terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Master exibe viela de Lula entre STF e Congresso. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Caso exibe a ocupação, pelo STF e pelo Congresso, do vazio deixado por Lula na arbitragem dos negócios da República

Cinco meses antes da cópia de um contrato entre o escritório de Viviane Barci de Moraes e o Master aparecer no celular do dono do banco, Daniel Vorcaro, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de uma ação que derrubou dispositivo do Código de Processo Penal vedando a participação de juiz em processo de escritório em que atuem seus parentes. A ausência de debates na turma ou no plenário, além de celeridade, costuma revestir esses julgamentos virtuais de discrição. Revisitar seus votos revela o carimbo dos negócios da República às vésperas de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciar o último ano de seu terceiro mandato.

A questão foi suscitada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em 2018, três anos depois da aprovação do CPC. De avessos ao corporativismo da AMB, que chegou a acionar o STF contra a criação do CNJ, os ministros passaram, majoritariamente, a convergir com suas pautas. Foi a AMB também quem acionou o STF, ao lado do Solidariedade, contra o impeachment no STF.

O artigo do CPC contestado foi proposto por um deputado do PT, hoje ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e defendido, no Senado, pelo atual líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Corria o governo Dilma Rousseff, que seria derrubado no ano seguinte na trajetória de hipertrofia do Congresso.

Relator da ação, o ministro Edson Fachin não acatou a tese da AMB que recorreu ao código de ética da OAB contra a divulgação de clientes de escritórios e se posicionou pela constitucionalidade da norma: “Se [o juiz] tem interesse, não deve participar. Se participar, ofende a garantia fundamental de acesso à justiça”.

Fachin foi seguido por Luis Roberto Barroso, com ressalvas, mas, em abril de 2020, já sob o governo Jair Bolsonaro, Gilmar Mendes pediu vista. Só a devolveu em junho de 2023, dias depois de Lula indicar Cristiano Zanin para o tribunal. Em seu voto, Mendes se insurgiu contra a “presunção de parcialidade” e defendeu que se fortalecesse a responsabilização do juiz e o dever de prestar contas como se ministro do STF se encaixasse em ambos os requisitos.

O único instrumento de responsabilização, o impeachment, seria podado pelo próprio Gilmar Mendes, dois anos depois, numa liminar em ação da AMB/Solidariedade que, em sua versão inicial, tornaria o impedimento de ministro do STF mais difícil que o de presidente da República. O voto de Gilmar seria seguido por quase todos os colegas com parentes cujos escritórios têm farta atuação na Corte - Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Zanin, Luiz Fux, Nunes Marques, André Mendonça.

Naquele momento, a simbiose entre Lula e Supremo estava em ascensão. Não apenas para conter o golpismo bolsonarista mas para dar conta dos superpoderes do Congresso que transformou o presidente naquele que, desde a redemocratização, mais teve vetos derrubados, e num dos chefes de Estado em regime presidencialista com menos ingerência sobre o Orçamento.

A experiência de Lula I e Lula II, com o mensalão e os primórdios da Lava Jato, além da prisão e de todos os desvirtuamentos que se seguiram, fizeram com que o presidente assumisse este mandato sem a mesma disposição para arbitrar os negócios da República. Quem passou a disputar esse vazio foram STF e Congresso, ora em choque ora em aliança.

O mesmo senador Ciro Nogueira (PP-PI) que tentou emplacar jabuti elevando de R$ 250 mil para R$ 1 milhão o limite da garantia do FGC, apelidada de “emenda Master”, seria um dos poucos convidados do jantar com o qual Moraes comemorou, em sua casa de Brasília, sua posse na vice-presidência do STF.

O deputado Arthur Lira (PP-AL) fez da PEC de autonomia operacional do BC, aprovada sob Jair Bolsonaro, o símbolo do compromisso liberal de sua posse na Presidência da Câmara em 2021. Foi um aliado seu, porém, o deputado Claudio Cajado (PP-BA), a quem escolhera para relatar o arcabouço fiscal, que apresentou projeto para subverter esta autonomia quatro anos depois, facultando ao Congresso a destituição de diretor do BC. O PP mirava Renato Gomes, diretor que mais resistiu à operação do Master com o BRB. O projeto não foi em frente mas deixou seu carimbo. Depois de tirar a possibilidade de o presidente intervir no BC, o Congresso queria a prerrogativa para si.

Foi ainda sob Lira que a Câmara escolheu outro de seus aliados, o ex-deputado Johnatas de Jesus, para a vaga da Casa no Tribunal de Contas da União. Dois anos depois, o ministro tornou-se o protagonista de uma inaudita pressão do TCU sobre o processo de liquidação do Master pelo BC. O Congresso não estaria no escopo do contrato da mulher de Moraes reportado por Malu Gaspar, de O Globo, mas o serviço que o PP presta ao Master não poderia ser mais convergente.

A autonomia do BC, contra a qual Lula tanto se insurgiu, acabou por protegê-lo de pressões. Com um ministro (Lewandowski) e um ex (Mantega) como ex-colaboradores de Vorcaro, e a PF ao alcance da mão, Lula desviou-se de bolas divididas como a derrubada da regra de impedimento de juízes, um dos primeiros votos de Zanin.

A expectativa é de que a exposição do STF e do Congresso no Master, além de mais um pedido de impeachment contra Moraes, dirimam o que restou de resistência contra a indicação do ministro da AGU, Jorge Messias, para o STF, outra afronta às prerrogativas presidenciais. O presidente viajou, mas Toffoli mantém o STF, como tem acontecido nos últimos anos, como o único Poder que não baixa a guarda na virada do ano.

Toffoli recuou da acareação entre Vorcaro, Paulo Henrique Costa (BRB) e Ailton Aquino (BC), mas a condução do caso do banco devolve ao ministro o protagonismo que, seis anos atrás, o levou a instaurar, também de ofício, o inquérito das “fake news”. Sob a relatoria de Moraes, este inquérito desdobrou-se naquele que condenou Bolsonaro, não sem antes disseminar o germe do mandonismo no tribunal.

O último encontro público do ano de Lula com ministros do STF foi aquele que discutiu a lei contra feminicídio com Fachin e Carmen Lúcia. Como a pauta, juntamente com o fim da jornada 6x1, é uma das poucas que não encontra resistência nos demais Poderes, Lula se refastela. Com sorte, o que pode desejar é que as disputas internas entre Supremo e Congresso alarguem a viela por onde passará em 2026.

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