O Globo
O momento é de disputa com o crime
organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da
população
O debate sobre a segurança pública no país, que pela primeira vez em muito tempo está saindo do papel para entrar na realidade do cotidiano dos brasileiros, pode estar gerando uma ação política eficaz se os lados que se contrapõem entenderem que o momento é de consenso, e não de disputa. Ou melhor, o momento é de disputa com o crime organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da população. Pelo andar dos debates, ainda não se convenceram disso, e a dificuldade maior está no momento em que ele se dá, vésperas da eleição presidencial.
Prevê-se que o tema será decisivo, e,
portanto, os dois lados querem ter a glória de dizer que venceram a discussão.
Faz parte da política, mas seria preciso maior grandeza, farol alto, acima das
picuinhas da política paroquial, para que o país possa se desvencilhar das
teias do crime organizado para olhar para o futuro, que será diferente de
acordo com as forças eleitorais que predominem, mas será ruim para quaisquer
delas se nos tornarmos reféns do narcotráfico internacional.
A tática da direita, de forçar um olhar
radical sobre o problema, comparando-o ao terrorismo internacional, para, no
limite, permitir uma intervenção estrangeira, não favorece os investimentos,
nem internos, muito menos externos. Quem quer colocar seu dinheiro em um país
dominado pelo terrorismo, pelo tráfico internacional? Ou num país invadido
pelos Estados Unidos como última solução para seus problemas? Também à esquerda
no poder não serve a fama de ser um país leniente, quase conivente, com a
bandidagem.
Para um partido como o PT, que se vê às
voltas permanentemente com denúncias de corrupção, a fama de não ter ânimo
ideológico para combater a bandidagem, com uma visão anacrônica de direitos
humanos que exclui de suas preocupações as vítimas dos traficantes e
milicianos, não é um bom prognóstico. O que está se discutindo no projeto de
lei antifacção são questões técnicas, e para isso há diversos especialistas que
poderiam ser ouvidos. Mas não se chega a um consenso porque virou uma discussão
política. E o crime organizado parece que tem mais consenso do que as
instituições da realidade oficial, e vai avançando.
A direita, que é vista como a parte que mais
se dedica à segurança pública, tem uma visão muito clara: a solução é prender,
matar, bandido bom é bandido morto. Isto agrada à maioria da população, que se
sente mais segura, embora seja um engano. Só aumenta a dificuldade de se chegar
a uma conclusão. Não é possível fazer uma política de Estado de segurança
pública na base do vale tudo contra bandidos.
Ao mesmo tempo, também não é possível ser
conivente, leniente com a bandidagem. Esta questão técnica virando política
acaba fazendo com que a solução não seja entregue. Fazer cinco versões do
projeto antifacção em uma semana é uma vergonha para todo mundo. Parecem saídos
da inteligência artificial, que faz projetos em minutos. E parece também que só
existe interesse político, que está interferindo na decisão. Ninguém estuda o
assunto, e não tem opinião formada.
Cada vez que uma operação da Polícia Federal
flagra parlamentares de diversos níveis envolvidos com uma das facções do crime
organizado, ou magistrados, ou policiais cívis e militares, cresce o temor de
que a infiltração criminosa já esteja entranhada demais. Por isso é preciso
pressa para uma decisão final, que beneficie o país, não grupos em disputa. A
demora, e os empecilhos que surgem no caminho, só fazem aumentar o incômodo com
a situação, indicando que provavelmente esses obstáculos surgem para favorecer
os envolvidos nas ações criminosas. A classe política não pode colaborar mais
ainda com a percepção que se generaliza de que tem interesses escusos para
defender nesse embate, que é da Nação, não pode ser de grupos políticos, muito
menos de facções.

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