Repúdio ao 8 de Janeiro é fator de união dos
brasileiros
O Globo
Tentativas de partidos de esquerda de se
apropriar da defesa da democracia é jogo falso e perigoso
Quando a invasão das sedes dos Três Poderes
em Brasília completa dois anos, é um alento para a democracia brasileira a
constatação de pesquisa Quaest de que a maioria esmagadora da população
brasileira (86%) repudia os ataques do 8 de Janeiro. A reprovação é
avassaladora. Acontece em todas as faixas de renda, escolaridade, idade e em
todas as regiões do país. Embora esse percentual tenha recuado 8 pontos em
relação à pesquisa realizada em fevereiro de 2023, quando era de 94%, o
resultado mostra que, na questão central da democracia — se ela deve ser
preservada ou atacada —, o Brasil permanece unido, um resultado notável em
tempos de alta polarização.
Eventos diversos deverão celebrar a vitória da democracia sobre as aventuras golpistas. Mas é preciso cautela. Tentativas do PT e de outros partidos de esquerda de se apropriarem dos atos de repúdio são contraproducentes. A pesquisa mostra que o percentual de eleitores de Jair Bolsonaro em 2022 que desaprovam as invasões (85%) é quase o mesmo entre os de Luiz Inácio Lula da Silva (88%). Apenas a franja radical e inconsequente do bolsonarismo foi a Brasília ou apoiou o vandalismo na Praça dos Três Poderes. É falsa e caluniosa a ideia de que todos os apoiadores de Bolsonaro nas eleições presidenciais são golpistas. A cada 8 de Janeiro, os defensores da democracia nos campos conservador e progressista devem exaltar a comunhão de ideias. Esse é o maior seguro contra tentativas futuras de golpe de Estado.
Os acontecimentos há dois anos constituíram
uma das páginas mais sombrias da História do Brasil. Hoje, após o avanço das
investigações da Polícia Federal (PF), indícios e provas mostram que não havia
nenhuma espontaneidade ou ingenuidade nos atos, como alegaram inicialmente os
participantes. Foram meticulosamente planejados para gerar instabilidade
política e criar condições para uma virada de mesa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já condenou
371 acusados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro (225 considerados executores,
e 146 incitadores). As cenas deploráveis da invasão — muitas documentadas ao
vivo — mereciam uma resposta célere da Justiça. Mas há que ter cuidado para
evitar excessos insuflados pelo clamor público. Os acusados devem ter amplo
direito de defesa, e as penas precisam ser proporcionais à gravidade dos
crimes. Há casos em que parecem muito rigorosas. Além disso, cidadãos que não
tiveram envolvimento com o vandalismo não deveriam permanecer na prisão, caso
de um morador de rua solto na semana passada. Não havia prova contra ele.
Quem organizou a manifestação violenta,
financiou, invadiu e depredou instituições que são pilares da República precisa
responder na Justiça por seus atos. Para os que cometeram crimes, não há que
falar em anistia. É verdade que os projetos com esse objetivo que tramitam no
Congresso perderam força após as revelações estarrecedoras feitas pela PF de
que em 2022 golpistas nas mais altas esferas do poder tinham planos para
assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF
Alexandre de Moraes, entre outras barbaridades. Em defesa da Constituição, as
instituições precisam ficar sempre vigilantes. A sociedade não pode permitir
que crimes desse tipo fiquem impunes. Seria uma forma de dar aval a que se
repetissem.
Governo federal deve acelerar finalização de
obras paralisadas
O Globo
Somente na área da Saúde, Brasil tem 2.762
construções inacabadas por falta de repasses e gestão
Foi oportuna a lei sancionada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 instituindo o Pacto Nacional pela Retomada de
Obras Inacabadas, uma maneira de concluir os milhares de construções erguidas
país afora com recursos federais e interrompidas por motivos diversos. Mas
seria oportuno também se o governo se empenhasse em cumpri-la de forma mais
célere. Como mostrou reportagem do GLOBO, o Brasil ainda tem 2.762 obras
paralisadas ou inacabadas apenas na área da Saúde (na época da assinatura do
pacto eram 5.573).
Em muitos casos, são obras de Unidades
Básicas de Saúde (UBSs), onde são realizados serviços de prevenção,
diagnósticos e tratamentos, atuando como portas de entrada do SUS. Na lista
estão ainda instalações para a saúde mental, centros de reabilitação, Unidades
de Pronto Atendimento (UPAs) e ações do programa Rede Cegonha. Sabe-se que
mesmo nas cidades que contam com boas condições de atendimento, as estruturas
públicas disponíveis não são suficientes para suprir a demanda crescente, o que
não raramente se traduz em longas esperas.
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Pará e Maranhão reúnem o maior número dessas obras inacabadas.
Entre elas, está uma academia de saúde em Amapá do Maranhão (MA), onde apenas
30% dos serviços foram executados. Do total previsto de R$ 100 mil, foram
repassados somente R$ 20 mil em 2012. Em São Paulo, uma obra que aparece como
“cancelada” é a construção de uma UBS em Mairiporã. Houve apenas um repasse de
R$ 102,4 mil do total de R$ 512 mil, mas o empreendimento não foi feito. O
presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, diz que o
principal entrave é a interrupção das verbas. “O governo cria programas e não
libera o dinheiro”.
Enquanto parte dessas obras se deteriora com
o tempo, a prometida retomada acontece lentamente. Em setembro do ano passado,
o Ministério da
Saúde anunciou a reativação e repactuação de mil obras que
estavam paralisadas. Isso inclui tanto a retomada quanto a regularização de
empreendimentos já concluídos que ainda não constam no sistema do governo (sem
a regularização, estados e municípios teriam de devolver os recursos federais).
Chama a atenção que ao menos 670 obras
aparecem como canceladas, uma vez que não houve manifestação de prefeituras ou
estados sobre a intenção de retomá-las. A situação traduz a forma atabalhoada
como esses projetos são decididos. Se um prefeito ou governador não tem
interesse em executar uma obra com recursos federais numa área prioritária como
a Saúde, é porque provavelmente ela não é tão necessária. E, se não é
necessária, não deveria ter sido cogitada.
O governo federal deveria acelerar a retomada
das obras prioritárias antes de fincar novas placas. Empreendimentos iniciados
já consumiram dinheiro do contribuinte. Do jeito que estão, não servem para
nada. Quanto mais tempo ficarem parados, maior será o prejuízo, pois pode ser
necessário recuperar o que foi degradado.
Reprovação a atos de 8/1 mostra solidez da
democracia
Valor Econômico
Repúdio à trama golpista constitui um
raríssimo consenso entre os dois polos que dominam a política brasileira
atualmente
Dois anos depois de o país assistir atônito à
invasão e à depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, a democracia
brasileira dá sinais de solidez. Apesar da polarização que hoje divide a
política nacional, a ampla maioria da população continua reprovando o mais
grave ataque à ordem legal desde a ditadura militar. A avaliação é prova da
resiliência das instituições e da seriedade das investigações, que já
culminaram no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de importantes
membros do alto escalão de seu governo, para punir os responsáveis pelas cenas
que chocaram o Brasil e o mundo em 8 de janeiro de 2023.
Os dados que atestam a ojeriza nacional ao
ataque em Brasília e a preferência pelo regime democrático constam em um
levantamento divulgado pela Quaest, que ouviu quase 8,6 mil eleitores no início
de dezembro. Segundo a pesquisa, 86% da população reprova os atos de vandalismo
cometidos por extremistas contra o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal
Federal (STF) e o Palácio do Planalto. Embora tenha havido uma leve queda em
relação à pesquisa realizada há um ano, quando 89% dos entrevistados condenavam
a invasão, o índice permanece alto, mesmo com extensa campanha da oposição para
minimizar o atentado e anistiar os envolvidos.
O que mais surpreende, porém, é que a
reprovação à trama golpista constitui um raríssimo consenso entre os dois polos
que dominam a política brasileira atualmente. Entre os eleitores de Bolsonaro,
85% desaprovam os atos de violência há dois anos em Brasília, o mesmo
percentual contabilizado em 2023, o que contraria uma esperada tendência de
relativização do episódio com o passar do tempo. Um índice similar foi
registrado entre os que votaram no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (88%),
uma queda em relação aos 94% do levantamento anterior.
A quase unanimidade nacional em torno de um
tema tão delicado é certamente resultado da resposta institucional ao que
ocorreu. Entre o primeiro aniversário da tentativa de golpe e hoje, as
investigações da Polícia Federal (PF) tiveram avanço significativo e mostraram
ao país, com robustez de provas, que o que se viu em Brasília foi muito mais
que um movimento espontâneo de manifestantes inocentes e sem liderança,
ludibriados pelas notícias falsas de que as urnas haviam sido fraudadas ou
indignados com a vitória de Lula.
Houve planejamento meticuloso para criar um
ambiente de caos, a partir do qual as Forças Armadas seriam constrangidas a
intervir, com apoio das altas hierarquias dos quartéis e das polícias, para
afastar do poder os que haviam sido legitimamente eleitos, em benefício de
Bolsonaro e seu entorno. As 884 páginas do extenso relatório da PF ainda
revelaram ao país que constavam na trama golpista planos para assassinar Lula,
o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Fora as mais recentes investigações da PF
para esclarecer quem foram os mentores da tentativa de golpe de Estado, avança
também no STF o trabalho para punir os que participaram dos ataques às sedes
dos Três Poderes. Desde 2023, a Corte já condenou 371 acusados de participação
na invasão, segundo um balanço divulgado pelo gabinete de Moraes, relator dos
casos. Destes, 225 foram considerados executores e 146, incitadores. Outras 527
pessoas fecharam acordo de não persecução penal, o que possibilita o cumprimento
de medidas alternativas à prisão. Cinco foram absolvidas e seis morreram antes
de serem julgadas.
Cabe agora ao procurador-geral da República,
Paulo Gonet, decidir se apresentará denúncia ou não contra Bolsonaro e outras
38 pessoas incluídas no extenso relatório da PF, entre elas aliados políticos,
ex-ministros e militares, como Walter Braga Netto, o primeiro general quatro
estrelas a ser preso na história do país. Mesmo com certo clamor popular para
que os casos avancem com celeridade, é preciso evitar o revanchismo e respeitar
o devido processo legal, dando amplo direito de defesa aos eventuais réus.
O retorno de Donald Trump ao poder nos
Estados Unidos, após escapar praticamente ileso de responsabilização por
incitar episódio similar ao ocorrido em Brasília, e o avanço de grupos
extremistas na Europa são lembretes de que mesmo democracias consideradas
consolidadas estão sob ameaça, em um momento em que o mundo vive uma combinação
de baixo crescimento econômico, inflação alta e tensões geopolíticas. A fraude
eleitoral na Venezuela, que será concluída com a posse de Nicolás Maduro no fim
desta semana, também serve de alerta de que a tendência ao autoritarismo não é
exclusiva da direita.
Embora a reprovação esmagadora da população brasileira ao 8 de janeiro seja motivo de comemoração, é preciso lembrar que a defesa da democracia é um ato constante. Em contraste com o levantamento da Quaest, recente Pesquisa Datafolha mostrou que o apoio à democracia como a melhor forma de governo no Brasil caiu de 79% em 2022 para 69% no ano passado. É momento de os defensores da democracia em todos os espectros políticos deixarem de lado as divisões e celebrarem a solidez de nossas instituições.
STF não pode ter o casuísmo como guia de suas
regras
Folha de S. Paulo
Corte definiu que votos de ministros
aposentados continuariam válidos, mas, agora, três deles defendem revisão de
entendimento
Passados meros dois anos e meio desde que o
tema foi debatido em plenário, ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal) articulam uma
mudança na regra sobre a validade dos votos de magistrados que
tenham participado de um julgamento e, depois, deixado a corte.
De acordo com o Código de Processo Civil, nos
julgamentos de órgãos colegiados, um magistrado pode alterar seu próprio voto a
qualquer momento antes da proclamação do resultado —a menos que tenha sido
afastado ou substituído, hipóteses nas quais seu voto será mantido, e não
trocado pelo do sucessor.
Em junho de 2022, por iniciativa de Alexandre de
Moraes, o STF estendeu esse entendimento aos casos transferidos do
ambiente virtual para o presencial.
Ou seja, se um ministro profere seu voto em
um julgamento virtual e depois se aposenta, seu substituto não poderá
interferir na posição adotada, ainda que o processo seja levado para discussões
no plenário físico.
Foi uma decisão sensata. Não havia motivos
para distinguir o ambiente físico do virtual quanto a uma diretriz que tem a
função de reduzir incertezas e, portanto, elevar a segurança jurídica.
De forma incipiente, entretanto, Luiz Fux, Dias Toffoli e
Moraes começam a defender uma revisão da regra. Para eles, em julgamentos não
concluídos, os ministros novatos deveriam poder votar, seja no plenário físico
ou no virtual, trocando as manifestações dos aposentados pelas suas.
Tomada pelo valor de face, a proposta não
chega a ser absurda. Desde que adotadas providências cautelosas para evitar
manobras oportunistas, ela apenas equipara o calouro aos seus colegas
veteranos, já que estes têm a faculdade de mudar de opinião no processo em
curso.
O fato de a proposta não ser absurda, porém,
não a torna necessariamente desejável. E ela não o é —menos pelo conteúdo em si
do que pela sua motivação.
Nem é preciso ser um observador arguto do STF
para notar o casuísmo da
operação. Afinal, de modo imediato, apenas Cristiano
Zanin e Flávio Dino se
beneficiariam da novidade, e os dois têm algo em comum: foram indicados pelo
presidente Lula (PT).
Em 2022, deu-se o oposto. A extensão da regra
sobre validade dos votos prejudicava, de modo mais evidente, André
Mendonça e Kassio Nunes
Marques. Levados à corte pela caneta de Jair
Bolsonaro (PL), ambos foram recebidos
com resistência dentro de um colegiado que sofria ataques reiterados do então
presidente.
Se a nova proposta vingar, pode mudar a
tendência em processos importantes, como o da descriminalização do aborto e
o do ISS na base
de cálculo do PIS/Cofins.
Não se trata de defender a tendência atual
nesses casos, mas de reconhecer que o STF, como instituição, precisa superar a
polarização que grassa na sociedade e oferecer o máximo de estabilidade
jurídica. Os ministros, infelizmente, com frequência agem na contramão desses
desideratos.
O declínio de uma referência do progressismo
Folha de S. Paulo
Justin Trudeau, premiê do Canadá, anuncia
saída; pandemia, guerras culturais e problemas econômicos minaram capital
político
Na imperfeita bússola da política mundial,
progressista e conservador nem sempre são termos precisos para qualificar a
orientação de governos e lideranças.
Mas Justin Trudeau, premiê do Canadá por dez
anos que agora
anuncia sua saída, era claramente uma referência do que se chama de
progressismo, com uma jovial figura a seu serviço —tinha 43 anos ao assumir o
posto.
Nomeou o mais diverso gabinete de um país do
G7 da história, igualitário em gênero. Questionado certa vez sobre sua
motivação, cunhou o mote de seu mandato: "Porque
é 2015".
Com isso, assumiu o papel que Barack Obama
ocupava no ideário do mundo desenvolvido quando o americano passou o
cetro a Donald Trump, em 2017. Acolheu imigrantes quando o
republicano falava em construir muros.
Apesar de fracassos práticos, como na
prometida integração maior das comunidades indígenas à vida pública, foi a
imagem positiva que ficou —talvez com a ajuda da relativamente pouca atenção
dedicada ao país no noticiário internacional.
A realidade doméstica era outra. O pêndulo
global se movia rumo ao populismo de direita, e a política de atração de
trabalhadores estrangeiros logo virou vilã.
Em 2019, Trudeau perdeu a
maioria no Parlamento, passando a depender de alianças frágeis para
governar. Com a pandemia da Covid-19, as duras restrições adotadas, além da
obrigatoriedade da vacina, tornaram-se tema de guerra cultural. Caminhoneiros
chegaram a parar o país.
O premiê tentou retomar o controle
legislativo adiantando eleições para 2021, sem sucesso. A partir daí, a
economia passou a apresentar problemas, como uma inflação persistente.
Mesmo sua imagem pessoal não ficou ilesa.
Chamado de "o príncipe", filho do longevo premiê Pierre
Trudeau, o político mostrava o privilégio de sua criação. Surgiram
viagens de luxo irregulares e vídeos do passado em que logo ele, o herói dos
liberais, aparecia
caracterizado como negro, o famigerado "blackface".
Mais recentemente, a gota d’água foi a nova
vitória eleitoral de Trump. O americano já falou em elevar tarifas de
importação contra o vizinho ao norte e retomou ataques farsescos a
Trudeau, defendendo a
anexação do Canadá.
Integrantes do governo começaram a debandar,
e restou a ele jogar a toalha. O primeiro-ministro deve ficar no cargo somente
até seu Partido Liberal escolher outro líder, mas há um Everest de 25 pontos de
intenção de voto para a eleição de outubro separando a sigla dos conservadores.
O espírito do golpismo
O Estado de S. Paulo
Que ninguém se engane: minimizar o ataque do
8 de Janeiro contra as sedes dos Três Poderes, há exatos dois anos, é parte do
mais puro espírito golpista, que está mais vivo do que nunca
Há exatos dois anos, o Brasil assistia à
invasão das sedes dos Três Poderes, incitada não por manifestantes que exerciam
espontaneamente sua liberdade de expressão, mas por um violento grupo de falsos
patriotas que, inconformados com o resultado das eleições presidenciais,
apostaram na instabilidade e no caos. Liberticidas depredaram prédios públicos,
destruíram obras de arte, atacaram de maneira infame nossas principais
instituições e deixaram rastros de destruição, choque e espanto. Tudo filmado
inclusive pelos próprios criminosos, decerto convictos de que não seriam
punidos.
Ao longo de todo o tempo decorrido desde
então, os adeptos do golpismo trataram de minimizar o que assistimos naquele
dia. Ora argumentam que tudo não passou de simples “vandalismo”, ora dizem –
como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro, guru dos vândalos – que os presos são
“chefes de família, senhoras, mães, avós”, isto é, gente incapaz de dar um
golpe de Estado.
Isso mostra que o espírito do golpismo está
mais vivo do que nunca. Pode-se discutir se o 8 de Janeiro, em si mesmo, foi de
fato uma tentativa de golpe, mas é indiscutível que a depredação das sedes dos
Três Poderes, com a declarada intenção de manifestar inconformismo com o
resultado da eleição presidencial de 2022, é a mais pura expressão do profundo
desrespeito pelas instituições democráticas – e esse desrespeito é precisamente
o que constitui o ânimo putschista. Que ninguém se engane: aqueles que tentam
confundir a opinião pública a respeito do 8 de Janeiro, como se o que ocorreu
ali tivesse sido apenas um passeio familiar que degenerou em bagunça, fazem-no
com o objetivo de tornar tolerável que se ponham abaixo os símbolos da
concertação política que viabiliza a vida civilizada e produtiva em sociedade.
Essa tentativa de normalizar a ofensa às
instituições democráticas não começou no 8 de Janeiro nem culminou ali. É um
processo longo de desmoralização da República, que teve em Jair Bolsonaro seu
mais bem-sucedido líder e instigador e que se perpetuará com os filhotes do
bolsonarismo, alguns deles até mesmo mais ousados que o mestre. Contra esse
estado de coisas, só há dois remédios, que devem ser tomados de modo combinado:
primeiro, providenciar que nenhum participante da trama golpista ora
investigada, seja civil, seja militar, fique impune; e, segundo, preservar a
memória do horror do 8 de Janeiro, impedindo que os golpistas reescrevam
maliciosamente a história conforme seus propósitos liberticidas.
Num país marcado pela baixa vocação à
memória, esses dois anos ajudaram a sedimentar a ideia de que o 8 de Janeiro
não é mero fato pretérito, mas uma ferida aberta na sociedade brasileira; que
não foi fruto de geração espontânea, mas de orquestração golpista; que não se
resumiu a meros e aleatórios atos de vandalismo, mas vicejou da insídia do
bolsonarismo e de seu maior vândalo político – o presidente que passou anos
lançando suspeitas sobre as instituições e alimentando a resistência a todo e
qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável. Foi o seu ardil para
criar as condições que conduzissem o Brasil a uma ruptura, a ser resolvida por
tiranetes bolsonaristas.
Vale repetir sempre: sem Jair Bolsonaro não
haveria 8 de Janeiro. Coube ao ex-presidente criar o mito fundador do golpismo
contemporâneo. Como toda corrente autoritária, o bolsonarismo tentou capturar
para si o monopólio da virtude cívica. Tratou o Exército como se fosse dele.
Falseou a ideia de patriotismo e usurpou o pensamento conservador. No 8 de
Janeiro, porém, os verdadeiros patriotas estavam assistindo atônitos às cenas
de depredação e violência, e não atacando as sedes dos Três Poderes; já os verdadeiros
conservadores preconizam a preservação das instituições e defendem o império da
lei e do Estado de Direito, e não a sua destruição.
A boa notícia é que, passados dois anos, 86%
dos brasileiros, segundo pesquisa Genial/Quaest, desaprovam o ataque aos
Poderes, patamar que se mantém em todas as regiões, faixas de renda,
escolaridade e idade. Não há diferença estatística nem mesmo entre eleitores de
Bolsonaro e do presidente Lula da Silva.
Ou seja, a maioria dos brasileiros sabe muito
bem o que viu em 8 de janeiro de 2023.
O supremo ‘delegado’ federal
O Estado de S. Paulo
Sob quaisquer pontos de vista, a alta
concentração de inquéritos policiais no gabinete do ministro Alexandre de
Moraes não pode ser considerada normal em um Estado Democrático de Direito
Nos últimos anos, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes se tornou uma espécie de “delegado”
na Corte – e, ao que parece, tomou gosto pela função, sob o beneplácito de seus
pares.
O que já era perceptível à luz da atitude e
de certas decisões monocráticas de Moraes pôde ser atestado por números. De
acordo com um levantamento feito pelo Estadão com base em dados do
portal Corte Aberta, no fim do ano passado, nada menos que 21 dos 37
inquéritos criminais em andamento no STF estão concentrados no gabinete do
ministro Alexandre de Moraes. Para dar a dimensão dessa anomalia, o segundo
ministro com mais investigações criminais sob sua relatoria, Luiz Fux, conduz
apenas 3 inquéritos.
Sob quaisquer pontos de vista, isso não pode
ser considerado normal, a começar pelo elevado número de investigações
criminais sob a responsabilidade de uma Corte que, em tese, deveria se ocupar
precipuamente da guarda da Constituição. E note-se que entre esses 37
inquéritos em curso não estão contabilizados os que tramitam na forma de
“petições”, como a Petição 12.100, que investiga a formação dos acampamentos
golpistas em frente dos quartéis do Exército, nem os que correm sob sigilo,
como é o caso, por exemplo, do interminável e abrangente inquérito das fake
news (Inquérito 4.781). Vale dizer, o número de investigações conduzidas
pelo “delegado” Moraes é ainda maior do que o apurado por este jornal.
É certo que a Constituição confere ao STF o
poder de processar e julgar ações penais que envolvam réus com foro especial
por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”. Porém, o
entendimento do colegiado sobre o alcance desse dispositivo constitucional tem
a firmeza de um prego na areia. A depender das conveniências políticas de
ocasião, para dizer o mínimo, os ministros mudam com impressionante rapidez e
sem-cerimônia ímpar a própria jurisprudência da Corte para, na prática,
escolher quem vão julgar a partir de critérios bem menos transparentes do que
os fixados pela Lei Maior, o que ora aumenta, ora diminui os casos criminais em
tramitação no STF. Não é assim que funciona o sistema de Justiça em um Estado
Democrático de Direito.
Ademais, aqui ainda nem se está tratando de
ações penais, mas de inquéritos policiais. Por que tantos sob a relatoria de
Alexandre de Moraes? O que, em tese, o tornaria mais apto do que seus pares
para presidir essas investigações? A rigor, nada, a não ser, talvez, sua
propensão para atuar mais como um chefe de polícia do que como ministro de
Corte Suprema, no melhor cenário, ou a tibieza de seus pares para frear esse
acúmulo de poder, no pior. A Lava Jato já mostrou o que acontece quando se
tenta estabelecer “juízos universais” sobre o que quer que seja. No caso de
Moraes, a suposta defesa da democracia.
Para agravar um quadro anômalo por si só, não
se pode desconsiderar que a alta concentração de inquéritos no gabinete do sr.
Moraes se deve, entre outras razões, a uma compreensão elástica do instituto da
prevenção. Diz-se “prevento” o juiz que primeiro decidiu em determinado
processo, de modo que todos os outros casos ligados de alguma forma ao caso
original devem ser submetidos à apreciação desse mesmo magistrado. A prevenção
é, pois, uma salvaguarda do sistema de Justiça contra decisões discrepantes sobre
questões que estejam relacionadas. Mas será mesmo que todos os 21 inquéritos
relatados por Moraes chegaram até ele por estarem direta ou indiretamente
ligados? Não parece ser o caso, afinal são múltiplas as investigações policiais
em andamento, quando a prevenção, a rigor, pressupõe que sejam unificadas, como
ressaltou a este jornal o professor Gustavo Badaró, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP).
Tudo já seria espantoso se essa miríade de
inquéritos relatados por Moraes tivesse objetos bem definidos e prazos
razoáveis. Em muitos casos, não há nem uma coisa nem outra. E quanto mais essa
aberração institucional perdurar, mais profunda será a fissura entre o STF e
sua legitimidade perante parcela cada vez mais expressiva da sociedade
brasileira.
Culpado por ser israelense
O Estado de S. Paulo
Para a Justiça Federal, ser israelense basta
para ser investigado por ‘crime de guerra’
Foi imprudente a decisão da juíza federal
Raquel Soares Chiarelli, do Distrito Federal, de determinar que a Polícia
Federal (PF) instaurasse um inquérito contra o israelense Yuval Vagdani por
suposta prática de “crime de guerra” contra os palestinos na Faixa de Gaza. O
caso tem óbvias implicações políticas, jurídicas e diplomáticas que a
magistrada, ao que parece, não levou em conta. Mas antes seu erro fosse apenas
a inconsequência.
Vagdani é um reservista do Exército de Israel
que sobreviveu ao massacre cometido por terroristas do Hamas em 7 de outubro de
2023. Ele decidiu passar as férias de fim de ano na Bahia. Mas, embora tenha
entrado regularmente no País, o militar mal pôde aproveitar o verão brasileiro
e a hospitalidade do povo baiano. Para vergonha de todos os que prezam o Estado
Democrático de Direito, aqui o turista foi tratado pelo Judiciário como
suspeito de ter cometido crime gravíssimo sem que sobre ele pesasse qualquer acusação
formal em seu país ou fora dele.
A magistrada acolheu uma “denúncia”, por
assim dizer, contra Yuval apresentada por uma tal Fundação Hind Rajab (HRF, na
sigla em inglês), uma obscura ONG sediada na Bélgica criada para identificar e
perseguir mundo afora militares israelenses que supostamente violaram direitos
humanos na Faixa de Gaza. Diante disso, para evitar uma persecução criminal
absolutamente descabida, Vagdani saiu às pressas do Brasil, com auxílio da
Embaixada de Israel.
A juíza não considerou a falta de
credibilidade da entidade denunciante: o líder da HRF, Dyab Abou Jahjah,
integrou a milícia xiita Hezbollah e, nas redes sociais, classificou como
“lutadores da resistência” os terroristas do Hamas que mataram mais de mil
israelenses no 7 de Outubro e que, desde então, ainda mantêm mulheres e idosos
como reféns. Na Bélgica, quando começou sua militância radical em favor dos
muçulmanos, há cerca de 20 anos, Jahjah foi considerado uma “ameaça à
sociedade” pelo então primeiro-ministro, Guy Verhofstadt.
Ademais, a juíza fundamentou a decisão de
investigar o israelense com base no Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal
Penal Internacional (TPI). Ocorre que, como foi dito, não há denúncia que pese
contra Vagdani no exterior, muito menos no âmbito do TPI. Ou seja, a ordem da
Justiça Federal expedida contra o turista estrangeiro foi baseada
exclusivamente em uma acusação feita contra ele por uma organização que
claramente quer fazer da guerra em Gaza um pretexto para constranger
israelenses onde quer que estejam.
Em boa hora, a PF teve a prudência que a
juíza não teve e não instaurou o inquérito por entender que não há elementos
suficientes para a abertura formal de uma investigação criminal contra Vagdani.
O Exército de Israel até pode ter cometido
crimes de guerra na resposta militar ao ataque terrorista no 7 de Outubro.
Porém, à luz dos fatos, para a Justiça Federal, Yuval Vagdani só cometeu o
terrível crime de ser israelense e de ser um militar a serviço de um Estado
acusado de “genocídio”, malgrado ter sido vítima de um dos mais bárbaros
ataques terroristas da história recente.
O reposicionamento simbólico da Meta
Correio Braziliense
A mensagem dada pelas big techs, mais uma
vez, se aproxima da falta de transparência e do conservadorismo. Cabe às
potências mundiais, entre elas o Brasil, analisar esses movimentos de maneira
crítica
Ao término das partidas de tênis, após o
longo embate que coloca dois esportistas frente a frente por horas, o árbitro
responsável pelo jogo declara: "Game, set and match", uma alusão ao
conjunto de pontos que levam ao triunfo do vencedor. É o xeque-mate da bolinha
verde. Ontem, em vídeo gravado e veiculado na imprensa, Mark Zuckerberg, o CEO
da Meta, conglomerado de mídia que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, fez
seu movimento final em prol da antidemocracia. Anunciou o fim das ferramentas
de checagens de suas redes sociais, um claro movimento de aproximação ao
presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, histórico crítico do que
chama de "censura" de conteúdo por parte das big techs.
Ao colocar um ponto final nas iniciativas que
tinham o objetivo de frear discursos de ódio e informações fraudulentas,
Zuckerberg dá um claro sinal de que vai administrar a Meta de acordo com as
preferências do político à frente da maior potência econômica mundial. E a
gigante da tecnologia nem faz questão de esconder isso. Em dezembro, doou US$ 1
milhão para colaborar com o evento de posse de Trump. Zuckerberg também nomeou
Joel Kaplan, um conservador de carteirinha, para ocupar o cargo de chefe de políticas
da companhia.
Sobrou até para o Supremo Tribunal Federal
(STF). No vídeo em que anuncia o fim das políticas de checagem de fatos,
Zuckerberg criticou os "tribunais secretos da América Latina que podem
ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa". Vale lembrar
que a Corte deve retomar, após o recesso, em fevereiro, o julgamento sobre o
Marco Civil da Internet, interrompido após pedido de vistas do ministro André
Mendonça.
Em suma, o Supremo quer aumentar a
responsabilidade das big techs sobre o compartilhamento de conteúdos que ferem
a lei nas redes sociais. Hoje, o artigo 19 da legislação só responsabiliza os
sites quando há descumprimento de uma decisão judicial — com exceção do
compartilhamento de fotos e vídeos sexuais sem consentimento da vítima, no qual
a simples notificação da Justiça basta para a exclusão.
A tentativa do Supremo de criar um regramento
tem seus riscos, evidentemente. Até mesmo por seu ineditismo, o movimento da
Corte, seja ele qual for, requer ampla discussão com especialistas. No entanto,
apesar dos perigos, o STF, ao se ater à questão, cumpre com sua obrigação de
guardar a Constituição, sobretudo após os atos de 8 de janeiro de 2023,
claramente planejados e divulgados a partir das redes sociais.
Dessa forma, é realmente lamentável a direção
tomada pela Meta. A decisão acompanha a compra do X (antigo Twitter) pelo
bilionário Elon Musk, que transformou o site em uma ferramenta aliada de Donald
Trump. Também anda de mãos dadas com a extinção do CrowdTangle, uma ferramenta
que permitia acesso da população aos conteúdos em alta no Instagram e no
Facebook em nome da lisura desses sites para com a sociedade e seus usuários.
"Game, set and match".
Evidente que há motivações políticas, mas a mensagem dada pelas big techs, mais uma vez, se aproxima da falta de transparência e do conservadorismo. Cabe às potências mundiais, entre elas o Brasil, analisar esses movimentos de maneira crítica para resguardar suas populações. Discussões como a do Marco Civil da Internet, que deve ser retomada no STF em fevereiro, vêm em ótima hora. Zuckerberg e Musk têm muito poder e precisam ser freados em nome da manutenção da democracia.
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