O Globo
Fernanda
Torres, vivendo a serenidade de Eunice Paiva no filme “Ainda estou
aqui”, de Walter Salles,
levou o Globo de Ouro.
Guimarães Rosa avisou:
— As pessoas não morrem, ficam encantadas.
O encantamento de Rubens Paiva continua, ao
lado de Eunice, morta em 2018.
Em janeiro de 1971, ela era apenas a mulher
de um inimigo da ditadura desaparecido depois de ter sido levado para o DOI do
I Exército. Como Dilma Alves, era mais uma viúva. Anos depois, Elzita Santa
Cruz seria mais uma mãe procurando o filho. Buscavam os paradeiros de Mário
Alves e de Fernando Santa Cruz.
Para os poderosos da época, esses familiares
eram estorvos. Os comandantes militares sabiam que Rubens Paiva tinha morrido
depois de uma sessão de torturas. Sustentavam, e, oficialmente, continuam
sustentando, que ele havia sido resgatado num episódio implausível.
Rubens Paiva encantou-se. Primeiro com o livro de seu filho Marcelo. “Feliz ano velho”, que teve centenas de milhares de leitores. Depois, com “Ainda estou aqui”, a partir do qual Walter Salles decidiu fazer o filme. Assim, o encantamento abraçou a memória de Eunice. O filme foi visto por mais de 3 milhões de pessoas, e seu roteiro foi premiado em Veneza. Aquela mulher, mãe de cinco filhos, queria o reconhecimento de que o marido morrera.
Com o tempo, a mentira dos comandantes
militares foi desmascarada por diversos oficiais do próprio Exército. Quando o
major José Nogueira Belham, comandante do DOI do Rio, assinou o recibo dos
objetos daquele preso, jamais imaginou seu tamanho.
Fernanda Torres recebeu o Globo de Ouro de
preto, sem adereços. A alegria do país com seu prêmio envolveu num luto tardio
o encantamento de Rubens Paiva. Aquele homem enorme, jovial, magnificamente
personificado por Selton Mello,
havia sido cassado em 1964 pelo vigor com que combatia a corrupção eleitoral
numa CPI. A cultura cinematográfica devolveu-o ao país, expondo um drama que a
ditadura abafava.
Rubens Paiva e todos os desaparecidos
continuam aqui.
Atrás da história da família de cada
desaparecido nos porões da ditadura há um drama parecido com o de Rubens Paiva.
Ele foi assassinado ao cabo de uma operação conduzida pelo Centro de
Informações do Exército, na qual estava o oficial Freddie Perdigão Pereira. (No
dia 31 de março de 1964, Perdigão comandava os tanques que protegiam o Palácio
Laranjeiras, onde estava o presidente João Goulart.)
No combate à Guerrilha do Araguaia
(1972-1974) mataram-se até mesmo os militantes do Partido Comunista do Brasil
que se entregaram, atendendo às convocações do Exército.
Sumiram todos. Estão encantados, como Telma
Regina Corrêa, de 27 anos. Ela havia estudado geografia na Universidade Federal
Fluminense e, em 1971, foi para o Araguaia. Com Telma, seguiram o marido e uma
cunhada.
No segundo semestre de 1974, a guerrilha
estava destroçada, o marido e a cunhada haviam sido mortos. Um lavrador viu-a,
depauperada, debaixo de uma árvore, e chamou os militares. Telma tinha um
diário, onde escreveu: “Estou nas últimas” e “Não aguento mais”.
Foi carregada para a base de Xambioá, onde a
alimentaram, ouviram e mataram. Essa história está no livro “Borboletas e
lobisomens”, de Hugo Studart.
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