Capinan
conversou com antigos e novos companheiros sobre a sua vida, o Brasil dos anos
60 até à atualidade. A emoção foi grande em rever antigos companheiros que
abrilhantaram a entrevista como o cineasta Vladimir de Carvalho (contemporâneo
de Universidade e do CPC na Bahia), o jornalista Francisco Almeida, o ator Stepan Nercessian, o historiador Ivan Alves
Filho, a ativista social e gestora
pública Rachel Dias, o professor Martin Cezar Feijó, o escritor e ensaísta Luis
Sérgio Henriques, o advogado Roberto Freire (presidente do Cidadania), o
jornalista Renato Ferraz e o diretor
geral da FAP Caetano Araújo. Ainda destacamos a participação dos parceiros
Tomzé, Roberto Mendes, Carlinhos Cor das Aguas, Lula Gazineu e dos amigos
Angela Fraga, Armandinho, Targino, Marcelo Gentil e Antônio Rizério homenageando os 80 do poeta Capinan . Toda a
entrevista está sendo editada e vai ser disponibilizada nas mídias sociais da
Fundação Astrojildo Pereira (WWW.fundaçaoastrojildo.com.br). Desde o seu nascimento no Arraial de Três Rios
e o seu registro no município de Esplanada, na Bahia, e até hoje vivendo em
Salvador, Capinan é e foi um viramundo. Construiu um repertório literário, poético
e musical como poucos da sua geração; enfrentou e continua enfrentando as
dificuldades de um criador da área de cultura, querendo e lutando por um Brasil
brasileiro e universal que seja contemporâneo, democrático, comprometido com as
transformações políticas, econômicas e sociais necessárias, ainda a serem
realizadas pela sociedade brasileira.
Capinan
é um abolicionista do século XX, avançando pelo século XXI na melhor tradição libertária
e humanista do século XIX. De Esplanada veio para Salvador estudar Direito na
Universidade Federal da Bahia (UFBa), em 1960, aos 19 anos. Desde então começou
a sua produção intelectual e um ativismo cultural que o levou a participar de
importantes movimentos políticos, sociais, ambientalistas e culturais acontecidos
no Brasil desde a década de 60.
O Brasil da época estudantil de Capinan em Salvador apontava para um futuro que prometia ser melhor: a industrialização avançava, tínhamos o samba e a bossa nova, éramos bicampeões mundiais com Pelé e Garrincha e o mundo nos olhava com curiosidade e admiração. Brasília estava sendo construída de uma maneira vertiginosa tendo à frente a liderança do presidente Juscelino Kubitschek e as genialidades de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. A Universidade de Brasília tinha Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, entre outros, destacando a importância da educação, apontando novos horizontes e possibilidades de integração e modernização do Brasil, a partir do planalto central.
Anísio
Teixeira tem que ser sempre lembrado como um dos pioneiros da educação moderna
brasileira: fez muito pela educação com a Escola Pública em tempo integral; a
Escola Parque, sistema implantado quando foi secretario de educação e saúde da
Bahia, no final dos anos 40. Essa experiência educacional pioneira de Anísio
foi - nunca é demais lembrar -, um fundamento importante para as transformações
que iriam ali ocorrer nos anos 50, na própria Universidade, na reitoria do
professor Edgar Santos. Assim, quando Capinan
chegou para estudar Direito na UFBa, a Bahia vivia um caldeirão cultural. A Universidade colaborou para a construção de
uma cultura baiana cosmopolita, recebendo intelectuais, professores, escritores
e artistas de todo o mundo. Ainda, a contribuição primordial de Dorival Caymmi,
Jorge Amado e João Gilberto que colocavam a cultura baiana no cenário do país e
do mundo.
Portanto,
a UFBa, a partir dos anos 50, começou a ser protagonista de movimentos
culturais no cinema, no teatro, na pintura, na dança e na música, formando
novas gerações e lideranças de vanguarda da cultura baiana e nacional. O cinema
de Glauber Rocha e o tropicalismo de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tomzé e o
próprio Capinan, entre outros, se destacam pelo impacto causado à cultura
brasileira e os seus desdobramentos posteriores, até à atualidade.
Vivia-se
na Bahia, no início dos anos 60, quando Capinam chegou a Salvador, todas essas
possibilidades de mudanças nos movimentos políticos, culturais e sociais. Ele é
parte integrante e ator privilegiado desse processo. Além de estudar Direito, ele
também foi aluno da Escola de Teatro da UFBA, participou do Centro Popular de
Cultura (CPC), movimento cultural nacional liderado pela UNE e com forte
influência política do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Na Universidade,
conheceu Gilberto Gil e Caetano Veloso, e juntos compuseram a trilha sonora do
filme de Geraldo Sarno, Viramundo, o qual mostrava o fluxo migratório
nordestino para São Paulo.
À
época, fez com Tomzé a encenação de um Bumba meu Boi, em Salvador, e em algumas
capitais nordestinas, espetáculo que era, na verdade, uma denúncia contra a
presença do imperialismo americano no Brasil, o que rendeu a Capinan um
inquérito policial militar. Em 1964, depois do golpe de 1º de abril, ele teve
que sair de Salvador, retornou à casa dos pais, por um breve período, e, em
seguida, foi para o Rio de Janeiro e posteriormente para São Paulo, onde passou
a viver. Na viagem de trem rumo ao Rio, no caminho, ainda em território baiano,
teve o primeiro encontro com o futuro parceiro Moraes Moreira. Ao chegar à
capital paulista, começou a trabalhar como publicitário e incorporou-se na vida
cultural paulistana. Em seguida, foi para o Rio de Janeiro, onde participou de
festivais de música popular brasileira, os quais acabaram se tornando um espaço
de resistência à ditadura.
Além
do Brasil, os militares chegaram ao poder, via ditadura militar, na maioria dos
países da América Latina: em plena Guerra Fria, apoiados pelos Estados Unidos,
em resposta à revolução que avançava em Cuba sob a liderança de Fidel e Che
Guevara, idolatrados por uma boa parte da juventude mundial.
A
morte do Che, em La Higuera, escondido em plena selva da Bolívia pelo exército
boliviano, com apoio da CIA, sensibilizou mentes e corações em todo o mundo. No
dia da morte de Che Guevara (9 de outubro de 1967), Capinan fez Soy Louco por
ti América, em parceria com Gilberto Gil. A música tornou-se um hino
brasileiro-latino americano a favor da integração americana, em homenagem ao líder
guerrilheiro. Embora, como todos sabem e, dito pelo próprio poeta, ele era
contra a luta armada. Eram tempos sombrios, de resistência, prisões, mortes e
exílios no Brasil e em toda a América Latina.
Depois
de um breve período em São Paulo, ele foi para o Rio de Janeiro onde ficou até
o final dos anos 70. Então, Capinan se tornou um dos compositores mais vitoriosos
da sua geração nos festivais de música popular brasileira em parcerias com Edu
Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Jards Macalé. Inicialmente
fez uma poesia crítica e social, com os valores da cultura nordestina, dos
violeiros e cantadores, como fonte de inspiração. Foi, com o passar do tempo, transformando
seus versos, incorporando um lirismo humanista brasileiro e universal. A partir
das parcerias com Paulinho da Viola, ainda nos anos 60, incorporou as mudanças
que são refletidas na sua produção poética e literária.
No
Rio de Janeiro, já conhecido como poeta e compositor, fez a opção de estudar Medicina:
iniciou o curso no Rio de Janeiro e terminou-o na Bahia, na Universidade
Federal. A Medicina, podemos pensar, muito serviu ao poeta para um melhor
conhecimento do ser humano nas possibilidades de cura corporal, psíquica e
emocional. Porém, a poesia falou mais alto, para a felicidade da cultura
brasileira.
Os
trabalhos conjuntos com Geraldo Azevedo, Moraes Moreira, Robertinho do Recife,
Fagner, Batatinha, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Carlinhos Cor das Aguas, Lula
Gazineo, Roberto Mendes, entre outros artistas brasileiros e da Bahia, totalizam
mais de 200 parcerias do poeta Capinan. Assim, o poeta tornou-se um dos maiores
letristas da música popular brasileira com sucessos reconhecidos como o já
destacado “Soy louco por ti América”, com Gilberto Gil; “Clarice”, com Caetano
Veloso; “Ponteio”, com Edu Lobo; “Gotham City”, com Jards Macalé; “Coração
Imprudente”, com Paulinho da Viola; “Moça Bonita”, com Geraldo Azevedo, “Papel Marchê”, com João Bosco; “Cidadão”, com Moraes Moreira; “Yáyá Massemba”,
com Roberto Mendes, entre outras dezenas de composições conhecidas de Capinan.
No entanto, como o próprio Capinan sempre lembra,
ele não consegue viver de seus direitos autorais. É um problema de todos os
compositores, particularmente os que não cantam as suas próprias canções. O
Capinan e a sua geração foram pioneiros nessa luta por direitos autorais no
Brasil. Ainda hoje há muito por fazer para o devido reconhecimento da produção cultural
e dos compositores brasileiros em relação aos seus direitos autorais.
A
poética de Capinan está registrada nos seus livros publicados e em antologias
de poetas brasileiros, como Inquisitorial (1995); Poemas: Antologia e Inéditos (1996);
Vinte Canções de Amor e Um Poema (2014); Balança mas Hai-Kai (2011) e o recente
26 Poetas Hoje, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, são as principais publicações
a serem destacadas.
Ainda
nos anos 80, Capinan foi Secretário de Cultura do Estado da Bahia no Governo
Waldir Pires, quando a Cultura tornou-se Secretaria de Governo. Na área
ambiental, teve protagonismo na criação do ECODRAMAS, movimento que, já nos
anos 80, destacava a importância da questão ambiental no dia a dia da sociedade:
chamando a atenção da importância das manifestações culturais e religiosas
nesse contexto. Eram encontros sócio-ambientais e culturais anuais que
premiavam as melhores práticas e as lideranças culturais e ambientalistas da
Bahia.
A
cultura afro-brasileira continua marcando a produção e a vida do poeta Capinan.
A travessia do sertão para Salvador e o recôncavo coloca-o como um dos
importantes intérpretes da cultura afrobrasileira no Brasil. Ele tem ensaios,
artigos, poesias e composições que falam de questões históricas e atuais, fez
viagens à África, é um permanente interlocutor na cooperação cultural entre o
continente africano e o Brasil. Desde a
fundação em 2004, ele está à frente do Museu AfroBrasil, que teve como diretor
curador Emanuel Araújo e o apoio permanente da Associação de Amigos da Cultura
Afrobrasileira (AMAFRO), que tem como objetivo o ensino, a pesquisa, a
cooperação e o intercambio voltados à recuperação e à preservação do
patrimônio, da memória e da cultura afro-brasileira, dos quais Capinan hoje é
um dos seus mais destacados guardiões na Bahia.
Somos
testemunhas, há anos, do empenho, do compromisso e das dificuldades passadas pela
AMAFRO e do trabalho de Capinan e de toda uma equipe, na maioria de
voluntários, para manter o museu funcionando, cujo desafio maior continua sendo
a federalização ou a estadualização deste importante espaço cultural.
Em
2006, o teatrólogo, publicitário, poeta, médico, jornalista e escritor José
Carlos Capinan entrou para a Academia Baiana de Letras, sendo o primeiro
compositor de música popular brasileira a fazer parte dela.
Assim o poeta chega aos 80 anos, com uma impressionante
capacidade de escrever e de continuar a liderar a construção do Museu Afro
Brasil na Bahia. As parcerias continuam. Quem não quer ser parceiro musical de Capinan?
A lista continua extensa. Artesão da
palavra faz com naturalidade a escrita poética. Para ele, escrever é como se
alimentar, como dormir, acordar, ler, ouvir música, conversar e todas as outras
rotinas diárias na sua casa do Rio Vermelho, refletindo a vida e o mundo em que
vivemos. Continua trabalhando, traduzindo na sua poesia as alegrias, as belezas,
as angústias, as incertezas e os desafios existenciais do ser humano, da realidade
brasileira e mundial do que somos e que poderemos ser como humanidade durante e
pós pandemia.
O
poeta José Carlos Capinan merece todas as homenagens e o reconhecimento da sua
produção social e cultural. Continua a jornada defendendo os valores de toda a vida,
valores universais de igualdade, liberdade e fraternidade.
Nestes
tempos sombrios que atormentam a todos nós, a cultura é fundamental para a
nossa sanidade emocional. A poesia de Capinan nos acolhe e nos vitaliza ajudando
a enfrentar estas tormentas, na busca de novos caminhos e horizontes que possam
nos levar às novas relações com a nossa humanidade e a própria natureza.
Que
assim seja!
Juntos
com a poesia de Capinan, somos e seremos melhores.
Viva
a Cultura!
Viva
Capinan!
*George Gurgel de Oliveira, professor da UFBa, dirigente da Fundação Astrojildo Pereira e da AMAFRO
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