A
habituação normaliza o que, no plano moral, não deveria ser normalizado
"Uma
única morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística". A
frase, ou uma de suas variantes, é normalmente atribuída a Stálin, mas não há
registro confiável de que ele tenha dito algo parecido. Qualquer que seja o
autor da máxima, ela revela de forma criativa uma das mais fascinantes
características da psique humana, a habituação.
Tecnicamente,
a habituação pode ser definida como uma forma de aprendizado e é caracterizada
pela diminuição da intensidade com que respondemos a um estímulo à medida que a
exposição se repete ou se prolonga. No plano valorativo, a habituação é ao
mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
O lado positivo é bem evidente: é a habituação que permite que nos ajustemos a mudanças e sigamos em frente. Se entramos num ambiente em que há um cheiro muito penetrante ou um barulho muito alto, nós inicialmente nos incomodamos. Mas, à medida que a exposição continua e não desencadeia nenhuma emergência, nossa resposta a esses estímulos vai se tornando paulatinamente mais fraca. A ideia é que, se não há nenhuma ameaça, devemos liberar recursos mentais para nos ocupar com outras coisas. É por isso que ela entra na categoria aprendizado.
Obviamente,
a habituação opera não só sobre estímulos sensoriais básicos, como cheiros e
ruídos, mas também sobre situações mais complexas. Seres humanos se acostumam
tanto com o campo de concentração como com uma vida de luxos.
O lado menos brilhante da habituação é que ela normaliza aquilo que, no plano moral, não deveria ser normalizado. É o que está acontecendo agora no Brasil com a epidemia de Covid-19. Estamos há tanto tempo lendo sobre o aumento de mortes e vendo imagens dos congestionamentos de caixões que a carnificina por que estamos passando já não desencadeia em nós a reação adequada, que seria a de exigir dos governantes medidas efetivas e imediatas para minorar a crise.
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