EDITORIAIS
É lamentável que juízes se prestem ao papel
de censores
O Globo
Pela segunda vez em uma semana, uma decisão judicial obrigou O GLOBO a retirar
do ar uma reportagem publicada em seu site. Uma desembargadora do Distrito
Federal ordenou a derrubada da notícia que relatava dezenas de saques em
espécie das contas da VTC Log, empresa investigada pela CPI da Covid. Na semana
passada, um juiz do Amazonas determinara a exclusão de reportagens que
levantavam suspeita de fraude em ensaios clínicos com uma droga sem eficácia
comprovada contra a Covid-19, a proxalutamida.
É evidente o interesse público das
informações publicadas pelo GLOBO. É em nome dele que a Constituição garante a
jornalistas o direito de preservar o sigilo de suas fontes e que a lei os isenta
de responsabilidade por publicar fatos e dados resultantes de vazamentos, mesmo
que ilegais. O dever da imprensa é com o público, não com quem é atingido pelas
reportagens.
Intenso debate sobre liberdade de expressão tomou conta do país como efeito da prisão do deputado Daniel Silveira e do ex-deputado Roberto Jefferson, do corte do financiamento à campanha mentirosa contra a urna eletrônica e das medidas das redes sociais para coibir a desinformação na pandemia. É espantoso que a censura judicial à imprensa não provoque reação tão veemente, embora se torne a cada dia mais frequente. A ponto de juízes do Rio Grande do Sul e do Rio terem ressuscitado a absurda censura prévia. Em Porto Alegre, um desembargador manteve o veto de uma juíza à veiculação, pela RBS TV, de informações sobre a delação premiada de um empresário. No Rio, outra juíza barrou a publicação de reportagem na revista Piauí sobre o humorista Marcius Melhem.
Liberdade de expressão não é tema trivial.
Protege o direito de qualquer um a expressar sua opinião, livre da coerção do
Estado. Mesmo opiniões abjetas devem ser protegidas (é a garantia de que as
demais serão). Em particular, deve haver proteção à imprensa, cujo dever numa
democracia é publicar informações de interesse público, contra poderosos que
prefeririam o segredo.
Como toda liberdade, a de expressão não é
absoluta. Países distintos, com histórias e culturas distintas, lhe impõem
limites distintos. De modo geral, palavras de incitação à violência, ameaças,
conspiração ou chantagens não são protegidas, pois configuram crime. Ninguém
pode gritar “mãos ao alto!” com uma arma na mão e, uma vez preso, alegar que
exercia apenas seu direito à expressão livre de ideias.
É provável que os casos de Jefferson e
Silveira, que ameaçaram a democracia e ministros do Supremo, tivessem outro
desfecho nos Estados Unidos. Lá, a Suprema Corte decidiu em 1969 que a
incitação só deve ser coibida se o crime ameaçado for iminente. Aqui, porém, a
lei é outra. Quem ler os despachos que ordenaram a prisão de ambos não terá
dificuldade de encontrar as leis violadas por seus atos e palavras.
Sobre a censura à imprensa, não há dúvida
nem lá, nem cá, nem em lugar nenhum. As decisões judiciais recentes são todas
absurdas e, dada a extensa jurisprudência sobre o tema, deverão cair em
tribunais superiores. Não deixa de ser lamentável que o Judiciário brasileiro,
nas instâncias inferiores, ainda se preste ao papel de censor. E que os novos
defensores da liberdade de expressão tenham tanta dificuldade para enxergar onde
ela é mais ameaçada.
Novo Código Eleitoral exige discussão mais
aprofundada
O Globo
A alquimia mais recente que fervilha nos
caldeirões do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o Novo Código
Eleitoral, projeto da deputada Soraya Santos (PL-RJ) relatado pela deputada
Margarete Coelho (PP-PI). O texto tem nada menos que 905 artigos. Das 371
páginas que Lira pretende levar ao plenário para votação na semana que vem,
apenas quatro resumem o parecer da relatora. Todo o resto é o texto da lei.
É inconcebível que mudança de tal
envergadura seja conduzida tão rápido, sem uma discussão detalhada de suas
implicações. O texto traz de tudo um pouco. Reduz a transparência nos gastos do
fundo eleitoral, abre brechas a despesas antes proibidas e enfraquece a fiscalização
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Relaxa as regras para uso de
alto-falantes, comícios, carreatas e boca de urna no dia da eleição. Cria o
crime de caixa dois, mas sujeito a penas menores e acordo para evitar punição.
Cada tema deveria obviamente ter sido discutido de modo mais detido.
Entre as mudanças, uma das mais nefastas é
proibir a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição.
Pesquisas são fundamentais para os eleitores decidirem em quem votar, e mudar o
voto de última hora faz parte da dinâmica de uma democracia vibrante. Além de
violar o direito do eleitor à informação, restringir as pesquisas de institutos
fidedignos apenas estimulará a circulação de números fraudulentos, com a
intenção óbvia de manipular votos. Para não falar na criação estapafúrdia de um
“percentual de acerto” para os institutos, conceito sem nenhum fundamento
científico, que revela apenas a ignorância abissal dos parlamentares sobre
estatística.
Em que pesem os absurdos, é possível
encontrar no texto propostas positivas, que contribuiriam para aperfeiçoar
nossas eleições. É o caso da quarentena criada para que procuradores ou juízes
só possam concorrer a cargos eletivos cinco anos depois de terem abandonado a
carreira pública. É uma mudança que reduziria o oportunismo e contribuiria para
a profissionalização da política. Fez bem a relatora em estender a quarentena a
outras carreiras de Estado, como policiais e militares, já obrigados a
afastar-se de suas funções para candidatar-se.
Mas uma ressalva deve ser feita. As novas
restrições só deveriam ser impostas àqueles que ainda estiverem na carreira
pública depois da aprovação da lei. Seria injusto impedir de concorrer alguém
que abandonou seu vínculo público enquanto outras regras estavam em vigor. É o
caso do ex-juiz Sergio Moro, que saiu da magistratura em 2018 para virar
ministro e parece ter sido o alvo dessa exigência.
É bastante provável que, dado o gigantismo
do texto, os parlamentares tenham inserido nele quantidade nada desprezível de
jabutis que poucos perceberam. Será preciso encontrá-los e desmascará-los, para
evitar que virem lei. Lira tem pressa de aprovar tudo, para que o novo código
esteja em vigor já nas eleições do ano que vem. É preciso cautela. A correria
dos parlamentares pode funcionar contra o eleitor.
A reação dos adultos
O Estado de S. Paulo
As palavras do comandante do Exército soam como a antítese do governo de Jair Bolsonaro. O alerta brota espontâneo. O País precisa urgentemente dos adultos
Jair Bolsonaro continua tratando irresponsavelmente
o País. Num cenário de indicadores sociais e econômicos difíceis, o presidente
da República reforça tensões, cria atritos e ameaça outros Poderes. Nota-se a
sanha, completamente irrazoável, de inviabilizar qualquer possibilidade de
tranquilidade e estabilidade.
O quadro é desafiador. Deve-se reconhecer,
no entanto, a atuação responsável de autoridades civis e militares, em
contraste com o bolsonarismo. O comportamento de Bolsonaro continua sendo
grave, mas essa reação madura – recordando limites e preservando o
funcionamento das instituições – evita muitos danos. Apesar do bolsonarismo, há
adultos na sala.
Na quarta-feira passada, o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou o pedido de Jair Bolsonaro para abrir
processo de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes. “Como presidente do Senado, determinei a rejeição da
denúncia por falta de justa causa e por falta de tipicidade”, disse Rodrigo
Pacheco.
A rápida resposta do presidente do Senado
deu a exata dimensão da peça acusatória. Sem nenhum fundamento jurídico, o
pedido de impeachment era tão somente expressão da birra do presidente Jair
Bolsonaro contra decisões judiciais que desagradaram ao Palácio do Planalto.
“Quero crer que essa decisão (de rejeitar o
pedido) possa constituir um marco de restabelecimento das relações entre os
Poderes, pacificação e união nacional”, afirmou o presidente do Senado. No
entanto, já no dia seguinte, Jair Bolsonaro mostrou que não se deve nutrir a
expectativa de mudança de seu comportamento.
Criticou o presidente do Senado e reclamou
que o pedido de impeachment não tenha sido recebido como uma ordem judicial.
“Quando chegou uma ordem do ministro Barroso para abrir a CPI da Covid, ele
(Rodrigo Pacheco) mandou abrir, e ponto final. Ele agiu de maneira diferente de
como agiu no passado”, disse Bolsonaro à Rádio Jornal Pernambuco, em entrevista
na qual também criticou o ministro Alexandre de Moraes.
Também na quarta-feira passada, o ministro
Edson Fachin arquivou quatro ações propostas por Jair Bolsonaro e pelo
Diretório Nacional do PTB, questionando o artigo do Regimento Interno do STF
que autoriza o tribunal a abrir, em determinados casos, investigações próprias.
Foi com base nesse dispositivo que o Supremo abriu o inquérito relativo
às fake news e ameaças contra a Corte e seus ministros.
Na decisão, Edson Fachin lembrou que o
plenário do STF já se manifestou no ano passado pela validade do dispositivo,
precisamente ao analisar a instauração do inquérito das fake news. É
constrangedor constatar como o Palácio do Planalto, em vez de colaborar com as
investigações do Supremo sobre indícios e suspeitas de crimes, limita-se a
questionar, sem nenhuma base jurídica, a existência dos inquéritos.
O bolsonarismo imita, assim, a tática do
lulopetismo. Não dá explicação sobre as condutas suspeitas de crimes. A
resposta à Justiça e à população é apenas uma, por sinal muito pouco
convincente: Jair Bolsonaro e Lula da Silva seriam vítimas de perseguição do
Judiciário. Agiu bem, portanto, o ministro Edson Fachin ao arquivar tais
manobras judiciais.
Outro exemplo de maturidade e
responsabilidade pôde ser visto na cerimônia de homenagem ao Dia do Soldado.
Num momento em que o bolsonarismo se vale do bom nome das Forças Armadas para
instigar confusão e convocar apoiadores para invadir o Supremo e o Congresso no
7 de Setembro, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, deu
um recado cristalino, assegurando que as Forças Armadas estão “sempre prontas a
cumprir a missão delegada pelos brasileiros na Carta Magna”. Não há margem para
golpe.
O comandante do Exército reafirmou ainda o
compromisso das Forças Armadas com os “anseios de tranquilidade, estabilidade e
desenvolvimento”. Próprias da maturidade, essas três palavras soam como a
antítese do governo de Jair Bolsonaro. O alerta brota, então, espontâneo. O
País precisa urgentemente dos adultos.
A seca e a liderança do agro
O Estado de S. Paulo
Mesmo com produção menor, o campo deve ser a principal fonte geradora de dólares
A pandemia derrubou a produção
industrial e a prestação de serviços, no ano passado, mas a atividade no campo
continuou em expansão, resistindo aos estragos ocasionados pela covid-19. Mas
nem a agropecuária, o setor mais eficiente e mais competitivo da economia
brasileira, atravessou sem danos importantes, em 2021, a pior seca em nove
decênios. Ainda se espera crescimento, mas, por causa da escassez de chuvas,
o Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária deve aumentar 1,7%, em vez dos
2,6% previstos em junho, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Mesmo com menor expansão, a produção das
lavouras e das criações ainda fornecerá a base para a robusta exportação do
agronegócio, a principal fonte geradora de dólares por meio do comércio. No
primeiro semestre deste ano, o agronegócio exportou produtos no valor de US$
61,49 bilhões, um recorde setorial para o período. Esse valor correspondeu a
45,3% das exportações totais de mercadorias. O saldo comercial do setor, de US$
53,99 bilhões, compensou com ampla folga o déficit de US$ 17,26 bilhões
acumulados por outros segmentos produtivos.
O setor tem sido, há muitos anos, o maior
sustentáculo do comércio exterior brasileiro e a principal fonte de superávit
comercial – fator essencial, portanto, para a acumulação de reservas em dólares
e para a segurança das contas externas. Um país sem reservas, ou com reservas
escassas, tem pouca resistência a choques internacionais e pode afundar com
rapidez em crises penosas, especialmente se dever muito a credores externos.
Quando isso ocorre, o ajuste é muito trabalhoso e o desemprego elevado é uma
das consequências.
O Brasil tem bom volume de reservas, acima
de US$ 350 bilhões, deve pouco a estrangeiros e as contas externas têm
permanecido, há muitos anos, em condições facilmente administráveis, com
déficit moderado em transações correntes. Mas o País depende em excesso das
exportações do agronegócio e da indústria extrativa, porque a indústria de
transformação, excetuados uns poucos segmentos, compete com dificuldade no
mercado internacional. O setor de transformação perdeu eficiência, enfraqueceu
nos últimos dez anos e está muito abaixo do patamar alcançado antes da recessão
de 2015-2016.
O enfraquecimento da indústria reflete
erros políticos graves, como a estratégia de criação de campeões nacionais, no
período petista, a baixa integração nas cadeias internacionais de produção e a
excessiva dependência, tão cômoda quanto perigosa, dos mercados fornecidos pelo
Mercosul e, de modo geral, pelas áreas mais acessíveis da América Latina.
Esse quadro impõe enormes e urgentes
desafios, mas o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica têm-se
mostrado incapazes até de entendê-los. O presidente insiste em tratar a
agropecuária essencialmente como base de apoio político. Corteja a banda mais
atrasada e politicamente mais tosca dos empresários do campo, favorecendo a
destruição ambiental, comprometendo internacionalmente a imagem dos bons
produtores brasileiros e criando atritos com governos de países importadores,
incluído o chinês.
Enquanto isso, a equipe econômica age como
se a indústria dependesse principalmente do barateamento da mão de obra e da
redução de alguns impostos. Além disso, cuida-se confusamente da questão dos
impostos, porque o ministro da Economia parece incapaz de separar objetivos
estruturais, típicos de uma séria reforma tributária, dos problemas imediatos
das contas públicas.
Políticas de tecnologia, de modernização de
processos e de formação de capital humano continuam fora do radar, até porque
os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia foram transformados em
paródias do que deveriam ser ou já foram. Não há como esperar desse desgoverno
uma economia mais equilibrada, com um setor industrial mais próximo da
eficiência da agropecuária. Mais prático é torcer, por enquanto, para o
presidente Bolsonaro completar seu mandato sem causar maiores danos ao setor
mais competitivo da economia brasileira.
Reféns do Taleban
O Estado de S. Paulo
O fiasco da retirada americana do Afeganistão deixou o mundo mais perigoso
Apesar dos apelos de seus aliados no G-7, o
presidente norte-americano, Joe Biden, manteve o prazo de retirada das tropas
no Afeganistão até o dia 31. Ele espera que todos os civis americanos sejam
retirados e que logo a opinião pública esqueça as cenas caóticas no aeroporto
de Cabul. Mas, como todas as expectativas americanas desde o anúncio da
retirada, esta com toda a probabilidade será frustrada, com as consequências
mais catastróficas.
Mesmo admitindo, contrariamente a muitos
estrategistas, que a retirada era a melhor opção ante as pressões da opinião
pública americana e de autoridades democratas e republicanas, não havia nenhum
fato determinante para que ela fosse tão precipitada.
O acordo com o Taleban, costurado
atabalhoadamente por Donald Trump com vistas às eleições e sem maiores
consultas a seus aliados, falhou em garantir o que deveria ser precondição para
qualquer saída: um cessar-fogo entre o governo afegão e o Taleban. Desde então,
o Taleban descumpriu todas as suas promessas e, quanto mais os americanos
se apressavam em retirar suas tropas, menos incentivos ele tinha para negociar.
Em semanas, o governo colapsou, o Taleban tomou a maior parte do país e
encurralou os aliados no aeroporto de Cabul.
Biden se recusou a assumir sua
responsabilidade e muito menos a adaptar suas estratégias. A recusa dos
jihadistas em respeitar sua parte no acordo lhe dava toda legitimidade para
reverter a retirada e reagrupar as forças. Mas, ao contrário, ante o avanço
surpreendente do Taleban, ele se aferrou intransigentemente a uma data
arbitrária, estabelecida com vistas ao 9 de setembro.
Havia alternativas. Se os EUA não tivessem
abandonado a sua base aérea em Bagram, hoje controlada pelo Taleban, eles
poderiam usar forças aéreas para frear o avanço das milícias e não precisariam
disputar o controle do aeroporto em Cabul. Biden poderia ter enviado forças
para garantir zonas seguras para resgatar os civis americanos e seus aliados.
Sobretudo, deveria, em concerto com a Otan, informar o Taleban de que a
retirada não estava condicionada a um prazo, mas a um objetivo: retirar seus
cidadãos e aliados do país.
Biden pretende alcançar esse objetivo
ameaçando reter US$ 7 bilhões em reservas externas afegãs. O comunicado do G-7
fala que a condição “número um” para evitar sanções é a garantia de uma
“passagem segura” a todos que quiserem deixar o país até o dia 31. Mas o poder
de impor sanções internacionais aos líderes do Taleban resta com o Conselho de
Segurança da ONU, que inclui Rússia e China, menos hostis ao Taleban e com
interesses econômicos no país.
Neste momento, centenas de soldados
americanos estão embarcando de volta ao seu país. Enquanto os EUA renunciam à
sua última prerrogativa militar, o Taleban controla o perímetro do aeroporto.
Há relatos de cidadãos americanos sendo barrados e mortos. Na melhor das
hipóteses (considerada um “milagre” por muitos analistas), de que todos sejam
evacuados no prazo, a sentença de morte para milhares de aliados afegãos e suas
famílias está assinada: indiferente ao G-7, o Taleban proibiu qualquer afegão
de deixar o país. Na pior das hipóteses, civis americanos e ocidentais podem
ser mantidos como reféns para que o Taleban possa extorquir mais concessões. A
Casa Branca admite que não sabe quantos americanos estão no país (fala-se em
milhares) e que alguns podem ficar para trás.
Em ambas as hipóteses, a retirada já pode
ser considerada um dos maiores fracassos militares e geopolíticos da história
dos EUA. Nos cinco anos em que esteve no poder nos anos 90, o Taleban era um
pária reconhecido por apenas três países. Hoje já se fala em 50, incluindo
Rússia, China e Irã. O Taleban controla mais territórios, está mais bem
equipado (inclusive com o arsenal americano tomado das forças afegãs), e seu
“triunfo” sobre a superpotência ocidental excitará as ambições de jihadistas e
outros adversários do país.
O fiasco da retirada americana deixou o
mundo mais perigoso. Para os milhares de estrangeiros e afegãos à mercê do
Taleban, este perigo é imediato e letal.
Cautela máxima
Folha de S. Paulo
Atos bolsonaristas do 7/9 demandam
segurança proporcional às ameaças colocadas
Em mais uma contribuição de Jair Bolsonaro
para o bestiário da política brasileira, o 7 de Setembro
tornou-se um motivo de preocupação.
Não é de hoje que o bolsonarismo explora
símbolos associados ao orgulho nacional, como a camisa da seleção de futebol.
Entretanto a tentativa de usar o Dia da Independência para celebrar a afronta
do Executivo aos outros Poderes consiste em novidade.
Nas últimas semanas, ganhou proporções
alarmantes a crise provocada pelo mandatário com sua campanha para
desqualificar o sistema eleitoral —uma reação à perspectiva palpável de ver-se
derrotado nas urnas em 2022.
Respostas efetivas no âmbito do Judiciário,
como as investigações sobre atos golpistas, ou do Legislativo, como o enterro
do voto impresso, foram recebidas com novos e mais agressivos ataques do
presidente e de seus seguidores.
A situação deixa de ser anedótica quando se
veem elementos que justificam medidas cautelares para evitar a materialização
da violência pregada por valentões de rede social, como as aplicadas pelo
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra apoiadores do
presidente por meio do inquérito das fake news.
Bolsonaro aposta num caos que não deve
ganhar corpo, mas nem por isso inexistem riscos reais. Não menos porque parte
do apoio que o chefe do Executivo ainda mobiliza reside no mundo da segurança
pública e dos militares.
O episódio da manifestação bolsonarista de
um coronel da Polícia Militar paulista, chefe de 5.000 soldados, foi
especialmente preocupante. O arremedo de agitador foi logo corretamente
afastado pelo governador João Doria (PSDB).
Evitou-se a repetição do vexame imposto às
Forças Armadas no caso do general Eduardo Pazuello, que violou as normas da
caserna ao dividir um palanque com Bolsonaro e saiu ileso de punições.
Um alento veio do discurso apaziguador
proferido na quarta-feira (25), Dia do Soldado, pelo comandante do Exército,
Paulo Sérgio Oliveira, em contraste com arroubos politiqueiros de ministros
fardados. Mais incertas, porém, são as inclinações nas polícias estaduais.
Urge que autoridades competentes, nas
unidades da Federação e no Poder Judiciário, vigiem e coíbam qualquer movimento
que sugira violação da normalidade constitucional nesses dias que precedem os
atos do 7 de Setembro.
A proteção a alvos em potencial de
militantes celerados, em especial o STF e o Congresso Nacional, também se faz
imperiosa no feriado. Espera-se que o governo do Distrito Federal planeje e
execute um rigoroso esquema de segurança,
suficiente para desencorajar vândalos e golpistas.
Autonomia mantida
Folha de S. Paulo
Lei que fixou mandatos para o BC é
felizmente julgada constitucional pelo STF
O Supremo Tribunal Federal evitou um
retrocesso ao considerar
constitucional, por 8 votos a 2, a lei complementar aprovada neste ano que
concedeu autonomia formal ao Banco Central.
O questionamento à legislação, apresentado
por PT e PSOL, baseava-se numa tecnicalidade. As duas siglas oposicionistas
argumentavam que o texto aprovado pelo Congresso não tinha origem no Executivo
—como deveria em razão da interferência que promove na administração pública.
A tese chegou a ter a concordância do
relator, ministro Ricardo Lewandowski, mas acabou derrotada por ampla maioria,
ainda que com alguma divergência nos argumentos utilizados. O governo de fato
enviou ao Legislativo projeto para a autonomia do BC, mas seu texto foi
incorporado a outro já em tramitação, um procedimento usual.
Questões formais à parte, a norma resultou
de um debate de mais de duas décadas em torno da necessidade de proteger a
autoridade monetária de interferências de natureza política —no exemplo mais
conhecido, de pressões do Planalto pela redução dos juros, mesmo que com riscos
inflacionários, em busca de dividendos eleitorais.
A lei mantida pelo STF concede mandatos
fixos e não coincidentes entre si ao presidente e aos diretores do BC, que são,
como antes, indicados pelo presidente da República e submetidos ao Senado.
Não se trata de panaceia, pois nem a melhor
das leis pode impedir que um órgão seja aparelhado com incompetentes ou
apaniguados se o mandatário dispuser de tempo e força política para tanto.
Tampouco se está criando algum poder
antidemocrático, como acusam os opositores mais ideológicos. Os dirigentes da
política de juros, além de sujeitos ao escrutínio de representantes da
sociedade com mandato terão de se pautar por metas de inflação estabelecidas
por governos eleitos.
A autonomia é simplesmente um
aperfeiçoamento institucional, de resto comum no mundo desenvolvido, a ser
consolidado com a experiência prática. A contrapartida do BC deve ser
transparência nas decisões e prestação de contas permanente, requisitos em que
muito se avançou desde o lançamento do Plano Real, em 1994.
Seria lamentável interromper a iniciativa
antes de decorrido um tempo mínimo de observação —e parece improvável que o
governo Jair Bolsonaro tivesse agora disposição para retomá-la.
Déficit hídrico piora e oferta de energia
está perto do limite
Valor Econômico
Severa crise hídrica piora as perspectivas
já pouco alentadoras da economia
Os reservatórios das regiões Sudeste e
Centro-Oeste, que somam 70% da capacidade para produção de energia
hidrelétrica, há tempos vêm diminuindo pela falta de chuvas e o nível médio de
suas águas já é inferior ao que originou o racionamento de 2001. A equação da
oferta de capacidade de energia piorou com o agravamento do cenário de
precipitações. Em uma situação de alto estresse como esta, o governo não
deveria descartar nenhuma arma, mas há três meses o ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque repete que não há “hipótese de racionamento”. Há
cálculo político nessa insistência.
A escassez de energia em 2001, seguida de
racionamento e apagões, contribuiu para o desprestígio do presidente Fernando
Henrique e reduziu as chances do candidato do PSDB, José Serra, na disputa
eleitoral com Luiz Inácio Lula da Silva, que venceu as eleições de 2002. Agora,
afligido por contratempos de toda a ordem e com a popularidade em baixa, tudo o
que o presidente Jair Bolsonaro não quer é um colapso do fornecimento de
energia. Mas reconhecer o problema é a única forma de se preparar para
resolvê-lo e atenuar seus efeitos. O racionamento tem de ser uma hipótese - os
números da ONS a colocam na mesa - e não há desprestígio em usar o melhor
conhecimento e as melhores opções para combater adversidades que o governo não
criou.
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O ministro tem seus números e suas
perspectivas, além de conveniências políticas. O Operador Nacional do Sistema
Elétrico tem outros, que são péssimos. Ontem o ONS informou que em outubro não
haverá mais capacidade elétrica suficiente para atender à demanda. Há um gap de
5,5 GW, ou 7,5% da carga diária que precisará ser atendido, seja por
importações, seja pela utilização de mais termelétricas.
Os especialistas têm outras contas que
indicam que a oferta adicional, mesmo lançando mão de toda a energia térmica
disponível e de todas as fontes, não será suficiente para atender a demanda.
Com o baixo nível dos reservatórios, que continuam caindo em um período
drasticamente seco, não haverá forma de equilibrar oferta e procura sem redução
da demanda.
Embora negue o racionamento, o governo já
começou a fazê-lo. Ontem, Albuquerque anunciou que todos os órgãos públicos
federais terão de reduzir o consumo de energia em 10% a 20%. Anunciou também
que as empresas que utilizarem energia fora do horário de pico receberão um
bônus, que também será ofertado aos consumidores residenciais (em setembro). A
redução da conta das empresas e de consumidores irão provavelmente para as
tarifas - ambos pagarão preço maior pela energia mais à frente.
O governo aposta em racionamentos
estimulados. Teme-se que eles serão insuficientes diante da certeza de reduções
adicionais dos reservatórios. No nível atual, de 22,7% em agosto, estão a pouco
mais de 10 pontos percentuais de atingir o limite crítico de 10%, ou seja, do
esgotamento total dos recursos. O ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, estima
que esse limiar será alcançado no início de outubro (Valor, 6 de
agosto). Se as previsões se confirmarem, não haverá outra forma de operar sem
racionamento obrigatório, que teria tanto mais efeito quanto antes fosse
adotado. Ao que parece, o governo só tomará este passo diante de fatos
consumados.
O governo agiu corretamente ao reduzir a
vazão das usinas do Nordeste, que economizarão água que servirá para abastecer
o sistema Sudeste-Centro Oeste na fase mais crítica da crise. Mas tem falado
com pouca clareza, e sem ênfase, sobre a gravidade do desafio elétrico a
caminho.
O preço econômico, não só o político, que
recairá sobre o governo, é alto. O ministro Paulo Guedes soltou outra de suas
boutades inconvenientes ao perguntar qual é o problema de a energia “ficar um
pouco mais cara porque choveu menos”. Há vários problemas. Em 2021 a energia
subiu 52%, o que não é pouco, e está puxando os índices de inflação, como fez
anteontem com o IPCA-15. Ela embala também a perspectiva de a inflação fechar o
ano perto dos 8%, assim como empurra a taxa básica de juros para longe dos
juros neutros. Há pouco mais de um mês, a expectativa era de que a Selic
encerrasse o ciclo de alta em torno de 6-6,5%. Esse intervalo já está na casa
dos 7,5%-8%, com viés de alta. O Tesouro emite dívida pagando juros maiores e a
dívida pública, enorme, aumenta. O nível de atividade esfria e o elevado
desemprego não vai embora logo. São problemas muito sérios, agravados por uma
severa crise hídrica.
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