Pressão
sobre PGR o levará a denunciar autoridades sob risco de perder mandato
O
estado de calamidade é a antessala do Estado de Defesa, assim como este
antecede o Estado de Sítio, que é o prenúncio de um golpe de Estado. Quem faz
esta escalada é um ministro do Supremo Tribunal Federal estarrecido com a nota
em que o procurador-geral da República, Augusto Aras sugere a decretação de um
Estado de Defesa.
O
PGR não se limitou a perder os aliados ocasionais com os quais contava no
Supremo. A autoridade cuja missão constitucional é a defesa do regime
democrático acenou com uma medida que levaria o país, 35 anos depois do fim da
ditadura, a um regime de exceção na véspera de os Estados Unidos se despedirem
da maior ameaça autoritária de sua história. A conspiração do PGR também se deu
24 horas depois de o presidente da República declarar que são as Forças Armadas
que decidem se um povo vive sob democracia ou ditadura.
Aras
ofereceu tapete vermelho para um presidente cercado por livre e espontânea
iniciativa. Jair Bolsonaro amplificou, com a gestão do Itamaraty e da Saúde, a
tragédia da pandemia. Conseguiu brigar com as duas maiores potências do planeta
de uma única vez e colocou, no ministério da Saúde, um titular cuja principal
função é se manter como general da ativa e amarrar as Forças Armadas ao
descalabro da administração federal. Não é com uma carta como aquela que enviou
ao novo presidente americano que Bolsonaro apagará o prontuário de sua política
externa.
A
nota de Aras caiu em Brasília como um gesto desesperado do PGR pela última vaga
que se abrirá no Supremo Tribunal Federal neste mandato de Bolsonaro, a do
ministro Marco Aurélio Mello, em julho. Um outro ministro do Supremo lamenta
que Aras tenha jogado fora todo o esforço de construção de medidas excepcionais
para o enfrentamento da pandemia, como o Orçamento de Guerra, construído por
dentro das instituições, para sugerir, de bandeja, um reforço unilateral dos
poderes do presidente da República. O ministro Dias Toffoli foi o único a lhe
prestar solidariedade (“Tem atuado do ponto de vista a não trazer problemas”).
Na
nota, Aras se limita a prestar contas da investigação criminal sobre o
governador do Amazonas e o prefeito de Manaus mas delega ao Legislativo a
persecução de “eventuais ilícitos” que levem à responsabilização dos Poderes da
República. No afã de se defender, o PGR se omite. Há registro de pelo menos 51
casos de asfixia por falta de oxigênio em Manaus, apesar de documentadas advertências
ao Ministério da Saúde sobre a falta iminente do insumo.
Por mais que o ministro Eduardo Pazuello agora se exima da prescrição de medicamentos sem efeito para a Covid-19, há portarias que a registram e um aplicativo para celular, que o Ministério da Saúde colocou e depois tirou das plataformas, em que o cadastrado também recebe a mesma orientação para uso dos medicamentos. A conclusão de que o PGR prevarica é de um supremo togado: “Omite-se ante homicídio doloso”.
A
avaliação no Ministério Público é a de que Aras, de fato, errou a mão depois
que os procuradores, acuados por perseguições internas, foram acordados pela
tragédia manaura. Hoje viram a noite para coletar evidências e instruir
denúncias que, engavetadas pelo PGR, acabam chegando à imprensa. Da primeira
vez em que foi acossado para representar contra o presidente, no primeiro
semestre do ano passado, durante os atos antidemocráticos e ante as evidências
de interferência na Polícia Federal, o PGR respondeu puxando o ex-ministro
Sérgio Moro para a roda. Angariou simpatia tanto no Congresso quanto no Supremo
Tribunal Federal. Naquele momento, Aras conseguiu transformar a pressão por uma
denúncia contra o presidente numa revanche contra a Lava-jato.
Agora,
sem poder lançar mão do mesmo recurso, o PGR foi para o tudo ou nada. A nota de
Aras azedou a campanha do candidato governista à Presidência da Câmara. Arthur
Lira já tinha até aderido ao auxílio emergencial na tentativa de pôr fim ao fla
x flu na Casa. Sinalizou aos seus pares que, ao abrigar o auxílio emergencial,
impediria a corrosão na popularidade do governo, mantendo viva a galinha dos
ovos de ouro da rapaziada. A adesão enfureceu o ministro da Economia, Paulo
Guedes.
Quando
parecia que Lira estava a caminho do pódio, Aras despejou a nota e reacendeu o
nós contra eles, uma polarização amplificada e repaginada pela vacina. Tem até
empresário bolsonarista raiz que hoje dá entrevista para cobrar a vacina sob a
condição de não responder perguntas sobre seu apoio eleitoral ao presidente. Se
há resistência parlamentar ao impeachment, maior ainda é o rechaço a um
instrumento que restringe as liberdades individuais num momento em que as
pessoas se vêem cerceadas em seu direito à saúde (vacina) e sobrevivência
(auxílio).
Se
a nota de Aras azedou a vantagem de Lira, no Senado ocorre o inverso. É o
futuro do próprio PGR que está em jogo. Dê Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ou Simone
Tebet (MDB-MS), Aras não parece salvaguardado de um processo de impeachment. Em
nenhuma instituição, porém, a pressão é tão grande quanto naquela encabeçada
pelo PGR. Seis dos oito integrantes do Conselho Superior do Ministério Público
manifestaram ontem um rechaço público à nota de Aras cobrando a
responsabilização de agentes públicos como atuação mais condizente com o Estado
de direito do que sua menção ao Estado de Defesa.
O
próximo passo é a convocação do Colégio de procuradores. A última vez em que o
colegiado se pronunciou foi na disputa de prerrogativas entre Ministério
Público e Polícia Federal configurada na PEC 37. A defesa dos poderes do MP
acabou por ser uma das principais bandeiras de mobilização das manifestações de
junho de 2013.
Sob um cerco desta magnitude Aras ruma para se deparar com duas opções. A primeira é continuar a desafiar a missão que lhe foi conferida pela Constituição e perder seu mandato. A segunda é se conformar em ter chegado ao topo da carreira do Ministério Público e exercer seu papel de denunciar o ministro da Saúde e seu comandante-em-chefe.
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