Valor Econômico
Para analista, um dos principais fatores do
derretimento do governo nas pesquisas é o erro na estratégia de comunicação
Sem surpresas, a conclusão do julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão, acentuou a tensão entre Brasil e Estados Unidos. O presidente Donald Trump disse que a sentença é uma “coisa terrível” e que está “muito insatisfeito”, e o secretário de Estado, Marco Rubio avisou que os EUA responderão a essa “caça às bruxas”. A reação veio do Itamaraty, que em rede social, afirmou que ameaças como a de Rubio “não intimidarão nossa democracia”, e que a soberania brasileira resistirá a “agressões e tentativas de interferência, venham de onde vierem”.
Historicamente, o Brasil buscou o alinhamento
com os Estados Unidos, mas sempre houve atritos que testaram a estabilidade dos
governos.
Após uma relação profícua no Estado Novo, os
laços de Getúlio Vargas com os americanos se esgarçaram no mandato democrático
(1950-54), quando ele resistiu à pressão dos americanos para enviar tropas
brasileiras para a Guerra da Coréia, e ensaiou com Juan Perón a criação de um
bloco regional entre Brasil, Argentina e Chile, o “Pacto ABC”, para se contrapor
a Estados Unidos e União Soviética. A empreitada frustrou-se, e o governo
embarcou numa crise de desfecho amargo em agosto de 1954.
Em face à nova turbulência com os americanos,
é oportuno o levantamento que saiu às ruas em agosto para medir a opinião e atualizar
o sentimento dos brasileiros em relação a Estados Unidos e China, ao qual a
coluna teve acesso. Diante do tarifaço, que sobretaxou as exportações aos
Estados Unidos em 50%, a Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados também
questionou a avaliação dos entrevistados sobre as relações comerciais do Brasil
com os Brics.
Considerando a amostra total, 46% dos
entrevistados têm visão positiva, e 43% têm imagem negativa dos Estados Unidos.
Em paralelo, 45% dos brasileiros veem positivamente a China, e 43% têm
percepção negativa sobre os asiáticos.
Esse equilíbrio de visões se desfaz se a
amostra é dividida conforme o voto para presidente da República em 2022. Dessa
forma, entre eleitores de Bolsonaro, 72% veem positivamente os Estados Unidos,
e 38% têm imagem positiva sobre a China. Contudo, na esteira da pressão externa
dos americanos, entre eleitores de Lula, 26% têm imagem positiva dos
americanos, e 51% veem afirmativamente a China. A diferença da imagem positiva
dos EUA entre bolsonaristas e lulistas chega a 46 pontos percentuais.
“A principal conclusão da pesquisa é que a
percepção internacional dos brasileiros não é apenas sobre comércio ou
diplomacia, mas sobre identidade política interna”, disse à coluna o CEO da
Nexus, Marcelo Tokarski. “A política externa se tornou mais um campo da disputa
ideológica entre lulistas e bolsonaristas, com divisões que ultrapassam 40
pontos percentuais em alguns casos, algo fora da curva”.
Mesmo com o tarifaço, outro dado da pesquisa
é de que a liderança dos EUA no mundo é positiva para 54% dos bolsonaristas. No
caso dos lulistas, esse percentual cai para 20%. De outro lado, a liderança da
China é afirmativa segundo 55% dos lulistas, e 40% dos apoiadores de Bolsonaro.
Na divisão por eleitorado, 74% dos
bolsonaristas acham que o Brasil deveria se aproximar mais dos Estados Unidos,
enquanto entre lulistas esse percentual é de 26%. Por outro lado, 58% dos
lulistas acham que o Brasil deveria se aproximar mais da China, enquanto essa
parcela é de 19% dos bolsonaristas.
“A percepção dos bolsonaristas sobre os EUA
não é prática ou conjuntural, mas ideológica e identitária”, frisou Tokarski.
“Quem é ideologicamente ligado ao bolsonarismo, tende a apoiar qualquer tese ou
ponto de vista defendido por lideranças do movimento, inclusive o tarifaço”,
observou.
Nesse cenário, a pesquisa indagou se os
brasileiros acham que o Brasil deveria estreitar as relações politicas e
econômicas com o Brics. Se a tentativa de Getúlio de criar um bloco regional
ampliou a crise, na atualidade, o Brasil aposta no multilateralismo e no
fortalecimento dos Brics como arma contra Trump. O bloco é formado por Brasil,
Rússia, China, Índia, África do Sul, Emirados Árabes, Egito, Arábia Saudita,
Etiópia, Indonésia e Irã.
Na segunda-feira (8), em reunião virtual com
líderes do bloco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, sem citar os
EUA, que os países do Brics são “vítimas” de práticas comerciais ilegais e de
“chantagem tarifária”. Em agosto, primeiro mês da vigência da sobretaxa
americana, as exportações aos EUA tiveram queda de 18,5% face ao mesmo período
do ano passado. Contudo, o Brasil ganhou ao apostar em novas parcerias.
Exportou mais para China (+29,9%), México (+43,8%) e Argentina (+40,4%).
Dessa forma, o levantamento mostrou que 48%
dos brasileiros aprovam a aproximação do Brasil ao parceiros do Brics, mas uma
parcela expressiva, 33%, se opõe a esses laços, enquanto 18% não souberam ou
não responderam. No cruzamento dos votos de 2022, 55% dos eleitores de Lula
defendem o estreitamento das relações com os Brics, e 29% são contrários. Já
44% dos bolsonaristas são contra laços mais fortes com os Brics, enquanto 42%
são favoráveis. A pesquisa da Nexus entrevistou, face a face, 2.005 cidadãos
com idade a partir de 16 anos, nas 27 unidades da Federação entre 15 a 19 de
agosto. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
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