff a bagunçar o orçamento para se eleger em 2014. Nenhum black bloc obrigou a direita a fazer o impeachment de 2016. As empreiteiras não pagavam as campanhas dos partidos em Cubocards. Moro Dallagnol não mutretaram o julgamento do Lula a pedido da militante Sininho. Não foi o Mídia Ninja que elegeu Bolsonaro.

Quaisquer que sejam os defeitos dessa turma toda, Dilma poderia ter preservado as contas públicas em seu primeiro mandato. Isso certamente lhe teria custado a derrota em 2014, mas perder é do jogo. A direita poderia ter esperado 2018 para ganhar a Presidência. Havia algum risco de não ganhar, mas, novamente: é do jogo. E, mesmo se tudo isso tivesse dado errado, o outsider de 2018 não precisava ter sido um fascista que amava Ustra e odiava vacina.

Por outro lado, em 2013 explodiu um sentimento contrário à política institucional que certamente influenciou a maneira como lidamos com a Lava Jato e, após a esperança virar desespero, elegemos Bolsonaro.

Por que não fomos capazes de administrar melhor esse sentimento de insatisfação? Talvez fosse mesmo difícil.

Em "Treze – A Política de Rua de Lula a Dilma", recém-lançado pela Companhia das Letras, a socióloga e colunista da Folha Angela Alonso argumenta que faltou um diálogo com a rua de direita ainda em 2013.

Alonso mostra que os protestos de direita cresceram nos dez anos anteriores, e já estavam lá no começo de junho. A direita na rua teria sido "o ponto cego" e "o ponto de fuga" de 2013. O governo Dilma teria sido incapaz de entender esses manifestantes e chamá-los para o diálogo para isolá-los dos extremistas.

A rua de direita teria topado esse diálogo?

O que é notável é que ninguém na esquerda tenha lucrado politicamente com 2013. Os autonomistas e anarquistas, como seria de se esperar, não investiram em construir partidos ou grandes organizações. Os pequenos partidos de esquerda que ajudaram a organizar os protestos de 2013, como o PSOL e o PSTU, não ganharam muitos votos por isso. Conforme a rua de direita crescia, o PT se tornava cada vez mais crítico das Jornadas de Junho.

A Rede Sustentabilidade de Marina Silva talvez tenha sido a força política que mais tentou tirar uma síntese de 2013. Como disse Roberto Andrés em "A Razão dos Centavos" (Companhia das Letras, 2023), Marina já falava para o manifestante médio de 2013 desde 2010. Entretanto, a Rede ainda não conseguiu se consolidar como grande partido. Talvez porque seja mesmo difícil fazer essa síntese.

O que não se discute é que o centrão, a velha direita fisiológica, é o grande vencedor desses dez anos de contestação sistêmica. Manda mais do que antes, e a única concessão que seus membros precisaram fazer a 2013 foi adotar o "sem partido" no batismo de suas legendas: agora se chamam Patriotas, Republicanos, Cebola, Armando, qualquer coisa que não tenha "partido" no nome.

Como parte das festividades pelos dez anos das Jornadas de Junho, o centrão passou maio de 2023 desmontando o ministério de Marina Silva.

*É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

 

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