O Estado de S. Paulo
Condições de reeleição se deterioram e
inflamar e botar bolsonaristas na rua não resolve
Diferentemente do que imaginavam o
Planalto, assessores, aliados e bolsonaristas resilientes, o tempo não está
contando a favor, mas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Quanto
mais 2021 avança e 2022 se aproxima, mais as condições de Bolsonaro se
deterioram na política, na economia, na confiança dos cidadãos. Se ele acha que
basta incendiar a internet e botar sua turma na rua, pode estar redondamente
enganado.
Na análise governista, o pior já teria
passado até outubro de 2022. Fim da pandemia, maioria da população vacinada,
mortos esquecidos e cada um se virando com suas sequelas. Economia reaquecida,
PIB surpreendendo, investimentos a rodo, empresas produzindo, serviços voltando
e empregos se multiplicando. Não é bem assim.
Bolsonaro jogou no lixo as bandeiras e o discurso de 2018 e não construiu nada sobre os escombros. Lá se foram o combate à corrupção, a defesa da Lava Jato, a “nova política” e a ojeriza ao Centrão, arrastando junto a balela de uma política econômica liberal, moderna e reformista. Nada foi colocado no lugar e, enquanto presidente, ele nunca deixou de ser candidato.
Concorrer à reeleição como paladino da moralidade,
não dá. Como líder responsável e eficaz na pandemia, nem como piada de mau
gosto. Como gestor e chefe do governo, impossível. Como salvador da Pátria, do
ambiente, da Amazônia, da educação, da cultura, da política externa...,
façam-me o favor!
Logo, Bolsonaro precisaria apostar todas as
fichas na economia e no ministro Paulo Guedes, mas ele não dá a menor bola para
uma nem para o outro. A previsão do PIB, modesta para 2021, mas animadora para
2022, cai mês a mês. Os investimentos recuam com as crises que Bolsonaro cria o
tempo todo. A inflação assusta, os juros sobem a cada reunião do Copom.
Não adianta bater no IBGE, porque a
realidade é que o desemprego tem uma recuperação lentíssima e joga famílias
inteiras na rua, com pratos vazios. Não custa repetir que, além da questão
social, até humanitária, o emprego é o mais político dos indicadores
econômicos.
A isso somem-se três fatores que não são
consequência direta do Executivo, mas têm peso extraordinário no humor da
classe média, que por sua vez tem peso significativo nas eleições: gasolina
(perto de R$ 7 o litro da comum), gás de cozinha (mais de R$ 100 o bujão) e
conta de luz de lares e empresas (e a crise hídrica e energética ainda não
chegou ao pico). “Não adianta ficar chorando”, ministro Guedes?!!
Exatamente por isso, como publicou ontem o
repórter Lauriberto Pompeu, com fartura de depoimentos, o Centrão está
ressabiado, trabalha com a perspectiva de derrota de Bolsonaro e reclama de
Guedes. Ninguém ali está preocupado com macroeconomia, teto de gastos,
responsabilidade fiscal, só com o próprio interesse eleitoral, que envolve o
pacote clássico do populismo: gastança, programas sociais de ocasião, compra de
votos.
Guedes que se cuide, enquanto o Centrão
reabre os canais com o expresidente Lula, principalmente no Nordeste, única
região em que Fernando Haddad venceu em 2018. Pouco importa se o PP abocanhou a
“alma do governo”, com Ciro Nogueira na Casa Civil, e Câmara, com Arthur Lira
na presidência. O futuro é muito mais apetitoso do que o presente.
Se o Centrão e o próprio PP já estão se
cuidando, imaginem o resto da turma. O bolsonarismo se infiltrou em
praticamente todos os partidos do centro à direita, mas todos têm equilíbrio
delicado, que pode ser fugaz e depende sobretudo do próprio Bolsonaro. Ele vai
de solenidade em solenidade militar, faz agrados às polícias, mantém a tropa
bolsonarista unida atacando tudo e todos, mas não percebe o principal: só isso
não ganha eleição.
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