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O Globo
Já
tivemos um governo cujo embaixador em Washington, Juracy Magalhães, dizia que
“o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. Embora a esquerda
latino-americana sempre tenha tido uma relação mais próxima do Partido
Democrata, o governo Lula em 2008 preferia um presidente republicano, porque
seria "menos protecionista" e menos "próximo dos tucanos".
A relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade
entre os ex-presidentes Fernando Henrique e Bill Clinton, uma relação também
especial nasceu entre Lula e Bush, que teve uma convivência mais amistosa com
ele do que com Fernando Henrique Cardoso, que já declarou que sentiu "asco
físico" por Bush.
Provavelmente Bush sentia em Fernando Henrique uma rejeição intelectual que não
acontecia com Lula, cujo temperamento é mais parecido com o dele.
Embora tenha sido Obama que o chamou de “o cara”, fazendo com que sua imagem
internacional se fortalecesse, nunca foram próximos e, em sua
autobiografia “Uma terra prometida”, Obama comentou que soube do envolvimento
do ex-presidente brasileiro em falcatruas, o que irritou Lula.
Com Bolsonaro, voltamos ao tempo em que tudo vindo dos Estados Unidos
conservador e retrógrado de Donald Trump estava bom, embora não tenhamos tido
nenhuma vantagem por esse relação de subserviência ideológica. A vitória de
Biden foi rejeitada pelo governo Bolsonaro até que Trump desistisse de tentar
anular o pleito, e nenhum governo brasileiro torceu tanto por um candidato
quanto o de Bolsonaro por Trump.
A consequência é que vamos ficar, como se previa, isolados, párias na
comunidade internacional, porque estamos na contra mão do mundo ocidental, onde
nos inserimos geopoliticamente. Joe Biden assumiu a presidência dos Estados
Unidos, vai retomar as políticas que fizeram dos EUA uma liderança
mundial: o acordo do clima de Paris, o nuclear com o Irã, e vai voltar à
Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Brasil está agora sobrando. Não consegue ficar bem nem com os governantes com
a mesma tendência. Narendra Modi, o Primeiro-Ministro da Índia, é um político
de direita que poderia ser uma ligação com Bolsonaro, mas entramos em conflito
com a Índia por causa de interesses americanos ao não apoiar a reivindicação de
quebra de patentes na pandemia que favoreceria as empresas indianas, maiores
fabricantes de insumos farmacêuticos.
A resposta veio com o retardamento das doses de vacina contra a COVID-19 para o
Brasil. É inacreditável que o país não tenha percebido que o BRICS era um
organismo importante geopoliticamente. Desprezou-o até o ponto em que o
Secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo elogiou o Brasil por ter deixado de
lado os BRICS. Nunca houve tanta clareza de que nem sempre os interesses do
Brasil são os dos Estados Unidos.
O Brasil nesses dois anos de bolsonarismo sempre cedeu aos EUA, e entrou em
conflitos desnecessários, com a China, com a Índia, com a Argentina. Uma
política externa tosca, que acha que pode ter uma relação normal com o novo
governo democrata, e pode culpar o embaixador chinês pelos desentendimentos,
depois de praticamente vetar a tecnologia 5G chinesa.
Com Biden vai piorar, porque ele é um outro tipo de político, liberal, e a
nossa relação com os EUA vai ficar muito difícil se não houver uma mudança,
primeiro do chanceler, que está nos envergonhando no mundo. Estamos com uma
perspectiva muito ruim no exterior e o caso das vacinas é uma prova inconteste.
Bolsonaro é pragmático, mudou na política do Congresso da água pro vinho, se
adaptou ao Centrão. Só que para mudar a política externa, teria que evoluir,
mas é quase impossível que venha a ter uma visão ampla da política externa, neutra
em relação a interesses ideológicos específicos.
Faz uma política externa mais ideológica do que a do PT. Bolsonaro não entende
política externa como de Estado.
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