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O Globo
O
Supremo Tribunal Federal (STF) tem razões que até a razão desconhece, como
disse o filósofo Blaise Pascal no século XVII sobre o coração. Só assim podemos
compreender a série de decisões tomadas nos últimos dias, reflexos distorcidos
de outras, que percorreram todas as instâncias jurídicas nos últimos cinco anos
em que a Operação Lava-Jato esteve em pleno vigor no combate à corrupção.
O STF é o exemplo mais evidente de que, no Brasil, até o passado é incerto,
frase que o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan colocou em evidência. Cinco anos
depois de vários processos, vários julgamentos até na terceira instância do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), vem o Supremo decidir, por maioria, que o
foro para a Operação Lava-Jato não era Curitiba. Pior: ninguém sabe que comarca
é o foro correto.
Dos onze ministros, oito votos a favor de transferir o foro se dividiram entre
dois que achavam que era mesmo Curitiba, mas seguiram a maioria: o próprio
relator Edson Fachin, e Luis Roberto Barroso. Outro, o ministro Alexandre de
Moraes, votou por São Paulo, que deve prevalecer, e os demais pediram tempo
para pensar. Três outros ministros votaram por manter o foro em Curitiba.
Como se vê, não é uma questão simples, e nem tampouco política. Denota um ponto
de vista jurídico que é apoiado por cinco ministro do STF, e foi apoiado pelo
STJ. Transformou-se a definição do foro em um ato político contra o ex-juiz
Sérgio Moro, como se ele tivesse usurpado o juízo natural quando a questão foi
discutida em diversos fóruns e, até o momento, a centralização em Curitiba dos
processos da Lava-Jato por conexão era perfeitamente compatível com as normas
jurídicas.
Aconteceu a mesma coisa no julgamento do mensalão. O então advogado Marcio
Thomas Bastos, que já fora ministro da Justiça do governo Lula, tentou de
diversas maneiras fatiar os processos, para mandar para tribunais regionais
eleitorais ou varas comuns todos os que não envolvessem pessoas com
prerrogativa de foro.
Por que queria fazer isso ? Porque era mais fácil para os advogados de defesa,
desmembrando os casos, retirar deles a carga de uma operação organizada,
conectada entre os diversos crimes. Assim como começou a ser feito pela Segunda
Turma em relação à Lava-Jato, enviando processos para os tribunais eleitorais
regionais e para instâncias inferiores da Justiça.
A segunda parte dessa história será julgada na próxima quinta-feira, a
suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Mais uma vez,
as razões que a própria razão desconhece surgirão para serem debatidas. No
início da sessão, vai ser levantada uma questão de ordem para saber se o
plenário pode ou não analisar se a Segunda Turma poderia ter
julgado o caso mesmo depois que o ministro Edson Fachin transferiu o foro para
o Distrito Federal, decretando a perda de objeto do habeas-corpus.
Portanto, o plenário, embora não seja instância revisora das decisões das
Turmas, como ressaltou a ministra Carmem Lucia, pode decidir que o
julgamento da suspeição de Moro não deveria ter ocorrido. O que prevalece, a
incompetência ou a suspeição? O artigo 96 do Código de Processo Penal diz que a
suspeição é a primeira questão que tem que ser analisada nos processos, dentre
as exceções: de competência, de impedimento, de suspeição.
Porém, segundo Douglas Fischer, renomado processualista penal, esse artigo só
se aplica às exceções que são apresentadas na primeira instância. Quando essas
exceções são arguidas em um habeas-corpus, ou em vários, impetrados em qualquer
tribunal, inclusive no Supremo, não há ordem de precedência, pelo contrário.
Entre as duas, o que prevalece é a incompetência, porque você pode ter na mesma
Vara, na mesma comarca, ou na mesma sessão judiciária, dois juízes, sendo que
um é suspeito e o outro, não, ambos competentes. Mas não pode ter um juiz que é
competente, e outro não, na mesma sessão judiciária. A competência prejudica a
suspeição.
Vai ser outra das muitas discussões jurídicas a que assistiremos perplexos, no
dizer do ministro Marco Aurelio Mello
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