quarta-feira, 25 de junho de 2025

Trégua de Trump entre Israel e Irã não inclui fim da guerra em Gaza - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Conflitos na Ucrânia, na Palestina e a escalada militar entre Tel Aviv e Teerã, com envolvimento dos Estados Unidos, mudaram os paradigmas de defesa contemporâneos

Com proclamações de vitória de todos os envolvidos, inclusive do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a trégua entre Israel e Irã se manteve durante todo o dia de ontem, apesar das acusações mútuas de que, na segunda-feira, houve violações de parte a parte. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, e o comandante das Forças de Defesa de Israel (IDF), general Eyal Zamir, reconheceram publicamente o acordo imposto pela Casa Branca, depois de um alerta de Trump contra novos ataques de Israel contra o Irã, que ameaçava revidar com novos mísseis e drones. A trégua não incluiu, porém, as operações de Israel em Gaza, que massacram a população civil, ao combater o Hamas. Os palestinos estão órfãos.

Na guerra de versões, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que Israel alcançou uma “vitória histórica” após 12 dias de conflito, mas que ainda precisa concluir sua campanha contra o “eixo do Irã” — derrotar o Hamas e garantir o retorno dos reféns em Gaza. Do lado do Irã, Pezeshkian também classificou o desfecho como uma “grande vitória” para Teerã. “O Irã retaliou oficialmente à nossa destruição de suas instalações nucleares com uma reação muito fraca, o que esperávamos e que combatemos com muita eficácia”, disse Trump, na rede Truth Social, após se reunir com o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

A trégua é frágil. Há muitas dúvidas sobre a real situação do programa nuclear iraniano, principalmente o destino do estoque de urânio enriquecido. Ainda não estão estabelecidas as condições para uma paz duradoura. Segundo analistas norte-americanos, o fornecimento de eletricidade e parte do maquinário foram danificados, mas a estrutura física das instalações subterrâneas não foi completamente destruída. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Peter Hegseth, porém, garante que o ataque ordenado por Trump “foi concluído com sucesso” — ou seja, o programa nuclear iraniano foi devastado.

A trégua será submetida a um teste de verdade quando o mistério sobre o estoque de urânio enriquecido do Irã tiver que ser esclarecido. Segundo o The New York Times, fontes da inteligência americana afirmam que parte desse material pode ter sido transferida para instalações secretas de enriquecimento, fora do alcance das bombas. O ataque dos EUA contra instalações do Irã, no sábado, atrasou o programa nuclear do país “em apenas alguns meses’, segundo o jornal. O pretexto para os ataques foi a suposta ameaça de produção de uma arma nuclear no prazo de apenas três meses.

Segundo a Agência de Inteligência de Defesa (DIA, na sigla em inglês), os ataques selaram as entradas de dois dos três locais atingidos — Fordow, Natanz e Isfahan —, mas não chegaram a colapsar suas estruturas subterrâneas. Israel trata o programa nuclear iraniano como uma ameaça existencial. Trump garante que o Irã “jamais reconstruirá suas capacidades nucleares”. Signatário do acordo de não-proliferação de armas nucleares, o Irã tem direito a desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos, mas Israel não admite essa possibilidade, embora tenha armamento nuclear e não faça parte do acordo, como o Paquistão e a Coreia de Norte.

Novos paradigmas

Israel anunciou que concordou com a proposta de cessar-fogo após “atingir os objetivos” de seus ataques ao Irã, ao infligir danos severos à liderança militar, entre os quais centenas de agentes Basij, a milícia iraniana, e matar outro cientista nuclear sênior. “Israel agradece ao presidente Trump e aos EUA por seu apoio à defesa e sua participação na eliminação da ameaça nuclear iraniana”, diz o comunicado.

Leia mais: Incertezas envolvem o destino do programa nuclear do Irã

Em grande inferioridade aérea, o Irã fez o que pode para obter o cessar fogo, inclusive avisar aos EUA, com antecedência, que lançaria misseis em retaliação aos ataques norte-americanos às usinas nucleares. O ministro de Relações Exteriores do Catar, Seyed Abbas Araghchi, negociou o acordo. O emirado abriga a principal base militar norte-americana no Oriente Médio, que foi bombardeada cenograficamente pelo Irã.

Trump considera o cessar-fogo uma grande vitória diplomática dos EUA — um deputado republicano até propôs o nome do presidente para o Prêmio Nobel da Paz. Entretanto, a geopolítica mundial já estava abalada pelas guerras da Ucrânia e de Gaza, e nunca mais será a mesma. Depois dos ataques dos EUA ao Irã, houve mudanças de paradigmas diplomáticos, a partir da ideia de Trump de que a paz somente será alcançada pela força, e de novas estratégias militares, em razão da guerra cibernética, aviação não tripulada e artilharia de alta precisão, combinada à guerra assimétrica e atuação dos serviços de inteligência para eliminar fisicamente cientistas e chefes militares.

Para alguns, uma nova ordem internacional se impõe, em termos econômicos, políticos e militares. As guerras na Ucrânia, em Gaza e a escalada militar entre Irã e Israel, com envolvimento dos EUA, mudaram os paradigmas de defesa contemporâneos. Refletem transformações tecnológicas, geopolíticas e doutrinárias, e reconfiguram a forma como os Estados pensam e conduzem a guerra no século XXI. O uso maciço de drones e de inteligência artificial, e o papel estratégico da cibernética, tornaram obsoletos conceitos de dissuasão clássicos, como guarnição de fronteiras e profundidade de território. Há guerras por procuração, urbanas, subterrâneas, de atrito e prolongadas.

Tudo isso precipita uma nova guerra fria, com o rearmamento acelerado da Europa contra velhos inimigos, como a Rússia, a Turquia e o Irã. Será inevitável a projeção de poder naval e aéreo da China, potência continental emergente, que estava quieta no seu canto.

 

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