Regulação digital não pode ficar restrita a aspecto econômico
Por O Globo
Projeto que amplia poder do Cade sobre
plataformas é avanço. Mas é essencial resgatar também PL das Redes Sociais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
encaminhou ao Congresso um Projeto de Lei que reforça os poderes do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para que possa supervisionar a
atividade das grandes plataformas digitais. O objetivo declarado pelo Executivo
é garantir a concorrência num setor da economia que tende a concentrar-se à
medida que a tecnologia evolui.
O projeto amplia as atribuições do Cade criando uma Superintendência de Mercados Digitais (SMD), responsável por monitorar o setor. A SMD definirá as obrigações das plataformas, e o Cade estará aberto a reclamações. O foco da legislação são as corporações com faturamento anual acima de R$ 5 bilhões no país e de R$ 50 bilhões no mundo. Estão enquadradas nesse critério empresas como Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Alphabet (dona de Google e YouTube), TikTok, Apple, Microsoft, Mercado Livre ou iFood.
É uma iniciativa bem-vinda, sobretudo levando
em conta os diversos processos a que as plataformas digitais têm sido
submetidas mundo afora, com base em leis antitruste. O Google já foi condenado
por abuso de monopólio em seu serviço de busca nos Estados Unidos e ainda
enfrenta outra ação ligada a seu sistema de anúncios. A Comissão Federal de
Comércio (FTC) americana também processa a Amazon, acusada de manter usuários
presos ao sistema Prime e de favorecer vendedores que usam sua rede logística.
A Comissão Europeia já obrigou o Google a pagar quase € 10 bilhões em multas em
quatro casos. Também multou a Apple em € 1,84 bilhão, em razão de queixa aberta
pelo Spotify (a Apple aguarda recurso). Na Austrália, tanto Google quanto Apple
enfrentam processos em razão das taxas cobradas nas lojas de aplicativos para
celular.
O Brasil, portanto, não inova ao tentar
disciplinar a concorrência no universo digital. Seria oportuno, contudo, que o
governo não negligenciasse os demais aspectos da regulação. Depois que o
Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 19 do Marco
Civil da Internet, as plataformas passaram a ser corresponsáveis pelo conteúdo
que veiculam em situações específicas. A regra criada pelo Supremo representou
um avanço, mas também despertou dúvidas. O ideal seria a Câmara voltar a
examinar o Projeto de Lei das Redes Sociais, aprovado pelo Senado em 2020.
É necessário retomar essa discussão à luz dos
progressos ocorridos durante os últimos cinco anos. As plataformas tornaram-se
ainda mais poderosas com o advento das ferramentas de inteligência artificial.
Os riscos para os usuários também cresceram, como demonstram denúncias recentes
de abusos contra crianças que ganharam o noticiário. As redes continuam a ser
usadas para todo tipo de finalidade criminosa sem que assumam responsabilidades
compatíveis. É certo que, sob Donald Trump, a Casa Branca tem feito pressão
para retaliar países que tentem impor alguma disciplina ao meio digital. Mas
isso em nada muda a necessidade urgente da sociedade. A proteção contra os
abusos digitais não pode se restringir ao campo econômico.
China reluta a ocupar espaço aberto pelos EUA
em organismos globais
Por O Globo
Saída americana de OMS, Unesco e outras agências da ONU por enquanto só tem resultado em crise financeira
A retirada dos Estados Unidos de organismos
internacionais e o corte de programas de auxílio criaram a expectativa de que o
espaço americano fosse ocupado por outros países, em especial a China. Mas, por
enquanto, o desengajamento americano tem resultado apenas em crise financeira
nesses organismos e programas. Nada tem substituído a ajuda e a influência
americanas.
O melhor exemplo é a Organização Mundial da
Saúde (OMS). Horas depois de Donald Trump tomar posse, entre as dezenas de
ordens executivas que assinou estava a saída dos Estados Unidos da organização,
onde os americanos respondem por 18% do orçamento. Como a medida leva um ano
para surtir efeito, a OMS cortou em um quinto sua previsão de receitas, para
US$ 4,2 bilhões. Ao mesmo tempo, um grupo de países incluindo China, Catar e
Suíça se comprometeu a contribuir com mais US$ 170 milhões. Mesmo assim, será
pouco. As contribuições totais da China em 2024 somaram US$ 202 milhões, ante
US$ 959 milhões dos Estados Unidos. É difícil acreditar que a perda da verba
americana será de alguma forma compensada, uma vez que a estratégia chinesa é
influir na saúde global por meio de acordos bilaterais, que não passam pela
OMS.
Na posse, Trump também ordenou o congelamento
por 90 dias de toda ajuda externa americana, para submetê-la a análise. No
início de julho, a Usaid, antes responsável pela implementação de dezenas de
programas, foi fechada, com atividades absorvidas pelo Departamento de Estado.
Apesar de terem sido mantidas exceções humanitárias pontuais, foram
prejudicados programas de saúde e projetos civis em países como Etiópia, Haiti,
Congo, Ucrânia, Afeganistão, Líbano, Iraque, Somália e Síria. A China opera
nessas regiões por meio de empréstimos e projetos de investimento, e não por
doações. Será, portanto, incapaz de suprir a falta.
Também em fevereiro, Trump assinou ordens
executivas retirando os Estados Unidos da Unesco, agência das Nações Unidas
para educação, ciência e cultura, e do Conselho de Direitos Humanos da ONU. As
justificativas da Casa Branca citam tendências “esquerdistas” e posições
antissemitas atribuídas a essas entidades. Na Unesco, ainda que o baque
orçamentário seja menos relevante, haverá necessidade de ajustar programas de
apoio à educação de meninas em países abalados por guerras e acidentes naturais
ou em projetos de difusão de conhecimento sobre mudanças climáticas e de apoio
ao desenvolvimento sustentável.
A China em tese é o segundo maior país em contribuições para a ONU, mas tem atrasado pagamentos, prejudicando a execução de vários projetos. O atraso chinês era de dois meses em 2021, mas subiu para dez em 2024, segundo o jornal Financial Times. Com os Estados Unidos também reduzindo suas contribuições, a ONU se viu obrigada a cortar 17% no orçamento deste ano, ou US$ 600 milhões. O isolacionismo de Trump abriu espaço para outros países conquistarem influência, mas Pequim parece relutante a pagar o preço necessário para ocupá-lo.
Com Eduardo Bolsonaro líder, PL vira partido
lesa-pátria
Por Folha de S. Paulo
Legenda indicou filho 03 do ex-presidente
para cargo de liderança no intuito de tentar salvar seu mandato
É inaceitável que tal acinte siga adiante.
Deputados, sobretudo o presidente da Câmara, Hugo Motta, precisam tomar
providências
O PL, maior partido de
oposição na Câmara dos
Deputados, decidiu se converter em nanico moral ao articular uma
manobra infame destinada a salvar o mandato de Eduardo
Bolsonaro, conspurcado pelo número excessivo de faltas registradas
pelo congressista.
Deputado
federal eleito pelo PL de São Paulo, Eduardo está desde o dia
20 de março nos Estados
Unidos, onde vive com o dinheiro do contribuinte. Seu sonho
americano em nada se liga à missão parlamentar; ao contrário, o filho 03
de Jair
Bolsonaro (PL) se dedica tão-somente a arquitetar maneiras de
prejudicar o Brasil.
Lá estava ele quando Donald Trump,
presidente dos EUA, decretou taxação de 50% sobre parte das exportações
brasileiras. Lá estava ele quando se mobilizaram sanções contra ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) e outras autoridades
nacionais.
E, por inacreditável que possa parecer, lá
estava ele quando a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, aventou a
possibilidade de os EUA utilizarem seu poderio militar contra o Brasil.
Todos esses episódios suscitam consternação
em pessoas de boa índole, mas não em Eduardo. O parlamentar, claramente um
inimigo de seu país, celebrou cada um desses gestos como uma vitória
pessoal, demonstrando sua falta de escrúpulos.
E para que tudo isso? Na vã tentativa de
livrar o pai da cadeia. Para uma cabeça autoritária como a de Eduardo, não
existem leis nem instituições; há apenas ameaça e chantagem, linguagens com as
quais ele pretendia —e pretende— forçar o Supremo a ignorar os atos golpistas.
Pouco importa que a truculência tenha sido
ineficaz, haja vista a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão. As ações de
Eduardo não podem ser esquecidas —muito menos pela Câmara, em cujo nome ele
ainda atua, embora tenha computado mais faltas do que seria admissível.
Suas ausências reiteradas desde março
ensejariam a perda do mandato —e é justamente para evitar esse desfecho que o
PL, em uma jogada prenhe de hipocrisia, resolveu indicar
Eduardo para o cargo de líder da minoria.
Segundo um entendimento de 2015, consta que,
ocupando esse posto, o deputado estaria dispensado de marcar presença nas
sessões. Trata-se, por óbvio, de um escárnio. Eduardo seria, assumidamente, um
líder laranja, já que a verdadeira função caberia a Caroline de Toni (PL-SC).
É inaceitável que esse acinte siga adiante.
Os demais deputados, e sobretudo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
não podem lavar as mãos e cruzar os braços. É necessário que tomem as devidas
providências, sob pena de serem ainda mais desmoralizados.
Quanto a Eduardo e seus correligionários, estes parecem imunes a argumentos lógicos e democráticos. Talvez cientes de que não há mais volta do caminho que escolheram, parecem aceitar de bom grado a transformação do PL no "partido lesa-pátria".
Liberdade de expressão sob ataque de Trump
Por Folha de S. Paulo
Humoristas têm programas cancelados; um caso
envolve autorização para fusões no mercado
O chefe da Comissão Federal de Comunicações
disse que programação da ABC que não "servisse ao público" deveria
ser substituída
Apresentadores de TV críticos a Donald Trump,
presidente dos EUA, estão sendo alvos de intimidação.
Em julho deste ano, o comediante Stephen Colbert não teve seu contrato renovado
pela CBS, maior emissora de TV aberta do país, pondo fim aos 33 anos do
"The Late Show". A empresa alegou questões financeiras em um
"ambiente desafiador".
Na quarta (17) o programa de Jimmy Kimmel foi
suspenso na ABC após comentários feitos pelo comediante sobre o assassinato
do ativista conservador Charlie Kirk, que criticavam o uso político
da tragédia por grupos de direita —no dia da morte de Kirk, Kimmel condenou o
ato e prestou condolências à família da vítima.
Nos dois caos, houve pressões por parte do
governo. Colbert qualificara de "suborno" o pagamento de US$ 16
milhões que a proprietária do canal, a Paramount, fez a Trump para evitar
processo judicial em relação a entrevista com Kamala Harris em 2024 —ele
acusava o meio de editar o vídeo de modo a favorecê-la.
Ademais, emissoras e empresas de comunicação
dependem do governo para aprovar fusões e aquisições nesse mercado.
O chefe da Comissão Federal de Comunicações,
principal órgão regulador de mídia do país, Brendan Carr, declarou que a
programação da ABC que "não servisse ao público" deveria ser
substituída. Horas depois, o programa de Kimmel foi suspenso.
A Nexstar, dona de 32 estações afiliadas à
ABC, que interrompeu a transmissão do "Jimmy Kimmel Live!" antes da
ABC, busca
autorização para uma grande fusão com outra empresa do setor.
Em outra frente, o Departamento de Defesa
passou a exigir que jornalistas credenciados obtenham a aprovação do
governo para publicar qualquer informação, confidencial ou não, que
diga respeito à pasta. Os profissionais que não cumprirem a determinação podem
perder a autorização de acesso ao Pentágono.
Intervenção direta ou indireta nos meios de
comunicação é medida de autocratas. À esquerda, em 2009, o então presidente
venezuelano Hugo Chávez tentou revogar a licença da última rede de TV aberta
crítica ao regime no país. À direita, o presidente húngaro Viktor Orbán tem
adquirido, por meio de oligarcas aliados ao governo, empresas de mídia a fim de
silenciar dissensos.
Trump caminha na mesma direção autoritária. Na quinta (18), afirmou que a licença de emissoras contrárias a ele deveriam ser retiradas, afrontando a legislação americana, a mais ampla do mundo na proteção do direito à liberdade de expressão.
Captura de instituições fragiliza a
democracia
Por O Estado de S. Paulo
Interesses privados têm predominado no
Legislativo e no Judiciário. O resultado disso é a apatia de grande parte da
sociedade, que não se vê nos arranjos políticos feitos em seu nome
O Brasil vive um momento particularmente
perturbador. Algumas instituições às quais cabe organizar a vida do País
parecem ter sido definitivamente capturadas pelos interesses privados de seus
cada vez mais desinibidos integrantes. O resultado disso, perigosíssimo, é a
apatia de grande parte da sociedade, que não se enxerga nos arranjos políticos
feitos em seu nome e tende a desvalorizar a própria ideia de democracia –
abrindo uma avenida para o bonapartismo de aventureiros desqualificados que
prometem governar diretamente com o povo, sem as amarras institucionais.
Partiu do Congresso o mais recente exemplo
dessa degeneração, com a aprovação, pela Câmara, de um projeto ultrajante, que
na prática coloca os deputados e senadores acima da lei. Ainda é possível derrubá-lo
no Senado, mas só o fato de ter sido aprovado com expressiva votação, de quase
todos os partidos, indica que os senhores parlamentares não estão nem um pouco
preocupados com a repercussão de tamanha desfaçatez entre os eleitores.
E isso faz sentido: nos últimos anos, os
políticos encontraram diversas maneiras de financiar partidos e campanhas
eleitorais sem precisar convencer eleitores a apoiá-los. O dinheiro jorra de
bilionários fundos públicos, que crescem em proporção geométrica ano a ano, e também
da cornucópia de emendas parlamentares ao Orçamento, que são distribuídas com
escassa fiscalização, conforme interesses paroquiais, ou simplesmente desviadas
para bancar relações corruptas. É esse patrimônio que, hoje, decide eleições,
dispensando boa parte dos políticos de apresentar propostas aos eleitores para
ganhar votos ou mesmo de representá-los de fato no Congresso, uma vez eleitos.
Entrementes, os eleitores são levados a crer
que “participação política” é bater boca nas redes sociais, distorcendo os
propósitos da política numa democracia. Enquanto o País se distrai com o circo
dessa “polarização” artificialmente criada e alimentada por aqueles que dela se
beneficiam, perdem-se de vista quais são as reais necessidades do País,
deixando confortáveis os que, seja posando de paladinos da liberdade de
expressão, seja apresentando-se como intérpretes dos pobres, vivem de rapinar
os dinheiros públicos.
Mas o Congresso, infelizmente, não é um raio
em céu azul. O Judiciário, como se sabe, insula-se cada vez mais em seu mar de
privilégios. Parece muito confortável com os inúmeros penduricalhos que fazem
troça do teto salarial do serviço público. Questionados, alguns magistrados
reagem indignados, como se o populacho não compreendesse a missão civilizatória
que lhes cabe desempenhar.
Antes fosse só pelo dinheiro. Cheios dessa
certeza moral, alguns ministros da mais alta Corte do País, por exemplo,
consideram-se acima de miudezas como o Regimento Interno ou a Constituição e
entregam-se de corpo e alma à tarefa de obrigar o Brasil a converter-se à sua
visão de mundo, sem ter um único voto popular para isso. Essa militância
desabrida ajudou a fazer do Supremo Tribunal Federal (STF) o principal ator
político do País, com poder incomparável sobre as demais instituições. Além de
mandar prender e soltar conforme suas conveniências, de instaurar inquéritos
infinitos e de tomar decisões monocráticas gravíssimas sem submetê-las ao
colegiado, o STF legisla e negocia, como se Parlamento fosse – e denuncia como
“ataque à democracia” qualquer tentativa de lhe impor algum limite.
Como estão hoje, Legislativo e Judiciário
parecem em guerra aberta entre si pela manutenção de seus espaços de poder.
Nesse campo de batalha, estropia-se o Brasil, e não parece haver, num futuro
previsível, a possibilidade de uma trégua. Onde estão os líderes capazes de
desarmar esse estado de ânimo? Por ora, não se vê ninguém à altura desse
desafio, mas líderes assim não surgem por abiogênese: é a sociedade que deve
produzi-los – e para isso precisa acreditar que, malgrado as aparências, a
democracia ainda é o melhor regime político.
Mais um drible no Orçamento
Por O Estado de S. Paulo
Excepcionalidade vira regra fiscal, como
comprova a aprovação, na CAE do Senado, de projeto que retira gastos com
tarifaço dos EUA das contas de 2025 e 2026
De exceção em exceção, o Orçamento federal,
que deveria funcionar como o mais importante instrumento no planejamento das
prioridades do País, se transforma em peça inútil, com tantos desvios que fica
quase impossível conferir o real impacto das saídas de dinheiro dos cofres
públicos. No mais recente deles, R$ 9,5 bilhões deixarão de ser contabilizados
no cálculo das metas fiscais de 2025 e de 2026. Trata-se de créditos
extraordinários e renúncias fiscais que integram o pacote de R$ 30 bilhões para
mitigar danos do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump.
A aprovação do projeto por unanimidade na
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado indica que a votação em
plenário, para onde seguiu em regime de urgência, seguirá sem percalços. E
assim se abre mais uma exceção num Orçamento que, ao ser apresentado ao
Congresso, há cerca de um mês, já permitia descontar R$ 57,8 bilhões em despesas
que não entrarão no cálculo fiscal, como uma parcela dos precatórios, com o
aval do Supremo Tribunal Federal.
A afronta às regras orçamentárias não é de
hoje. O governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, chegou a 2022 na iminência de
apagão administrativo por falta de recursos e furou o teto de gastos (regime
fiscal substituído pelo arcabouço do governo Lula) em R$ 794,9 bilhões durante
o seu mandato, como apontou levantamento do economista Bráulio Borges,
pesquisador do FGV Ibre, feito no final daquele ano a pedido da rede BBC. Os
gastos fora da planilha incluíam medidas de enfrentamento à pandemia, mas
também uma farra de benefícios que visavam a angariar apoio eleitoral, como o
aumento de 50% do Auxílio Brasil, que passou a pagar R$ 600 mensais a mais de
20 milhões de famílias.
A PEC da Transição, uma proposta da equipe de
Lula aprovada ainda antes de sua posse, permitiu ao novo governo abrir uma
claraboia de R$ 145 bilhões no teto de gastos em 2023 para bancar também
políticas públicas como o Auxílio Brasil, que voltou a se chamar Bolsa Família,
mas manteve o valor. Neste mês, de acordo com dados do Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, o benefício médio ficou em R$ 682,22.
O arcabouço fiscal, com regras mais
facilitadas do que as do teto de gastos – com aumento das despesas condicionado
ao crescimento da arrecadação, e não mais à inflação –, é contínua e
descaradamente lesado, ora com mudança de metas, ora com previsões de receitas
orçamentárias que não se confirmam, ou, como é ainda mais comum, com a retirada
de despesas do cálculo, geralmente sob a justificativa de sua excepcionalidade.
O leque de “emergências” é amplo e abriga eventos climáticos, investimentos de
estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pagamentos de precatórios
e pacote de ajuda aos exportadores.
O PLP 168/25, aprovado na CAE do Senado,
prevê crédito extra às companhias que aderiram ao Reintegra, programa que
oferece redução de tributos como incentivo às exportações, exclui da meta
fiscal créditos extraordinários e renúncias fiscais para combater o tarifaço de
Trump e abre brechas para mais gastos ou renúncias fiscais à margem do
resultado primário do governo. Além disso, autoriza a União a aumentar suas
participações no Fundo Garantidor de Operações (em até R$ 1 bilhão), no Fundo
Garantidor de Operações de Crédito Exterior (até R$ 1,5 bilhão) e no Fundo
Garantidor para Investimentos (R$ 2 bilhões), aportes que irão financiar o
apoio a exportadores. Não há argumento que justifique manter essas despesas e renúncias
fiscais fora das metas do resultado primário, como prevê a Lei de
Responsabilidade Fiscal, em sua visão mais básica: tem de haver receita para
compensar novas despesas.
As consequências de gastos públicos acima da
arrecadação são amplamente conhecidas. Para evitar o prejuízo certo, que chega
na forma de aumento de déficit, de endividamento e, no limite, da incapacidade
do governo de arcar com as despesas mais corriqueiras, existe a meta fiscal,
que visa a equilibrar receitas e despesas. Mas o governo e o Congresso tratam a
meta como peça de decoração.
A dependência da China
Por O Estado de S. Paulo
Chineses compram mais do Brasil, compensam em
parte o tarifaço e crescem na pauta brasileira
Os dados de agosto, primeiro mês de vigência
do tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao Brasil, mostraram
que os efeitos para as exportações brasileiras foram rápidos e profundos, além
de atingir distintamente cada Estado e tipo de produto. As restrições
norte-americanas empurraram ainda mais o Brasil para o colo da China, desde
2009 o maior destino das exportações brasileiras, desbancando a liderança dos
EUA.
A diversificação de destinos, saída para
impedir que o Brasil fique refém deste ou daquele mercado, continua aquém do
necessário e é tarefa árdua diante do custo elevado que torna os produtos
manufaturados brasileiros pouco competitivos no mercado internacional. As
exportações para os EUA, de US$ 2,762 bilhões em agosto, representaram queda de
27,7% em relação a julho e de 18,5% ante agosto de 2024.
Reportagem do Estadão mostrou que o
aumento das vendas para China e Argentina compensaram as perdas no comércio com
os EUA, o que simultaneamente representa um alívio, ao menos temporário, e
confirma a grande dependência do Brasil de seus três principais parceiros. Para
a Argentina, a compra da carne brasileira para abastecer o mercado interno e o
aumento da exportação da carne argentina foram uma solução oportuna. Para o
Brasil, isso apenas resolveu um problema imediato.
Já a China elevou a compra de commodities
brasileiras, em particular a soja, para sustentar a estratégia de reduzir ao
máximo as importações dos EUA. A saída para o Brasil foi a possível e atesta a
dificuldade de diversificação mais substancial do comércio exterior. A China se
mantém há 16 anos como nosso maior parceiro, tanto em exportações quanto em
importações, e tende a consolidar ainda mais a posição com a política de Trump.
Numa relação desigual: com vendas brasileiras concentradas em commodities,
enquanto as compras do mercado chinês são de produtos industrializados. A
Argentina é o terceiro da lista, atrás dos EUA.
Levantamento do FGV Ibre aponta que o peso
dos EUA na pauta brasileira caiu de 11,9% em julho para 9,2% em agosto, mas é
preciso esperar os resultados de setembro e de outubro para saber o quanto
dessa perda é estrutural. Monitoramento da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB) verifica que, em setembro, a queda diária tem correspondido a US$
100 milhões, o que indica que as exportações devem perder como um todo.
A AEB já estima para este ano superávit comercial em torno de US$ 54 bilhões, projeção que, se confirmada, significará um baque de quase 30% em relação ao recorde de US$ 74,55 bilhões do ano passado. O governo Lula da Silva destacou, na época, as vendas da indústria de transformação (US$ 181,9 bilhões, maior valor desde 1997) como um dos principais fatores para o saldo. Setores de alimentos e metalurgia, que ficaram entre os principais exportadores, estão também entre as maiores vítimas do tarifaço. A partir de 2033, com o fim da transição da reforma tributária, os preços dos produtos brasileiros podem estar mais competitivos. Até lá, será preciso muito esforço e estratégia para abrir novos mercados.
Duas propostas indecentes
Por Correio Braziliense
O PL da Anistia e a PEC da Blindagem
receberam votação expressiva de parlamentares. É uma nova demonstração de que
parte relevante do Legislativo está de costas para a sociedade
As votações da Câmara dos Deputados na última
semana tiveram o condão de abrir as portas para duas tragédias iminentes. O
primeiro vexame atende pelo nome de PEC da Blindagem, espécie de passe livre
para que o crime organizado se infiltre na elite política do país. A segunda
ignomínia é o projeto de lei da anistia para os participantes da trama
golpista. Sem meias palavras, essa iniciativa desmoraliza o Supremo Tribunal
Federal (STF), instituição que tem desempenhado papel fundamental na defesa do
Estado Democrático de Direito e que, há pouco mais de uma semana, protagonizou
um julgamento histórico e de repercussão internacional.
Começando pela PEC da Blindagem, a proposta
engendrada pelo Centrão é vista como um escudo para as arguições do STF contra
membros do Legislativo, em particular no tratamento das emendas parlamentares.
Um dia após a aprovação do texto na Câmara, o ministro Flávio Dino determinou
prazo para que a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República
se manifestem em relação às regras para execução das emendas. Especula-se que
as investigações em curso sobre irregularidades no direcionamento de verbas públicas
alcancem 80 membros do parlamento. E isso provoca arrepios a quem gosta de
manipular o dinheiro do contribuinte na alcova.
Seria tudo essencialmente um problema
político não fosse o grave perigo que se estabeleceu, com severas consequências
para a segurança pública. Ao impor obstruções a processos judiciais e — mais
grave — estabelecer o voto secreto para manter ou suspender a prisão de um
parlamentar, os deputados criaram a cobertura ideal para abrigar toda sorte de
bandidagem. Sob proteção do anonimato, organizações criminosas poderão
infiltrar um representante no Legislativo e utilizar os meios necessários para
chantagear, ameaçar e corromper na capital da República. Foi exatamente isso
que o crime organizado fez ao construir um braço financeiro de bilhões de
reais, como revelou a operação Carbono Oculto. Em suma, os deputados deram a
chave de casa para os bandidos profissionais entrarem.
Em relação à proposta da anistia para os
inimigos da democracia, diga-se que, a cada dia, se torna mais vexatória. A fim
de amainar a indignação daqueles que consideram inadmissível o que ocorreu
entre 2022 e culminou no 8 de Janeiro, retirou-se o termo "anistia" e
busca-se agora elaborar um tal de PL da Dosimetria. Como se uma mudança
semântica diminuísse a gravidade da iminente ruptura institucional que rondou o
Brasil nos estertores do governo Bolsonaro.
O PL da Anistia constitui um insulto à
democracia brasileira. Sob o falso argumento de que contribuiria para a
pacificação do país, essa iniciativa nada mais é do que um estratagema para
reabilitar golpistas condenados e atenuar a infâmia que foi cometida contra o
Estado Democrático de Direito. É a senha para novas ações antidemocráticas. Em
resposta aos convescotes no meio político, o ministro Alexandre de Moraes, um
dos poucos a tratar do tema em público, foi direto ao ponto: "O STF não faz
acordos".
Escandalosos desde o nascedouro, o PL da Anistia e a PEC da Blindagem receberam votação expressiva de parlamentares. É uma nova demonstração de que parte relevante do Legislativo está de costas para a sociedade. Atua, mais uma vez, para atender interesses próprios e colocar o país no caminho da impunidade.
Um viva aos 35 anos do SUS
Por O Povo (CE)
É a principal rede de assistência para 76%
dos brasileiros e o maior sistema público, gratuito e universal de saúde do
mundo. O Sistema Único de Saúde (SUS) chegou aos 35 anos na última sexta-feira,
19, realizando anualmente cerca de 2,8 bilhões de atendimentos e tendo
aproximadamente 3,5 milhões de profissionais em atuação. É inegável que o SUS
tenha mudado a realidade do acesso à saúde, elevando a qualidade de vida da
população.
No ano de 2024, conforme o Governo Federal, o
País chegou ao recorde histórico no SUS, tendo executado 30 mil procedimentos.
Além disso, a rede pública realiza gratuitamente serviços de altíssima
complexidade como transplantes, tem dedicação à média e à alta complexidades
(internações, cirurgias, quimioterapia e radioterapia), está no atendimento em
prontos-socorros e UPAs e presta assistência farmacêutica (com o fornecimento
gratuito de medicamentos, inclusive imunossupressores, necessários para toda a
vida dos transplantados), para citar alguns exemplos da atuação do Sistema. O cuidado
com a atenção primária (como consultas, exames laboratoriais e vacinação) e a
saúde mental são questões que muito têm sido debatidas nos últimos anos.
Destaca-se que o Sistema tem também o maior
programa público de vacinação da América Latina, o chamado Programa Nacional de
Imunizações (PNI). São disponibilizados atualmente 48 imunobiológicos - desses,
são 31 vacinas, 13 soros e 4 imunoglobulinas. Essas ações contribuíram, de modo
significativo, para marcos como a erradicação da poliomielite, em 1994, até
resultados mais recentes como a recertificação de país livre de sarampo. É
preciso ressaltar que o Brasil foi pioneiro na oferta de vacina contra a
dengue.
Essa trajetória bem-sucedida de
fortalecimento do SUS é marcada por políticas e programas que acumulam números
e histórias positivas no atendimento universal reconhecidamente eficiente e
justo. São exemplos as criações do Samu 192 (em 2003), do Brasil Sorridente (em
2004), do Farmácia Popular (em 2004), da Hemobrás (em 2004), da Rede Cegonha -
atual Rede Alyne (em 2011), do Programa Mais Médicos (em 2013), do Brasil
Saudável (em 2024) e do Agora Tem Especialistas (em 2025).
É certo que há muitos desafios na saúde
pública a serem enfrentados. A sobrecarga do sistema, com longos períodos de
espera, a escassez de recursos, a demora no atendimento e a dificuldade de
acesso a especialistas são alguns pontos que merecem atenção constante e
urgente dos governos. Assim, o financiamento deficitário é questão que precisa
ser mais bem desenvolvida de forma que o orçamento em todas as esferas
contribua para evitar longas e desiguais filas pelo Brasil adentro.
Assim, faz-se necessário louvar o
reconhecimento - inclusive internacional - que tem o SUS, a partir de quem tem
a oportunidade de conhecer o modelo. Ajustes, porém, são sempre necessários a
fim de se busque o fortalecimento do Sistema para estender seus benefícios ao
maior alcance possível, em especial com foco nos setores mais carentes da
população.
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