Procurador-geral
cita pandemia para insinuar que Bolsonaro pode decretar estado de defesa;
manifestação sofre fortes críticas de subprocuradores, de parlamentares e na
Corte
Breno
Pires / Pepita Ortega | O Estado de S. Paulo
Em meio a crescente apoio ao impeachment do presidente, nota em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, insinua que Jair Bolsonaro pode decretar estado de defesa e afirma que o tempo é de “temperança e prudência” provocou críticas no Congresso, no STF e no próprio MP.
Diante
do crescente apoio à tese de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, uma nota
pública divulgada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, anteontem,
provocou críticas no Congresso e no próprio Ministério Público e foi
considerada um “desastre” por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na
manifestação, Aras citou a pandemia do novo coronavírus para insinuar que
Bolsonaro pode decretar estado de defesa com o objetivo de preservar a
estabilidade institucional e disse que o tempo é de “temperança e prudência”.
Embora o chefe da PGR não tenha citado a palavra impeachment, o tom de sua nota acendeu o sinal de alerta. A leitura política foi a de que o procurador-geral dá sinais no sentido de preservar Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no momento em que cresce a pressão para tirar o presidente do Palácio do Planalto, sob o argumento de negligência na condução da pandemia do coronavírus. No texto, Aras pôs na conta do Congresso a análise de “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República” e acenou com o risco de a crise desembocar na decretação de um estado de defesa.
A
nota chamou a atenção, ainda, por ter sido divulgada um dia depois de Bolsonaro
ter dito que “quem decide se o povo vai viver na democracia ou na ditadura são
as suas Forças Armadas”. A frase do presidente foi alvo de críticas. Em
seguida, Aras procurou se defender de cobranças sobre o andamento de
investigações que podem desembocar no impeachment de Bolsonaro.
“O
estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa. A Constituição
Federal, para preservar o Estado Democrático de Direito e a ordem jurídica que
o sustenta, obsta alterações em seu texto em momentos de grave instabilidade
social”, afirmou o procurador-geral da República. “A considerar a expectativa
de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com a contemporânea
vacinação, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade
institucional”.
Previsto
no artigo 136 da Constituição, o estado de defesa prevê uma série de medidas
coercitivas, como restrições de direitos de reunião, de sigilo de
correspondência, e de comunicação telegráfica e telefônica. Além disso, acaba
com garantias, como a exigência do flagrante para uma prisão. A medida pode ser
decretada para preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social
“ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por
calamidades de grandes proporções na natureza”. Antes, porém, o presidente
precisa ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional e submeter o texto
ao Congresso.
Perplexidade.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, disse estar “perplexo” com a nota
de Aras. “A sinalização de que tudo seria resolvido no Legislativo causa
perplexidade”, afirmou o magistrado ao Estadão. “Não se pode lavar as mãos. O
que nós esperamos dele (Aras) é que realmente atue, e com desassombro, já que
tem um mandato e só pode ser destituído pelo Legislativo”.
Seis
dos dez integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal também
demonstraram “preocupação” com o texto e assinalaram que investigar é tarefa da
instituição. “O Ministério Público Federal e, no particular, o procurador-geral
da República, precisa cumprir
o
seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da
persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu
cargo”, escreveram os conselheiros José Adonis Callou, José
Bonifácio
Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca
Frischeisen, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino, todos subprocuradores gerais
da República.
Na
avaliação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a manifestação de Aras
foi a tentativa de empurrar para o Congresso a própria responsabilidade. “Isso
me pareceu uma busca desesperada de tentar se eximir porque existe a pressão de
mais de 210 mil mortes por covid no País. Não há indicativo nenhum de estado de
defesa. Não seria referendado pelo Congresso”, afirmou o senador, que assumirá
a liderança do Cidadania no Senado a partir de fevereiro. A Executiva Nacional
do partido aprovou ontem a defesa do impeachment de Bolsonaro.
Para
a deputada Perpétua Almeida, líder do PCdoB na Câmara, Aras tem atuado “no
mesmo compasso” de Bolsonaro. “Um dia o presidente diz que quem decide se o
País vai ter democracia ou ditadura são suas Forças Armadas. No outro, o Aras
faz esse tipo de ameaça. O que ele está querendo com isso? Flertar com atos
antidemocráticos do presidente?”, observou ela. “Estado de calamidade pública
não pode ser direcionado para estado de defesa. Isso é uma obstrução da ordem
democrática”, disse o líder da minoria na Câmara, José Guimarães.
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