Folha de S. Paulo
Estratégia ajuda a explicar anúncios e
contra-anúncios, avanços e recuos feitos pelo presidente americano
Em todas as línguas latinas, com exceção do
português, "interesse" é a mesma palavra para juros e para
atenção. Em inglês, espanhol, italiano e francês, para
dizer "taxa de juros" dizemos o equivalente à "taxa de
interesse" ("interest rate", etc.), insinuando-se nessa
expressão uma raiz comum bem antiga em que o interesse no sentido comercial e o
interesse no sentido cultural têm a mesma origem.
Aliás, creio que possa ser defendido que o interesse comercial precedeu a utilização de interesse no sentido cultural do termo. O que é natural porque esse foi o sentido que veio da Itália do Renascimento e dos alvores do capitalismo. A partir daí, o "interessante", aquilo que chamava a atenção, era o que dava lucro.
Ignoro se algum filósofo, economista ou
psicólogo alguma vez aprofundou os paralelos entre os dois sentidos de
interesse. Para mim, o estudo clássico que me motivou a pensar sobre isso foi
"As Paixões e os Interesses" de
Albert Hirschman, um refugiado judeu alemão da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) que passou por Lisboa e trabalhou bastante
no Brasil.
De qualquer forma, a teoria terá de ser
atualizada porque essa relação antiga está hoje invertida. Já não é a atenção a
ser atraída pelo que é lucrativo. O lucro é que é atraído pelo que gera
atenção, a
ponto de haver uma expressão que sintetiza essa relação: a economia da atenção. E
talvez hoje toda a economia seja uma economia da atenção.
Pelo menos Donald Trump está
levando essa hipótese ao limite com
as suas guerras tarifárias. Por todo o mundo, comentaristas e
analistas sérios tentam ver uma lógica na motivação do republicano: será a luta
pela predominância do dólar? Será um ataque preventivo ao Brics e
à União
Europeia? Será a consequência de uma mentalidade puramente transacional?
Será que é uma estratégia para forçar o mundo a negociar um novo acordo global?
Qual é a lógica —ignoro. Aliás, o meu
pressuposto de partida é que nem tem de haver lógica alguma. Mas qual é o
método, isso sei eu muito bem e é fácil de conferir por quem pare por um minuto
para pensar.
A resposta é muito simples: Trump leva a cabo
uma guerra
comercial como quem trava uma guerra cultural. Isso ajuda a explicar
os anúncios e contra-anúncios, avanços e recuos. Essa é a exatamente a
estratégia frequentemente seguida nas guerras culturais, em que tudo é
narrativa.
Quando Trump faz o anúncio das novas tarifas,
o mundo presta atenção. Quando faz o anúncio do adiamento, o mundo presta
atenção outra vez. Quando aumenta a tarifa, aumenta a atenção. Mas se diminuir
a tarifa, aumenta a atenção de novo. Na atenção é que está o ganho.
Só há um problema: as tarifas impactam
objetos reais, produtos que custaram dinheiro e que agora aguardam para serem
desembarcados no meio de toda a incerteza. Para o mundo das pautas aduaneiras,
a atenção não ajuda, só atrapalha. Traz incerteza e afasta investimento.
De tão habituado que está a dominar a atenção
nas guerras culturais, Trump pode ter encontrado o seu grande limite: no mundo
das guerras comerciais, a atenção gera rendimentos decrescentes.
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