Correio Braziliense
Economistas defendem que o país precisa
avançar na pauta fiscal, revendo gastos sociais (saúde e educação), congelando
salários. Mas não há consenso na opinião pública quanto a essa agenda
Recentemente, o Instituto Datafolha publicou uma sondagem sobre a aplicação dos recursos públicos. A pesquisa traz alguns insights importantes acerca da atuação do governo. No tocante aos resultados, 47% dos entrevistados responderam que "os recursos públicos são suficientes, porém mal aplicados em serviços para a população". Outros 32% responderam que os "recursos são insuficientes e mal aplicados". Para 8%, os "recursos são suficientes e bem aplicados", e outros 9% consideram os "recursos insuficientes e bem aplicados".
Duas dimensões filosóficas podem ser
extraídas dos dados dessa pesquisa. A primeira delas diz respeito ao
tamanho relativo do Estado na economia. Repare que 39% dos entrevistados
indicam que os recursos são insuficientes e que há espaço para aumentar o
tamanho do governo na economia. Já no que se refere à segunda dimensão, ela
remete à eficiência do gasto público. Sobre isso, parece haver um pouco mais de
consenso, já que 89% dos respondentes consideram os recursos públicos mal
aplicados.
Esses resultados trazem elementos de economia
política relevantes para o debate. Diariamente, lê-se na imprensa a opinião de
economistas defendendo que o país precisa avançar na pauta fiscal, revendo
desindexações de pisos constitucionais de gastos sociais (saúde e educação),
congelando salários, revendo desonerações, entre outras pautas. Tais opiniões,
embora bem-vindas, desconsideram que, em se tratando de regimes democráticos, o
tamanho relativo do governo é fruto de pactos políticos formalizados em constituições
e revisitados frequentemente via eleições ou via processo legislativo.
Pelos dados da supracitada pesquisa, não há
consenso na opinião pública quanto a essa agenda defendida por uma parte dos
economistas. Já que quase 40% dos entrevistados creem que os recursos são
insuficientes, existe margem para que o governo aumente de tamanho. A outra
dimensão filosófica parece reunir um pouco mais de consenso, visto que cerca de
90% dos entrevistados consideram os recursos públicos "mal
aplicados". Mas afinal, como aferir eficiência na provisão de bens
públicos? Sobre isso os economistas têm um pouco mais a contribuir.
Nas últimas décadas, uma conjunção de
fatores, como construção de bases de dados sobre os mais variados tópicos,
somados à evolução da capacidade computacional e ao desenvolvimento de métodos
econométricos capazes de aferir nexos causais, permitiu a ampliação do escopo
de atuação da pesquisa em economia. De lá para cá, o prestígio da chamada
microeconomia aplicada, dentro da qual se encontra a agenda de avaliação de
políticas públicas, ganhou notoriedade e prestígio na comunidade científica.
Não é de interesse deste artigo apontar a
eficiência ou ineficiência de alguma política pública específica. O objetivo
aqui é se ater a algumas questões teórico-filosóficas sobre elas. Nos capítulos
4 e 5 de Public finance in theory and practice, Richard e Peggy Musgrave
constroem a teoria dos bens públicos, que são caracterizados pela não
exclusibilidade e/ou não rivalidade no acesso pelos consumidores. Em outras
palavras, diferentemente dos bens privados, cuja oferta é guiada pelo sistema
de preços e o pagamento de um determinado produto por um consumidor exclui o
acesso de outros consumidores no consumo desse mesmo, o que acarreta uma
"concorrência" pela aquisição desses bens, no caso dos bens públicos,
o acesso de um consumidor não exclui o acesso de outro ao mesmo bem.
Em termos práticos, pense no serviço de
iluminação pública. Não é possível ao poste iluminar apenas a calçada do
consumidor que pagou por isso, a iluminação é pública e deverá iluminar a
calçada de todos que passam pela rua. Essa natureza não excludente dos bens
públicos produz um incentivo adicional que é conhecido na literatura como o
problema do "carona". Em resumo, se um consumidor pode ter acesso a
um bem sem concorrer com outro consumidor, é possível que haja o incentivo para
não contribuir, pelo menos diretamente, com o seu financiamento, esperando que
o outro contribua.
Daí, surge um problema adicional: trata-se da
propensão natural ao "congestionamento" da oferta de bens públicos.
Isso é, se todos podem ter acesso simultâneo a um bem sem contribuir
diretamente para a sua oferta, o acesso a esse bem público, ainda que não
excludente (no sentido de que o próximo consumidor sempre terá também acesso),
passa a ser rivalizado por um número relevante de consumidores, fazendo com que
todos tenham sua utilidade reduzida no acesso.
Por fim, repare que o congestionamento
de bens públicos universais, embora esteja associado à queda na utilidade do
usuário relativo ao seu consumo, não é a mesma coisa que ineficiência. A
eficiência pode ser avaliada por outras métricas, enquanto o congestionamento é
uma consequência natural da provisão de bens que, em sua essência, são não
excludentes e não rivais.
*Professor do Instituto de Economia e
Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal
de Uberlândia
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