Uma
das frases mais sábias da cultura brasileira contemporânea: “Se chorei ou se
sorri, o importante é que emoções eu vivi”
O
problema é que não
sabemos direito quem somos. Dito de outro modo, o brasileiro não tem ideia
de quem é ou de onde veio. Somos enganados por sucessivas explicações em que
nossos avós eram ora bravos navegadores lusitanos amigos íntimos de sábios
indígenas incorruptíveis, ora bandeirantes porretas que enfrentaram a floresta
hostil e o gentil castelhano para criar a nação. Na confusão de versões, nunca
tivemos um Mayflower que nos desse a garantia de nossa origem, que diabo de
povo somos nós, de que ovo viemos, em que galinheiro nos chocaram, educaram e
inventaram nossa bárbara cultura.
Só
muito de vez em quando temos a oportunidade de responder, pelo menos em parte,
a essa questão. Em geral, por causa de um criador de produtos culturais que nos
surpreende e assusta.
A primeira vez que vi Roberto Carlos na vida foi no bar do Hotel Plaza, em Copacabana, onde cantava timidamente para uns boêmios desinteressados. Ele procurava ser uma nova versão de João Gilberto, cantando baixinho e pelo nariz. Pouco depois, planejei um documentário em som direto, a novidade da época, em torno de um encontro doméstico de sua turma. Planejado por mim e por David Neves, o filme se chamaria “Alô, alô, Jovem Guarda!” e seria conduzido por Roberto Carlos. Com gentileza e diplomacia, ele ia adiando sua decisão, até que anunciou sua participação na série de filmes de Roberto Farias, tão bem-sucedidos desde logo.
Mas
fui o primeiro cineasta a usar uma canção de Roberto Carlos num filme, um
passeio romântico pelo recém-construído Aterro do Flamengo, em “A grande
cidade”. E foi fácil e rápido obter a autorização do autor. Como foi fácil e
rápido, anos depois, obter de Roberto a autorização para que usássemos
“Emoções” na trilha de “Dias melhores virão”. Em resposta pessoal a meu pedido
formal, não me encontrando em casa, ele deu a autorização pelo telefone à minha
mulher, Renata. Só exigiu dela e a fez garantir que não tinha sexo pornográfico
na cena em que a canção seria tocada. Não tinha, nem teve.
Na
já longa formação da Humanidade sobre a Terra, três relações foram fundamentais
para determinar a existência e a cultura de todo ser humano. Em primeiro lugar,
a relação com o Outro, a parceria na solidariedade que permite a existência das
pessoas entre si. Em seguida, a relação com o Estado, o monte de regras e
costumes que organiza e torna possível a existência em sociedade. E finalmente
a relação com a Natureza, à qual tratamos até agora como se estivesse a serviço
de nossa existência, como se fôssemos os senhores do mundo, quando somos apenas
um de seus hóspedes.
Com
uma mistura de sabedoria e sentimentos, Roberto Carlos nos ensina que, se
esgotamos apenas alguma dessas relações ou, o que é pior, apenas um pedaço
delas, estaremos nos condenando ao desastre. Corremos o risco de esbarrarmos
com o fim da Humanidade ou até com o fim do próprio planeta que nos suporta há
dez milhões de anos com certo e crescente sacrifício.
Uma das frases mais sábias da cultura brasileira contemporânea está numa canção de Roberto: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”. É preciso aprender a chorar o fracasso no amor ou no que for. Assim como é preciso sorrir para saber se tomamos o rumo certo para o que deve ser. A grandeza da fragilidade que Roberto Carlos nos propõe está em reconhecer que é dessa ambiguidade que nasce algum valor. A certeza, nossa maior fraqueza, será sempre a causa do fracasso derradeiro. Não é à toa que ele é o Rei.
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