Valor Econômico
Nas alegações finais contra Bolsonaro, Paulo Gonet quis mostrar que MPF não dependeu da delação
O capítulo mais surpreendente da manifestação
de Paulo Gonet nas alegações finais da trama golpista é aquele em
que o procurador-geral da República aponta as inconsistências da delação do
ex-ajudante de ordens da Presidência da República, coronel Mauro Cid, e pede a redução dos
benefícios dela decorrentes.
Gonet reitera a confiança no próprio taco.
Expõe as inconsistências da delação porque acredita que a denúncia da
Procuradoria-Geral da República se sustenta quase integralmente nas provas
produzidas ao longo da reconstituição dos fatos no inquérito — mensagens de
celular, registros de reuniões, documentos, “lives” e depoimentos de
testemunhas.
Além disso, a manifestação do PGR também marca a inflexão do Ministério Público Federal em relação ao que aconteceu na Lava-Jato, processo muito impactado por delações que, mais tarde, não se mostraram completamente íntegras.
No documento, Gonet diz que Cid teve “um
comportamento contraditório, marcado por omissões e resistência ao cumprimento
integral das obrigações pactuadas”. Defende ainda que os benefícios do delator
levem em conta não apenas sua contribuição para o esclarecimento dos fatos, mas
também “o grau de lealdade demonstrado ao longo do procedimento”.
A colaboração premiada de Mauro Cid foi
fechada pela Polícia Federal e homologada pelo ministro Alexandre de Moraes em
setembro de 2023. O PGR defende que a redução da pena seja fixada no patamar
mínimo definido em lei. Ou seja, a um terço, e não a dois terços como previa o
acordo de delação. Afasta ainda a concessão de perdão judicial e a conversão
automática da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos
originalmente previstos.
Ainda que reconheça a importância da delação
para a reconstituição da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da
organização criminosa, além do esclarecimento dos fatos sob investigação, vê
“indícios de condutas possivelmente incompatíveis com o dever de boa-fé
objetiva, consistentes, em grande parte, nas omissões do réu quanto a fatos
relevantes”.
A primeira conduta indevida apontada é aquela
trazida pelos áudios publicados pela “Veja” em março de 2024 em que Mauro Cid
ataca Moraes e a PF e repassa informações sigilosas de sua delação a terceiros
numa provável obstrução de justiça.
Além disso, Gonet demonstra como Mauro Cid
teve um papel mais ativo do que aquele inicialmente reconhecido em reuniões
ocorridas entre 12 e 28 de novembro de 2022, inclusive na preparação da
operação “Punhal Verde Amarelo”, que tramou a eliminação do atual presidente da
República e de seu vice, além de Moraes. Cid acabaria por fazer uma retificação
de seu depoimento.
O documento traz ainda a resistência de Cid
em reconhecer a participação nos eventos sob investigação a despeito das provas
colhidas nesse sentido. O comportamento, diz Gonet, caracteriza o “caráter
ambíguo da conduta do colaborador, que, por vias paralelas, buscava auferir
benefícios premiais e restabelecer canais de interlocução com os demais
corréus”.
Com os benefícios mitigados advogados por
Gonet, Mauro Cid pode acabar voltando à prisão uma vez que os crimes que lhe
são imputados somariam penas de 43 anos. A extrema-direita provará o sabor do
seu punitivismo. Foi no governo Bolsonaro, por iniciativa do então ministro da
Justiça, Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, que o pacote
anticrime elevou de 30 para 40 anos o limite de pena de prisão a ser cumprida
no Brasil.
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