Correio Braziliense
O recado que damos ao planeta e ao nosso próprio
país não poderia ser mais claro e vital: a democracia é inegociável, assim como
a punição daqueles que contra ela ousam atentar
O dia de ontem não é um fim em si mesmo. É mais um capítulo de um processo inédito de responsabilização e um marco democrático na história do Brasil. Pela primeira vez, aqueles que orquestraram uma ruptura do Estado Democrático de Direito foram devidamente julgados e condenados. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do núcleo crucial da trama golpista que, entre 2021 e 2023, tentou subverter a Constituição e instaurar um regime autoritário no país. Ao condenar militares de alta patente e lideranças políticas do núcleo central da conspiração, a Corte reafirmou que a lei e a democracia estão acima de qualquer governo, projeto de poder ou liderança política. Foi um gesto inequívoco de resiliência institucional, conduzido dentro das garantias do devido processo legal e da ampla defesa, e que ainda resistiu a pressões vindas do exterior.
Durante décadas, o Brasil trilhou o caminho
oposto ao da responsabilização, deixando impunes os que atentaram contra a
nossa democracia. Ao final do regime militar, nos anos 1980, a transição
pactuada silenciou sobre graves violações de direitos humanos e não puniu
aqueles que haviam rompido a ordem constitucional. Essa omissão inaugurou um
ciclo perverso em que golpismo e impunidade se retroalimentaram. Agora, quatro
décadas depois, o país rompe essa lógica e envia uma mensagem clara: crimes
contra a democracia não admitem perdão.
Esse passo histórico, contudo, não elimina as
ameaças. Parlamentares seguem empenhados em ressuscitar a lógica da anistia,
oferecendo de forma vergonhosa um perdão coletivo que visa blindar aliados
políticos. Narrativas contrafactuais e distorcidas buscam relativizar a
gravidade da conspiração e transformar criminosos em vítimas. É um retrocesso
que, se concretizado, minaria a integridade da ordem democrática e
comprometeria a credibilidade das instituições.
Enquanto um congressista brasileiro articula
a continuidade do golpe a partir de terras estadunidenses e chantageia o Brasil
para livrar seu pai de punição, o governo e a sociedade brasileira mais uma vez
reagem com firmeza e altivez. A cena contrasta com a história: se nos anos 1960
os Estados Unidos tiveram um papel central no golpe militar que inaugurou duas
décadas de autoritarismo no nosso país, desta vez é a solidez de nossas
instituições que ergue uma trincheira pela democracia e pela soberania nacional
diante do governante extremista e iliberal que inspirou Jair Bolsonaro em sua
cruzada antidemocrática. Se nos Estados Unidos houve a invasão do Capitólio, em
8 de janeiro de 2023 tivemos os ataques em Brasília que foram o ápice de anos
de uma postura autocrática e golpista do governo anterior àquela data. Nos
mesmos moldes da administração de Donald Trump nos Estados Unidos, tivemos um
governo que regularmente incentivou a desconfiança no sistema de votação
brasileiro e que ameaçou e motivou ataques às instituições e aos nossos Poderes
Republicanos.
Nos últimos 10 anos, o patriotismo e as cores
da bandeira brasileira foram sequestrados por setores extremistas e antidemocráticos.
Agora, podem e devem voltar a simbolizar um país que amadureceu
institucionalmente e que não se deixará chantagear por quem tentou destruir o
que construímos a duras penas.
A democracia brasileira ainda possui uma
longa trajetória de consolidação e aperfeiçoamento que a permita resgatar a
credibilidade de seu sistema e a efetividade de suas promessas. Entretanto, o
recado que damos ao planeta e ao nosso próprio país não poderia ser mais claro
e vital: a democracia é inegociável, assim como a punição daqueles que contra
ela ousam atentar.
Seguimos nadando contra a corrente. Ao
destoar da tendência global de autocratização, nosso país se apresenta como
exemplo de resiliência democrática e esperança concreta contra as forças
autoritárias que avançam em tantas nações. A lição é inequívoca: a verdadeira
pacificação não nasce do esquecimento, mas da responsabilização; não se
constrói com anistia, mas com verdade, memória e justiça. O julgamento e a
condenação dos golpistas estabelecem para o presente e para o futuro: a
democracia é inegociável.
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